Tribunal da França rejeita propostas de recuperação e decreta falência da Aigle Azur

Segunda maior companhia aérea da França foi a primeira empresa privada do país fundada após a Segunda Guerra Mundial, em 1946
A330-200 da Aigle Azur: empresa francesa não tem sido transparente sobre sua situação no Brasil (Aigle Azur)
A330 da Aigle Azur: Viracopos volta a ter voos para Paris (Rafalflash)

Fim da linha para a Aigle Azur. O tribunal de comércio da França liquidou a companhia aérea e ordenou o encerramento de todas as atividades até a meia-noite desta sexta-feira (27).

A justiça francesa rejeitou as duas ofertas de aquisição pela empresa alegando que “nenhuma solução duradoura foi proposta pelos possíveis compradores”, segundo a presidente da corte, Sonia Arrouas, em entrevista ao jornal Le Figaro. A juíza ainda lamentou “as isenções de responsabilidade e a ausência de ofertas concretas e a falta de meios financeiros credíveis”, propostas pelos compradores.

Os interessados em assumir a companhia eram Lionel Guerin (ex-executivo da Air France) e Gérard Houa, um acionista de 19% da Aigle Azur e que no início de setembro autoproclamou-se presidente da empresa, mas acabou destituído do cargo pelos outros investidores dois dias depois.

A Air France também estava interessada no processo, mas não enviou uma oferta. “Temos um ambiente social estável da Air France e deixamos claro que não pretendemos colocá-lo em risco”, disse Ben Smith, CEO do grupo Air France-KLM.

Como resultado da escolha do tribunal, todos os funcionários da Aigle Azur (800 na França, 350 na Argélia) serão demitidos nas próximas semanas. O governo francês está empenhado em ajudar os funcionários a se reclassificarem “em um contexto em que as empresas europeias do setor estão contratando”, de acordo com o Secretário de Estado dos Transportes, citado pelo jornal francês.

Processo de falência relâmpago

A Aigle Azur parou seus aviões no início de setembro, dias depois de declarar falência. Enfrentando dificuldades financeiras há mais de uma década, a empresa ficou sem condições de pagar seus credores e no dia 6 de setembro cancelou todos os voos programados.

O processo de falência da Aigle Azur nos tribunais da Grança foi realizado em menos de um mês. Situação bem diferente do martírio judicial da Avianca Brasil/Ocean Air, iniciado no final de 2018 e até correndo. Em 11 de setembro, a Justiça de São Paulo descartou a falência da companhia mesmo estando claro que não há existem chances de recuperação.

Todos os aviões da Aigle Azur eram alugados e os pagamentos não estavam em dia (Pedro Aragão)

As principais rotas da empresa eram voos para a Argélia, operando em seis destinos no país do Norte da África. Ainda no continente africano, a companhia atendia Mali e Senegal, países que no passado foram colônias da França.

A Aigle Azur também deixou na mão clientes brasileiros que compraram bilhetes para Paris. A empresa operava no Brasil pelo aeroporto de Viracopos, em Campinas, a partir de Orly, a cerca de 13 km do sul da capital francesa. O voo era realizado com jatos Airbus A330-200 em cinco frequências por semana e as passagens podiam ser adquiridas por meio de codeshare com a Azul, que suspendeu o acordo em abril deste ano.

Em um de seus últimos comunicados, A Airgle Azur não prometeu reembolsou imediato aos clientes e sugeriu aos mesmos que adquirissem bilhetes de outras companhias.

A empresa ainda operava voos internos na França, trechos para quatro destinos em Portugal (Lisboa, Porto, Faro e Funchal) Líbano e voos charter para o Iraque.

Voos para as colônias

A Aigle Azur foi uma das companhias aéreas mais longevas da França e tinha a marca simbólica de ser a primeira empresa aérea francesa privada criada após a Segunda Guerra Mundial. A companhia foi fundada pelo empresário francês Sylvain Floirat em 1946 e iniciou seus voos com os trimotores alemães Ju 52 para 32 passageiros.

A principal missão da empresa era movimentar passageiros entre as diversas colônias francesas que permaneciam na África e no Oriente Médio, rotas que se tornaram o principal mercado da Aigle Azur em toda sua história, especialmente para a Argélia, que sempre foi o maior mercado da companhia.

Um antigo Boeing 307 Stratonline da Aigle Azur( San Diego Air and Space )Museum Archive)

A Aigle Azur ainda operou no Mali, Senegal, Guiné, Marrocos e Tunísia, países que se tornariam independentes nos anos (ou décadas) seguintes após o conflito mundial. Outras antigas colônias da França atendidas pela empresa eram o Líbano e a Indochina Francesa, hoje independente e dividida entre Vietnam, Laos e Cambodja.

Além dos antigos Junkers, a frota clássica da Aigle Azur contou com modelos Douglas DC-3 e o Boeing 307 Stratoliner, operados até o final da década 1960.

Outro destino tradicional da companhia foi o voo para Bagdá, no Iraque. A Aigle Azur foi a primeira companhia aérea do mundo a receber autorização para voar até o país no Oriente Médio após série de conflitos na região entre os anos 1990 e está década. O voos da empresa francesa para a capital iraquiana começaram em novembro de 2010 e terminaram com a paralisação da empresa, em dia 6 de setembro de 2019.

Os Boeing 737 da série Classic foram os primeiros jatos da Aigle Azur (Pedro Aragão)

Em seus últimos anos de operações, a Aigle Azur lançou seus maiores voos, para o Brasil e China. As rotas foram iniciadas em 2018 e acabaram um ano depois durante o processo de falência da empresa.

De mão em mão

Em 1 de maio de 1955, Sylvain Floirat transferiu toda a frota da Aigle Azur para a União Aérea Marítima de Transporte (UAT), companhia francesa que encerrou as atividades em 1963.

Propaganda antiga da “Lucas Aigle Azur), de 1984

Em 1970, a Aigle Azur foi adquirida pela empresa regional Lucas Air (hoje no ramo de táxi aéreo) e passou a atuar como uma espécie de divisão de luxo, com voo fretados para políticos, empresários, equipes esportivas e artistas. Em certas ocasiões, a empresa também era anunciada com o nome Lucas Aigle Azur.

Continuando a mudança de comandos que marcou a trajetória da Aigle Azur, a companhia foi novamente negociada no ano 2000 e passou para as mãos do grupo GoFast, do ramo de logística. A empresa recebeu investimentos e reabriu os voos da empresa.

Nos anos seguintes a empresa foi dividida entre acionistas e ficou sob o controle do grupo chinês HNA (49%) e os empresários Gérard Houa (19%) e David Neeleman, fundador da Azul e da JetBlue e também controlador de 45% das ações da portuguesa TAP.

A Aigle Azur era segunda maior companhia aérea da França até 2018, quando transportou quase 2 milhões de passageiros. Esse número, porém, é incomparável ao da líder Air France, que no mesmo período transportou 101 milhões de pessoas – incluindo passageiros das divisões Hop! e a Transavia.

Foi um encerramento rápido para uma companhia que nasceu dos escombros da França após a Segunda Guerra Mundial e teve uma carreira discreta, sempre na sombra da gigante Air France. Com o fim da Aigle Azur, abre-se uma brecha em importantes mercados para os franceses na África, especialmente na Argélia, a antiga colônia francesa que tem maior ligação com Paris. Pode ser uma oportunidade para outras companhias francesas (incluindo a Air France) ou mesmo empresas africanas.

Veja mais: Porta-aviões São Paulo está à venda por R$ 5,3 milhões

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