Mesmo com crise, nova companhia aérea regional quer estrear no Brasil

Nella Linhas Aéreas afirma se preparar para solicitar registro à ANAC e quer operar nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte com aviões ATR
Nova companhia aérea quer iniciar operação em regiões menos atendidas do país (Ev Brown)
Nova companhia aérea quer iniciar operação em regiões menos atendidas do país (Ev Brown)

Num clima extremamente preocupante, com companhias falindo e outras pedindo concordata, a aviação comercial no Brasil vive um momento de incertezas. É por isso que novas iniciativas no setor causam espanto, como ficou latente no prometido retorno da Itapemirim ao transporte aéreo. O grupo rodoviário, que já teve uma empresa de carga aérea, está preparando o relançamento de uma companhia aérea para os próximos meses, a despeito do cenário adverso.

É algo semelhante que a Nella Linhas Aéreas pretende fazer possivelmente em 2021. Projeto de um grupo brasileiro formado por uma holding panamenha e investidores, a nova companhia aérea regional ainda irá formalizar seu registro junto à ANAC, mas afirma já ter encaminhado a compra de quatro aeronaves ATR 42 que serão usadas nas primeiras rotas.

Mesmo incipiente, a Nella já causou barulho no meio. Houve rumores de que seria uma farsa e também de que a procura de candidatos a trabalhar na empresa na verdade era um golpe na internet para capturar dados. O brasileiro Maurício Souza, CEO do grupo, tratou essa situação com indignação: “a Nella nunca solicitou para que ninguém preenchesse cadastro em lugar algum”.

Airway conversou com o empresário que hoje reside nos Estados Unidos e foi bastante acessível a fim de explicar um pouco do seu projeto. Confira os principais trechos da entrevista:

Companhia aérea americana

A primeira surpresa sobre os bastidores da criação da nova empresa é que Souza, após uma passagem pelo Panamá, onde se interessou pela aviação com um amigo que trabalha na Copa Airlines, desejava lançar primeiro uma regional nos EUA. “A gente está em negociação com uma empresa em recuperação judicial há um tempo para poder lançar uma regional aqui”.

“Pense Nella”

A escolha do nome foi uma junção de uma homenagem a filha do empresário, Antonella, com uma jogada de marketing: “é chamativo pela questão do ‘Voe’…tem Voe Gol, Voe Azul, então Voe Nella”.

Mauricio Souza, CEO da Nella

Era para ser em Fortaleza, mas acabou em Brasília

“Desde quando começamos o estudo de viabilidade em setembro do ano passado, a sede era para ser em Fortaleza, mas não tivemos uma resposta do aeroporto. E também porque junto com a Nella nasce a ‘Private Jet’. Por isso que temos um hangar em Brasília”, explicou.

Mercado brasileiro

Maurício Souza reconhece que o momento é delicado e que as grandes companhias têm sérios problemas por conta dos custos de operação. “Eu não torço para ninguém sair do mercado, mas infelizmente o operacional delas é muito alto”.

Estratégia de atuação

“Nosso foco é atender onde ninguém atende. Pegar cidade de 70 mil, 100 mil habitantes e começar a atendê-las. O acesso de carro em algumas cidades com infraestrutura industrial na Bahia, por exemplo, é horrível. A meta da Nella é atuar em municípios e estados que são mais desassistidos no Brasil”, explica.

Começo pela aviação executiva

A nova empresa, no entanto, deve começar prestando serviço em outra área, diz Maurício. A ideia é inaugurar o ‘private jet’ (serviço de atendimento a voos executivos) até o final do ano em seu hangar em Brasília. “Vamos começar atendendo jatos executivos já dentro da estrutura da Nella”.

Documentação sendo preparada

Mauricio diz que todos os manuais solicitados pela ANAC estão sendo confeccionados a fim de dar entrada no pedido de licença para a Nella Linhas Aéreas. “Já temos um corpo técnico de tripulantes, pilotos, comissários de bordo, mecânico chefe. Queremos ‘bater na porta da agência uma vez só'”, afirmou.

Infraestrutura aeroportuária

“Infelizmente a pandemia veio, prejudicou muitos setores e muitos trabalhadores. Nossa ideia é ajudar ao menos numa parte disso. Como brasileiro, hoje eu acredito no país, que dá para fazer diferente, pelo que a gente vê acontecendo, com obra sendo terminada, os aeroportos tendo maior infraestrutura. As concessionárias dos aeroportos têm facilitado muito você trabalhar”.

Vagas de emprego

Maurício lamentou que seu projeto tenha sido vítima de golpes na internet que usaram o nome da companhia para anunciar vagas de emprego que ainda não foram criadas. “Infelizmente, o Brasil é um país muito difícil. Fizeram mais de 20 ‘páginas espelho’ pedindo para cadastrar os dados e roubar informações das pessoas”. Para contornar essa situação, a empresa disponibilizou um e-mail para envio de currículos. “Nós recebemos 8 mil currículos de pessoas altamente capacitadas e estamos separando tudo por regiões onde vamos atuar e com certeza vamos aproveitar parte deles”.

Boatos sobre farsa

“Já recebi no meu Whatsapp gente que diz que a empresa é uma farsa, uma fraude, colocaram minha foto do Linkedin e dispararam dizendo que a Nella era uma fraude só para arrecadar dados. A Nella Linhas Aéreas não solicitou para ninguém preencher cadastro em lugar algum”, rebate seu principal executivo. Segundo Maurício, o que está ocorrendo é que escolas técnicas estão  oferecendo cursos de aperfeiçoamento para que as pessoas voltem ao mercado aproveitando tanto da Nella quanto da Itapemirim, que também divulgou nesses dias que não está solicitando nada aos interessados.

Um dos turboélices ATR 42 negociados: hub em Brasília (Nella)

Equipe

A Nella Linhas Aéreas conta hoje com 16 pessoas envolvidas no projeto, entre elas seu diretor geral, Moises de Lima Paes, com passagens por várias companhias aéreas. “O Moises tem mais de 42 anos de experiência no setor, ele ajudou a fundar a TAM, a Pantanal, a Air Minas e é um nome bem ‘pesado’ na aviação. E a equipe dele também é muito experiente”, garante.

Estreia

“Nós esperamos começar a funcionar com o ‘private jet’ até 29 de novembro, já a companhia aérea dependemos da burocracia da ANAC. Porém, estamos trabalhando muito para poder atender todos os requisitos e protocolar os documentos sem pendências”.

Frota de aviões

Maurício adiantou que dois dos quatro ATR 42 que serão usados pela Nella já estão a caminho do Brasil. “Esses aviões estão sendo viabilizados pela Nella Airlines Group Inc. e a ideia é adiantar a documentação deles”, disse. Segundo o executivo, as aeronaves (do modelo ATR 42-300 e ATR 42-320) estavam sendo usadas por outras companhias aéreas como a West Wind. Além deles, a intenção é arrendar outros quatro ATR 72, de maior capacidade, num futuro breve.

Cidades atendidas

Questionamos o CEO da Nella a respeito das cidades pretendidas para sua malha inicial: “Posso te adiantar as regiões, mas as cidades não porque isso faz parte dos manuais da ANAC. ‘Não posso vender o molho antes de ter o peixe'”, brinca. Segundo ele, a companhia regional deverá atender destinos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as mais carentes de serviços aéreos. “Brasília será um dos quatro hubs da companhia, que também terá outras cidades em cada região”.

Concorrência

“Eu não quero brigar com gente grande. Não quero que uma delas fale ‘vou comprar você porque está me incomodando’, a gente não quer isso. Eu quero sim fazer um code share com elas e levar os passageiros para cidades que elas não atendem”, diz. Na visão de Maurício, falta essa ‘gentileza’ entre as empresas grandes e pequenas para viabilizar opções de voo partindo de cidades menores. “Eu vejo isso aqui nos EUA todos os dias. É inadmissível você sair de Orlando e ir pro JFK (aeroporto de Nova York) por 29 dólares e você não consegue sair de Brasília para Fortaleza por menos de mil reais”.

Aeroporto nos EUA: voos com preços mais acessível que no Brasil (Bill Abbott)

Estratégia

“O foco principal nosso é diminuir ao extremo o preço de bilhete. Não estamos trabalhando apenas pelo dinheiro, mas para o atendimento ao cliente”, garante. A ideia, segundo ele, é oferecer não só o low-cost (baixo custo) mas também o low-fare (tarifa baixa). “Eu tenho máquina barata com operacional barato para gerar passagem barata. Eu não quero atrair apenas aquela classe que está acostumada a voar. Eu quero trazer também aquelas pessoas que não têm o costume de voar”. Maurício, no entanto, reconhece que o mercado brasileiro tem suas peculiaridades: “Eu sei que cada estado no Brasil é um ‘país’ diferente, a tributação é diferente, o ICMS é diferente, então tudo isso tem que entrar no planejamento para dar certo”.

Capital brasileiro

“O leasing de um ATR hoje custa cerca de US$ 50 mil e se você for colocar isso na ponta da caneta é impagável para uma companhia regional. A ideia de fazer a aquisição das aeronaves partiu do conselho da JKL e nós temos dois fundos de investimentos que fomentam a JKL que proporcionaram a possibilidade de contar com esses aviões”. Maurício, entretanto, afirma que a Nella está sendo tratada apenas com capital brasileiro. “Foi destinado capital para a companhia brasileira para integralizar com o capital 100% brasileiro”, afirmou.

Por que lançar uma nova companhia aérea no Brasil?

“O gosto por aviação eu sempre tive, mas aumentou um pouco mais quando fui padrinho de casamento de um engenheiro mecânico da Copa Airlines. Ele é mais sonhador do que eu e falava dos aviões, eu fui ficando mais interessado no assunto, conhecendo pessoas do meio, vendo as dificuldades que são monstruosas, mas enxergando uma oportunidade como empresário. Eu via a possibilidade de ser um mercado atrativo, financeiramente falando, porém, um mercado carente que poderia ser melhorado. Eu sei que não sou um super-herói, a melhor pessoa do mundo, mas sempre fiz o possível e impossível para os clientes e colaboradores. Então, vendo tudo isso que está acontecendo no Brasil, companhia fechando, eu falei ‘agora é hora de lançar a companhia’. ‘Ah, mas e a crise?’, eu disse ‘a crise vai existir enquanto os empresários ficarem segurando dinheiro'”.

Maquete de aeronave da Itapemirim: novas companhias foram alvo de golpes na internet (Reprodução/Linkedin)

Veja também: Breeze, a nova companhia aérea de David Neeleman, deve estrear apenas em 2021

 

 

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