Céus coloridos: a história da Transbrasil – Parte 2

Na parte final do artigo, abordamos os anos 80 e 90, quando a empresa aérea experimentou bons e maus momentos. E o fim melancólico em 2001
Na Transbrasil, os Boeing 767-200 ganharam o apelido de wideboeing.

Na primeira parte, abordamos o crescimento da regional SADIA em uma empresa nacional sob o nome de Transbrasil. Na segunda parte mostraremos a luta de Omar Fontana contra fatores externos e o desejo dos voos internacionais, que se tornariam um fardo econômico.

Década de 80, anos turbulentos

Em 1979 houve o segundo choque do petróleo no mundo e os prognósticos da economia brasileira não eram animadores, com a ressaca do “milagre econômico”, inflação em ritmo ascendente e a dívida externa ganhando mais destaque na pauta econômica.

A mão de ferro do DAC, sob os cuidados dos militates da Aeronáutica, controlava a aviação. Somente o órgão poderia estipular qual a participação de mercado de cada companhia, o quanto elas tinham que crescer ou reduzir a oferta, qual aeronave deveria importar, em um sistema de rigidez de mercado que não era tão incomum na aviação mundial da época.

Para a empresa, a década de 1980 começou mal. Em 12 de abril de 1980, o Boeing 727-100 PT-TYS se chocou com um morro na região de Ratones, em Florianópolis, vitimando 55 ocupantes, porém, milagrosamente três passageiros sobreviveram. Segundo apuração da época, o motivo foi o clássico CFIT – Controlled Flight Into Terrain, traduzindo, colisão com o solo em voo controlado, quando os equipamentos e sistemas estão funcionando, mas há o choque mesmo assim.

O 727-100 PT-TYS foi o primeiro grande acidente da Transbrasil (Clint Groves)

Um pouco antes do acidente, a Transbrasil foi à Boeing encomendar o maior Boeing 727-200, com objetivo de aumentar a capacidade sem adicionar um modelo novo e, consequentemente, tripulação. O acordo previu dois pedidos firmes e mais duas opções em 13 de agosto de 1979, sendo os primeiros a receber a designação da Boeing para a TransBrasil: Q4. Apesar do código e dos serial numbers terem sido reservados, os dois modelos encomendados – que seriam o PT-TCE (22.424) e PT-TCF (22.425) – foram para a Mexicana de Aviación e, curiosamente como XA-MEQ e XA-MER, sendo que este último chegou a voar pela VASPEX como PP-SFG.

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O motivo que levou a Transbrasil a cancelar a compra dos 727-200 foi que a apresentação feita pela Boeing de seus novos projetos, o 757 e o widebody 767. Omar, como sempre, se encantou com os projetos dos dois jatos e anunciou a compra deles em 1981.

Foram adquiridos três Boeing 767-2Q4, os primeiros widebodies da empresa, e nove Boeing 757-2Q4, que teria seis jatos com motores Rolls & Royce e o restante fornecidos pela Pratt & Whitney.

A inusitada decisão era “para saber qual o melhor avião antes de comprar mais”, afirmava Omar com certa ironia. Em ambos os modelos, a Transbrasil era a cliente lançadora, um pioneirismo e ousadia de uma empresa que mal havia completado o jubileu de prata.

Boeing 757-200 em tour de demonstração, em 1982. Nota-se a logomarca da TransBrasil, após da British Airways e Eastern Airlines. Foto: Steve Fitzgerald

As doze aeronaves encomendadas substituíram os 727-100, com os 757 assumindo os voos domésticos e os 767, as rotas-tronco nacionais e também os internacionais que Omar vinha pleiteando. Entretanto, a deterioração econômica do Brasil foi tão grande entre 1981 e 1983 que fez a Transbrasil cancelar os 757 e ficar apenas com os 767.

Maquete do 757 nas cores da Transbrasil (Reprodução)

No ano seguinte, a Transbrasil arrendou provisoriamente o Boeing 707-300C PP-VJS da VARIG, para realizar voos charters para empresas brasileiras com negócios no Iraque. Tanto o 707 quanto o 727 PT-TAC tinham configuração de avião executivo, com camas inclusive. Os voos eram operados pela Aerobrasil, uma subsidiária da Transbrasil em parceria com a empresa Engesa.

A AeroBrasil utilizava aeronaves da Transbrasil com alterações da pintura. Aqui o Boeing 727-100 PT-TYK descansa no Aeroporto de Orly, para mais um voo charter. Foto: Clinton Groves via Wikimedia Commons.

Wideboeing 767

Omar Fontana fez questão de investir em marketing para o “meia-sete”. Com propagandas nos jornais, revistas e TVs, a Transbrasil anunciava o avião que levaria até o Século XXI, o Wideboeing 767. O primeiro avião, N8277V, fez sua estréia mundial no Salão Aeronáutico de Paris – Le Bourget em 1983, voando nas cores da empresa e colocando em evidência a inovação da Transbrasil em operar o modelo, a segunda companhia aérea do Hemisfério Sul a fazê-lo, após a Ansett Australia.

Os primeiros 767-200 da TransBrasil possuíam asas e logotipo de cores diferentes. Neste caso, o PT-TAA foi pintado de azul. Foto: Divulgação.

Após o evento, a aeronave foi rematriculada para PT-TAA, com asas azuis, e saiu de Seattle, sede da Boeing, no dia 15 de junho de 1983, realizando antes uma escala técnica em Miami. A bordo, Omar mandou instalar um piano de cauda no avião que foi tocado pelo maestro Artur Moreira Lima, para o deleite dos passageiros, entre os quais o Comandante Rolim Amaro, presidente da TAM. Além de exímio piloto, a música era uma das paixões de Omar Fontana, com a composição “Fantasia do Ar” chegando a ser utilizada na novela Simplesmente Maria, de 1970.

Festa brasileira nos céus parisienses. Além do futuro PT-TAA, o BAe 146 para a TABA foi apresentado na feira de Le Bourget. O A310-200 da KLM ao fundo tinha retornado do Brasil após apresentação à VASP. Fotos: Eric Salard e Reprodução.

No dia 18 de junho de 1983 pousava em Brasília o Tango Alpha Alpha, marcando um salto tecnológico na Transbrasil como nunca tinha sido feito, além da repercussão no setor. Logo depois chegariam os outros dois irmãos, PT-TAB (asas laranjas) e PT-TAC (asas verdes).

Configurados para 210 passageiros em duas classes, a carreira dos 767 no Brasil começou 02 de julho de 1983, quando a Transbrasil fez história ao inaugurar voos para Orlando, nos Estados Unidos. Era um antigo desejo de Omar em ter voos internacionais para trazer receitas em dólares e criar um hedge natural contra os custos da moeda americana.

Entretanto, o forte lobby da VARIG impedia que as operações internacionais fossem realizadas pelas concorrentes. A autorização do DAC foi que a empresa realizasse os voos do tipo charter-regular, com frequência e numeração normal, porém, as passagens eram vendidas por meio de agências de viagens.

Ao introduzir o Boeing 767-200, a TransBrasil colocava o Brasil entre os pioneiros operadores do avião mais moderno do mundo da época.

Lobbies à parte, coube ao 767-200 um feito até hoje ainda não superado: a ligação regular e entre os Estados Unidos e o Aeroporto de Congonhas, um grande trunfo para Omar. Apenas na ida, o voo fazia escala no Aeroporto do Galeão.

Em 1984, o Boeing 707 PP-VJS foi devolvido à VARIG e a empresa foi buscar mais aeronaves, seja para passageiros quanto para cargas. Diferentemente dos 727 que foram comprados em lotes da Braniff International e Pan American, os 707 provinham de operadores distintos, cada um com sua particularidade em operação.

Para a Transbrasil isso significava atrasos recorrentes e panes. Um feito notável foi que a empresa aéra realizou a conversão de alguns 707 para o padrão “Quick-Change”, uma novidade neste modelo, com objetivo de replicar o modus operandi dos seus 727.

Em 23 de junho de 1986, a Transbrasil se tornou a segunda operadora do Boeing 737-300 no país, iniciando a gradual desativação dos 727-100, que ainda eram a espinha dorsal da frota.

O Boeing 737-300 foi o principal equipamento das rotas domésticas da empresa de 1986 até o final de suas operações. Foto: Aeroicarus via Wikipedia Commons.

Intervenção do governo

A segunda metade da década de 1980 se mostrou desafiadora para as empresas aéreas. O governo tinha perdido o controle da inflação e os diversos planos econômicos visavam efeitos imediatos, com fins políticos, além de medidas esdrúxulas, como o congelamento de tarifas, mas não dos custos, deixando o setor em um descompasso financeiro que, em última análise, foi um dos fatores da crise na aviação nas décadas seguintes.

A Transbrasil era a mais afetada, pois ela não tinha a receita em dólares que a VARIG obtinha dos voos internacionais e nem o suporte do governo paulista, no caso da VASP. Em uma ação surpreendente, foi decretada em 14 de abril de 1988 pelo governo federal a intervenção na empresa, sob alegação de má gestão, com Omar Fontana sendo afastado da empresa que fundou.

Foi um baque para o comandante, mas que mostrava sua tenacidade ao continuar lutando. A intervenção rachou a Transbrasil, com grupos prós e contras, e a nova diretoria fazendo concessões salariais em troca de apoio, além de vender o patrimônio da empresa, como os 727.

Neste período encomendaram dois Boeing 757-200PF junto à Boeing, que receberiam a matrículas PP-TDA e PP-TDB. Um deles chegou a ser construído, porém, sua carreira foi abruptamente interrompida em 2002 quando se chocou com um Tupolev TU-154 sobre os céus da Alemanha.

Em 23 de junho de 1989, no entnato, chegava o primeiro 737-400 do país, o PT-TEL, com objetivo de substituir os 727 com maior capacidade que os 737-300.

O Boeing 737-400 substitui os 727-100 nas rotas domésticas. Foto: Reprodução.

Ao ver a encrenca que criou, a direção da intervenção devolveu a empresa para seu fundador em 14 de dezembro de 1989. Mas a Transbrasil estava pior que antes da intervenção e, para agravar, o Boeing 707-300 PP-TCS, de carga, se acidentou pouco antes do pouso em Guarulhos em 21 de março de 1989, vitimando os 03 tripulantes e mais 25 pessoas em solo.

Diante da exposição negativa, era preciso agir e trazer receitas em dólares, voltando a atenção para o mercado internacional. Os ventos liberalizantes eram promissores para a próxima década. E o primeiro passo tinha sido dado: o Brasil e Estados Unidos revisaram o acordo bilateral, permitindo mais pontos de acesso no país estadunidense: Chicago, Orlando, San Francisco e Washington.

No dia 1º de setembro de 1989, a Transbrasil quebrava a hegemonia da VARIG nas rotas para os Estados Unidos, tornando-se a segunda operadora brasileira a voar regularmente para lá desde 1961. Eram três serviços semanais com os 767-200 saindo de Guarulhos, dois via Manaus e um via Galeão.

Abertura e concorrência

Ao entrar na última década do milênio, a aviação brasileira vivia um momento de inflexão: a privatização da VASP colocava a empresa nas mãos de um destemido Wagner Canhedo, decidido a conquistar mercados a qualquer custo enquanto o governo de Fernando Collor liberava as regulamentações do setor de forma tão abrupta que o establishment do setor não foi capaz de acompanhar as mudanças.

Para a Transbrasil, o mercado internacional era a tábua de salvação e anunciou em 15 de junho de 1990 seu segundo destino internacional, Miami e com planos ambiciosos de voar para destinos no Pacífico como Pequim, Tóquio e Seul via pontos na Europa e Estados Unidos.

Além disso, a empresa assinou um acordo de cooperação com a Aeroflot para estudos na rota Guarulhos-Fortaleza-Viena-Moscou. Em meio a esse processo inaugurou o terceiro destino internacional, Washington, com os novíssimos Boeing 767-300ER recebidos em 17 de maio de 1991 e que na inauguração do voo contou com o presidente Collor como convidado, inclusive “pilotando” o PT-TAD sobre a Venezuela.

As rotas internacionais planejadas pela Transbrasil nos anos 90 – Reprodução

Foi quando teve início a deterioração das finanças da empresa. Focada no mercado internacional, Omar trouxe mais 11 Boeing 767 entre 1991 e 1995, sendo cinco 767-300ER e seis 767-200ER, sendo um deles bem peculiar: o N604TW, que operou nas cores básicas da TWA e com prefixo americano na Transbrasil.

Voos internacionais eram inaugurados para Nova Iorque (1991), Buenos Aires, Viena (1994), Amsterdã (1995), Londres (Gatwick) e Córdoba (1996). Ao mesmo tempo os voos da empresa para o exterior eram com múltiplas escalas, com baixa frequência (Viena era atendida somente uma vez por semana) e enfrentando concorrência de empresas bem mais estabelecidas.

Boeing 767-300ER da Transbrasil (Jesse Martin Kahn/CC)

No mercado doméstico, a situação também não era favorável. A VASP praticava táticas que afetavam justamente a Transbrasil, além do assédio de juntar as operações de ambas as empresas. Omar Fontana era resistente à ideia de se unir a Wagner Canhedo, depois cedeu e chegaram a fechar um acordo operacional, sobretudo na área de carga, porém, a desconfiança, o olhar experiente de Omar e as trapalhadas que Canhedo fez com a VASP impediram que a fusão ocorresse. Porém, outra empresa paulista estava crescendo absurdamente, a TAM, por um personagem tão ousado quanto Omar Fontana: Rolim Amaro.

Em voo solo, Omar sonhava alto para a sua Transbrasil. Foi um dos clientes lançadores de mais um widebody da Boeing, desta vez o 777, a aeronave mais avançada da época, e para o qual a empresa chegou a depositar US$ 100 mil para cada uma das três aeronaves encomendadas.

No campo doméstico, ela colocava voto de confiança no primeiro jato regional da Embraer, o EMB-145 (mais tarde ERJ-145). No cenário macroeconômico, as perspectivas eram positivas, com a proposta de estabilização econômica pela adoção do Plano Real em 1º de julho de 1994. Aproveitando a viagem do presidente recém-eleito Fernando Henrique Cardoso à China, a Transbrasil usou um 767-200ER, PT-TAI, para levar empresários ao país asiático e avaliar a viabilidade da rota.

Caso tivesse continuado com a encomenda, a TransBrasil seria a primeira operadora nacional do ERJ-145. Os valores depositados pelos aviões foram transferidos para aquisição dos EMB-120 Brasília. Foto: Reprodução.

Regional Interbrasil

Em 29 de outubro de 1995, a Transbrasil inaugurou o serviço New York Rainbow, com serviços diários e diferenciados entre Guarulhos e Nova Iorque (JFK). Elaborado pelo diretor de marketing da empresa, Gianfranco “Panda” Beting, o serviço foi destaque pela qualidade dos serviços, pelo avião “exclusivo” da rota, o PT-TAK, com dez assentos na primeira classe, 22 na executiva e 154 na econômica. Apesar do reconhecimento dos serviços, a ocupação era baixa, devido a uma das etapas ser em voo diurno, enquanto no noturno o serviço tinha maior procura.

No mercado regional, a Transbrasil trocou a encomenda dos jatos EMB-145 por turboélices EMB-120 Brasília e lançou a subsidiária Interbrasil STAR – Sistema de Transporte Aéreo Regional, com o propósito de ser a feeder-line da matriz nos principais aeroportos. A pintura também foi elaborada por “Panda” Beting, com uma estrela representando o alvorecer e o início de operação da aviação. A empresa era constituída por 51% das ações com a TransBrasil, 20% com a Fundação Transbrasil, 19% na mãos de funcionários e 10% com Omar Fontana.

A InterBrasil STAR não teve seu potencial de integração com as linhas da TransBrasil como se imaginava. Foto: Aeroprints

Diante dos desafios da aviação em um mercado desregulamentado, a empresa contratou a consultoria Speedwing, da British Airways, para fazer a análise e propor diretrizes de gestão para a Transbrasil. O relatório, publicado em 1996, trazia questões nada animadoras: os voos internacionais eram todos deficitários; havia excesso de escalas nos voos e a falta de conectividade entre eles nos hubs; ausência de sinergia em rotas, pessoal e serviços; excesso de aeronaves 767 e escassez de 737 para o mercado doméstico e a Interbrasil STAR deveria ser reformulada drasticamente ou então fechada.

Em uma atitude surpreendente, mas familiar para os mais próximos, Omar Fontana ignorou as recomendações do relatório. Entretanto, algumas medidas acabaram sendo realizadas, como o fechamento da Aerobrasil em fevereiro de 1997 e a devolução dos dois Boeing 707-300, a desistência de comprar os Boeing 777-200, que receberiam as matrículas PT-TGA, PT-TGB e PT-TGC – chamados por Omar “The Giant” (gigante). Uma boa notícia veio em 1997 com a vitória contra a União no processo contra as perdas do congelamento de tarifas na década de 1980. Dos R$ 725 milhões, R$ 25 milhões entraram para a empresa, com o restante sendo usado no encontro de dívidas com a União.

Malha internacional da TransBrasil em dezembro de 1997. Nota-se a quantidade de escalas em vários voos, a baixa frequência e horários que não atraíam o público corporativo.

Omar deixa o comando

Acometido por doença, Omar Fontana delegou as funções executivas para seu genro, Antônio Celso Cipriani, e em 1998 a Transbrasil anunciou a reformulação dos negócios: o cancelamento dos voos para Washington e Nova Iorque, que somaram-se ao fim da base Viena meses antes; o investimento em mais 737; aumento dos voos a partir de Congonhas e uma nova identidade visual, elaborada pelo escritório Communications Arts, do Colorado. Para a presidência, Paulo Henrique Coco, ex-Rio-Sul, assumiu o comando. Ainda neste período, a companjia inaugurou voos para Lisboa, em parceria com a TAP Air Portugal.

Propaganda da nova imagem da Transbrasil. Novos aviões e novas rotas não ocorreram.

Em 1999 a reestruturação teve que ser mais profunda, pois nas primeiras semanas de janeiro o governo liberou a desvalorização do real frente ao dólar. De imediato, a moeda perdeu 50% do valor e para as empresas aéreas foi um momento difícil, pois estavam descapitalizadas desde a guerra tarifária do ano anterior.

A Transbrasil foi a que mais reduziu sua participação, com o cancelamento das rotas para Amsterdã e Londres, o segundo diário para Miami e a devolução de todos os cinco Boeing 767-200ER, restando apenas entre os widebodies a trinca de 767-200 e três 767-300ER. Sua quarta colocação no mercado nacional estava ameaçada pela ascensão da Rio-Sul. Neste ano conturbado foi inaugurado o último destino internacional da empresa: Santiago do Chile, operado três vezes por semana com os 767.

Em entrevista à revista Veja, em novembro de 1999, Rolim Amaro afirmava que a Transbrasil era a “noiva ideal” para uma parceria com a sua TAM, pela mesma filosofia de atendimento ao cliente e filosofia de operação. De fato, nos bastidores havia conversas entre as duas empresas para uma associação, por recomendação do banco Merrill Lynch, contratado pela Transbrasil para consultoria.

Durante as negociações, Omar Fontana só queria que existissem garantias para o sustento financeiro de sua família. O gigante cavalheiro – apelido dado pelo famoso pesquisador aeronáutico R.E.G Davies o Omar no livro “Rebels and Reformers of the Airways” – estava debilitado e entregando os pontos na Transbrasil. Desta forma, em 03 de abril de 2000, TAM e Transbrasil assinaram um acordo de code-share nas rotas domésticas. Era o primeiro passo para uma potencial fusão, na qual seria criada um holding para abranger as duas empresas.

Em 30 de abril, a GE Capital Aviation Services (GECAS) anunciou a retomada dos quatro 737-400 e um 737-300 que estavam na frota, representando uma redução de cerca de 15% na oferta de assentos. Sem aviões suficientes, os serviços da Ponte Aérea passaram a ser realizados pelos A319 da TAM. Logo depois a rota para Santiago foi suspensa, restando apenas Buenos Aires, Lisboa, Miami e Orlando como as cidades atendidas no exterior.

Era um capítulo da briga entre Transbrasil e GECAS que começou dois meses antes, precisamente em 27 de fevereiro quando o Boeing 737-400 PT-TEO aquaplanou em Porto Alegre, percorrendo 1.400 metros até cair em uma vala. O avião ficou significativamente avariado e a GECAS queria que o avião fosse declarado como perda total, e ela teria acesso ao seguro da aeronave. A Transbrasil, no entanto, foi contra pois isso implicaria na avaliação de segurança da empresa e tinha a seu favor o parecer da Boeing e do perito aeronáutico que o Tango Echo Oscar era perfeitamente recuperável.

Boeing 737-300 com a nova pintura da Transbrasil (Aero Icarus)

Passado alguns meses do acordo de code-share, a TAM anunciou que romperia o contrato com a Transbrasil e abandonaria os planos de fusão, deixando a companhia de Omar sem uma parceira para ajudar a superar a crise. A sequência de má notícias deixava seu fundador cada vez mais desanimado, agravado pelo quadro de metástase do câncer de próstata.

No dia 08 de dezembro de 2000, o velho comandante, ou “dr. Omar” para os funcionários, realizava o voo mais alto de sua vida, aos 73 anos. Para os funcionários, principalmente aqueles que conviveram com o fundador da Transbrasil, a sua partida os deixava órfãos e sem esperanças.

Omar era uma figura familiar da empresa, que podia ser encontrado almoçando no refeitório da sede, pilotando os aviões da companhia ou até mesmo quando mandava embutidos da Sadia para as famílias no Natal, além de ações pessoais para salvar a empresa em diversos momentos. No fim da intervenção de 1989, chegou a alienar suas ações na Sadia para resgatar a Transbrasil.

No dia seguinte ao falecimento do comandante, diversos moradores ficaram chocados com um Boeing 767-300ER voando baixo e fazendo manobras ao redor do Cemitério do Morumbi. Era a homenagem da empresa ao seu querido fundador. Com o famoso campeão de acrobacias e piloto de empresa, Paes de Barros encerrou as manobras com uma subida vertical que arrancou olhares de quem estava presente no enterro.

O sonhado Século XXI que Omar tanto sonhava começou no mês seguinte com o surgimento de uma companhia ousada e bem estruturada. A Gol Linhas Aéreas chegou trazendo o conceito de Low Cost, Low Fare (baixo custo, baixa tarifa) para aviação brasileira, afetando justamente a Transbrasil, que era conhecida como a mais barata das quatro grandes. A resposta, tão temerária quanto desesperada, foi oferecer descontos de até 69%, parcelados em três vezes para voar em fevereiro, em plena alta estação.

Com poucas aeronaves e algumas paradas para manutenção, a Transbrasil acertou um acordo operacional com a VARIG na Ponte Aérea e para Lisboa.

Rumo ao fim do arco-íris

A quadro grave da Transbrasil começou a se tornar irreversível em meados de 2001 quando a Swissport, empresa de serviços em terra, entrou na Justiça para receber R$ 17 milhões da companhia aérea. Depois foi a expulsão da Clearing House por dívidas não honradas. Em 08 de julho, o PT-TAC realizou o último voo do modelo na Transbrasil, restando apenas o PT-TAL como o único widebody em operação. No dia seguinte, a GECAS entrou com pedido de falência da Transbrasil, alegando o não pagamento de dívidas, – mas que ironicamente anos mais tarde seria provado que a empresa havia quitado os pagamentos.

A partir da ação da GECAS, os fornecedores passaram a exigir o pagamento à vista pelo combustível, os passageiros migraram para a concorrência e os salários, que já vinham sendo pagos parceladamente ou com atraso, deixaram de ser realizados. Surgiam situações bizarras como um voo em que o comandante comprou lanches do McDonald’s para os passageiros, uma vez que não tinha serviço de bordo por falta de pagamento à empresa de catering.

Malha da TransBrasil/InterBrasil em Agosto de 2001 publicado no Guia Panrotas. É difícil afirmar que os voos seguiam a previsão, uma vez que a empresa tinha aeronaves encostadas ou arrestadas por falta de pagamento. Nota-se a forte presença da empresa no interior do Paraná e de Santa Catarina.

Dependente do único 767 em operação, a Transbrasil cancelou a rota para Lisboa no dia 06 de agosto para concentrar os serviços nos voos para Miami e Orlando. Dois dias depois, a Pegasus Leasing arrestou o PT-TAM pouco antes de decolar de Miami rumo ao Brasil com os passageiros a bordo e que tiveram que ser retirados e embarcados posteriormente em um voo VARIG.

A frota operacional da empresa ficou restrita a cinco 737-300 e quatro EMB-120 da Interbrasil STAR. A diretoria da empresa decidiu concentrar todos os voos no Aeroporto de Congonhas a partir do dia 11 de setembro, encerrando a base Guarulhos. O único voo internacional remanescente, Buenos Aires, foi transferido para Florianópolis, e o possível retorno à Miami e Orlando seria a partir de Brasília.

Porém, este dia foi marcado pelos atentados terroristas nos EUA. Com a queda de passageiros e o aumento do custo de seguro, a Transbrasil definhava cada vez mais. O golpe de misericórdia ocorreu no dia 03 de dezembro, início da alta temporada no país, quando a Shell anunciou que não abasteceria mais as aeronaves se não houvesse pagamento das dívidas. Horas depois foi a vez da BR Distribuidora anunciar a mesma decisão.

Sem alternativas, a direção da Transbrasil comunicou aos pilotos para recolherem as aeronaves na base da companhia em Congonhas. O último voo da empresa foi realizado pelo PT-TEW, cumprindo o TR 106, Fortaleza-Porto Alegre, com escalas em Recife, Rio de Janeiro Galeão e São Paulo Congonhas. Ao contatar a Terminal São Paulo, os pilotos Duilio Fonseca e Carlson foram informados que aquele seria o último pouso da empresa. Assim, às 20h30 de 03 de dezembro de 2001 o Tango Echo Whisky realizou o último pouso da Transbrasil, no mesmo aeroporto que nasceu há 46 anos atrás. Menos de um ano depois do falecimento do Omar Fontana, a Transbrasil, sua criatura, seguia seu criador e encerrava as operações.

Com aviões no chão, dezenas de milhares de passageiros sem embarcar, funcionários sem receber seus direitos e dívidas superiores a R$ 900 milhões, a Transbrasil foi a primeira grande falência de fato da aviação comercial brasileira, desconsiderando aqui o fechamento político da Panair.

Outrora orgulho da TransBrasil, o 767-200 PT-TAC visto abandonado em Brasília. A batalha jurídica sobre o que fazer com as aeronaves demorou tanto que as possibilidade de vender por valor de mercado e manter em operação tornaram-se nulas, com o trio original de 767-200 leiloados por preços irrisórios para ferro-velhos e desmanches. Foto: Aeroprint via Wikimedia Commons.

Nas semanas seguintes, ocorreram tentativas de reverter a paralisação dos voos da empresa. Foi anunciada a venda por R$ 1 (isso mesmo, um real) para um desconhecido empresário goiano, Dilson Fonseca, dono da FlyBrazil e que dizia representar a Dodson International, empresa que injetaria US$ 25 milhões na Transbrasil, mas a operação foi desfeita.

Assumiu a direção o veterano do setor de turismo Michel Tuma Ness, que chegou a prometer que a empresa voltaria com dez aviões, porém, renunciou cinco dias depois de assumir o posto, alegando descumprimento do pagamento aos funcionários.

A última cartada foi a transferência das ações para a Fundação TransBrasil, que era proprietária de 17,5% das ações da companhia e foi criada por Omar Fontana no final da década de 1960, quando começou a distribuir as primeiras ações da empresa para seus funcionários.

No fim, a Transbrasil evidenciou a crise sistêmica no setor, com a VARIG caminhando para o point of no return (ponto sem retorno) e a VASP vivendo entre calotes e uma frota jurássica. A desregulamentação da aviação brasileira foi feita de uma forma atabolhada, que pegou as principais empresas aéreas despreparadas para competir em um ambiente mais agressivo.

Omar Fontana: filho do fundador do frigorífico Sadia deixou negócio para abrir sua companhia aérea (Reprodução)

Omar Fontana com sua obstinação, carisma e visão de mercado conseguiu colocar a pequena SADIA entre as grandes, mas seus conceitos de administração não seriam mais pertinentes a partir da década de 1990, quando a livre concorrência, o controle de custo e a busca incessante por lucro para rodar a aviação tornaram-se mantras.

O grande legado da Transbrasil não foi apenas colorir os aeroportos com suas aeronaves, mais o desejo de construir um país moderno por meio da aviação, de funcionários que se viam como uma grande família e como uma empresa aérea muito querida pelos passageiros. Não possuía a excelência da VARIG, mas pode-se dizer que seu carisma e a paixão de voar fizeram dela a empresa aérea mais simpática da nossa aviação.

 

1 comment
  1. Bom dia, boa matéria, mas recomendo melhorar a revisão do texto, está com erros de português inadmissíveis para uma publicação dessa natureza, deixo aqui minha sugestão sempre no intuito de ajudar a melhorar, e não apenas criticar.

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