Entre todos os tipos de aviões, os caças de combate são os que mais exploram os limites do voo. Um alto grau de agilidade é essencial para cumprir suas missões com sucesso. Nas últimas décadas, o desenvolvimento de novos materiais e sistemas de controle de voo propiciaram a criação de novas aeronaves de combate com a capacidade de ‘supermanobrabilidade’.
Graças ao emprego dessa filosofia, os caças mais modernos expandiram significativamente o envelope de voo das missões com o emprego de dispositivos aerodinâmicos avançados como o controle de vetorização dos escapes dos motores (TVC), capaz de direcionar o fluxo dos jatos para contribuir com a pilotagem em ângulos e atitudes impensáveis.
Essas aeronaves podem operar em baixas velocidades bem como em condições de ‘além estol’ (quando não há mais capacidade de voo em aviões comuns) e permanecerem manobráveis em altos ângulos de ataque (quando uma aeronave está apontando para um ponto muito alto) com total controle.
Outra façanha desses aparelhos é a habilidade de efetivamente girar sobre seu eixo e apontar seu nariz para qualquer direção desejada. Essas qualidades permitem acompanhar o oponente em voo a despeito de qualquer manobra defensiva realizada por ele.
Aviões instáveis
Mas como conseguir efeitos tão radicais no voo? Um dos recursos chama-se ‘estabilidade relaxada’ ou aplicação do centro de gravidade numa posição posterior da fuselagem, o que num avião comum tornaria o voo impossível.
Foi justamente com um avião como esse que o termo ‘supermanobrabilidade’ foi empregado pela primeira vez. Com o projeto X-31, o Dr. Wolfgang Herbst, responsável pelo projeto, definiu que uma aeronave supermanobrável deveria ser controlável em ângulos de ataque acima de 60° a 70°, com transição de 120° ou mais.
Para fazer com que uma aeronave naturalmente instável seja apta a manter-se em voo sob controle foi preciso desenvolver um sofisticado conjunto de sistemas gerenciadores de estabilidade com capacidade de processamento em altas velocidades.
Junto a ele, sistemas TVC e avançados dispositivos aerodinâmicos (como os canards – asas posicionadas à frente das asas de sustentação) fornecem o controle necessário para que esse tipo de aparelho possa voar normalmente. O TVC, por exemplo, é capaz de direcionar os gases da saída de combustão dos motores de forma a permitir que o fluxo seja defletido e, assim, controlar o nariz para baixo ou para o alto. Com o empuxo suficiente, a aeronave pode manter altos ângulos de ataque empregando o sistema como se fosse uma superfície de controle aerodinâmico.
Desta forma, a supermanobrabilidade ultrapassa a barreira da condição de estol, colocando um avião do gênero num ambiente que desafia a gravidade.
TVC na prática
Apesar da eficiência provada, o sistema TVC não é tão popular ainda entre os caças em serviço atualmente. O Eurofighter Typhoon e o Saab Gripen devem ser equipados com ele num futuro não tãodistante, mas é um jato russo que melhor exemplifica a capacidade de supermanobrabilidade.
O Sukhoi Su-37 Super Flanker surgiu em 1996 com uma configuração bastante diferente da versão ‘comum’, o Su-27. Ele possui canards, sistema TVC de controle de vetorização e um avançado sistema de controle fly-by-wire ativo de controle de voo. Com isso, o Flanker é capaz de manter controle do seu regime de voo até a velocidade zero, literalmente ficar imóvel no céu por um tempo determinado.
Na época em que foi apresentado, o caça russo demonstrou um número de manobras heterodoxas que ilustram como nunca as possibilidade da supermanobrabilidade dos futuros caças. Uma das manobras ficou famosa nos shows aéreos, a “Cobra de Pugachev”, em que o jato faz um rápido movimento de nariz para cima até 135º, mantendo esse ângulo de ataque por 3 a 4 segundos, a uma velocidade de 150km/h.
Outra manobra mais impressionante é a “Kulbit”, uma espécie de ‘cambalhota’ para traz em 360º empregando o TVC para a rápida rotação pelo eixo transversal da aeronave enquanto o regime de voo para frente é mantido, isso tudo sem ‘estolar’ o caça.
Outras manobras foram criadas explorando o potencial desta supermanobrabilidade como o ‘giro do helicóptero’, que envolve baixa velocidade da aeronave, momento de alto ângulo de ataque, atitude de voo descendente enquanto gira no seu próprio eixo. A velocidade de voo do caça cai drasticamente nesse momento de descida enquanto rotaciona semelhante ao rotor em movimento de um helicóptero. Nessa manobra, o caça perde altitude drasticamente enquanto ainda rastreia a aeronave oponente.
O piloto num ambiente de super manobrabilidade
Manobras com altos ângulos de ataque, força G (gravidade) ao extremo, acelerações e desacelerações, além de mudanças bruscas em atitude e orientação podem ser facilmente absorvidas por equipamentos e estruturas, mas e quanto ao piloto?
A exposição humana a esse ambiente resulta em uma grande limitação em termos de tolerância às cargas G, ou seja, no projeto de uma aeronave de combate com alto grau de manobrabilidade a limitação é o piloto. Seres humanos submetidos a essas forças podem ter ferimentos no pescoço, potencial desorientação espacial (SD) além de bombeamento sanguíneo forçado aos pés ou para a cabeça dependendo da direção da força gravitacional.
Os atuais caças de combate são capazes de alcançar altas cargas G nos limites de +7,5 a +9 G. A nova geração de aeronaves de caça que está sendo projetada para chegar a +10 G (máximo) e +9 G (sustentado).
A saída para isso está no treinamento. Em tese, os pilotos são capazes de desenvolver uma adaptação fisiológica com repetitivas exposições a essas cargas, mas isso não irá ajudar pilotos novatos ou outros depois de missões de longa duração quando o cansaço mina sua experiência.
Por enquanto, as atuais contra-medidas anti-G não oferecem proteção suficiente aos pilotos destes caças.
Desorientação espacial
Além da grande pressão da gravidade outro sintoma sofrido pelos pilotos é a desorientação espacial, quando não conseguimos precisar em que posição estamos em relação ao horizonte. Em ângulos de ataque pronunciados, o piloto perde a visão do horizonte como maior referência visual que, somada as mudanças rápidas de atitude e direção tiram a orientação espacial.
Para complicar, existe a necessidade de o piloto ter que mover a cabeça para os lados durante a manobra ao qual é submetido para se orientar ou obter um contato visual com outra aeronave, particularmente seu oponente, o que potencializa ainda mais o efeito.
Ejeção mais complexa
Num cenário tão extremo como esse, a necessidade de ejeção em caso de perda de controle ou mesmo por ter sido atingido pelo inimigo faz outro aspecto relevante, a ejeção do avião.
Os modernos assentos ejetores hoje são sistemas extremamente
eficazes, mas os caças supermanobráveis criaram um novo parâmetro
de requerimentos para esses equipamentos.
O assento ejetável projetado para os caças de combate super
manobráveis devem ser efetivos para operar em condições de baixa
velocidade, altas acelerações angulares e em atitudes em voo
extremas. Além disso, estes dispositivos de segurança devem
projetar uma trajetória segura durante a operação de escape a
despeito do rápido deslocamento em qualquer direção que a aeronave
faça durante sua manobra em voo.
O fantasma dos drones
As limitações humanas impedem que caças avançados como esses ultrapassem alguns limites de voo que em tese eles estariam aptos a realizar. Talvez hoje o maior desafio para engenheiros e estudiosos do assunto seja manter a tripulação de uma aeronave em condições serenas a fim de permitir o rápido raciocínio e a precisão em seus gestos a bordo.
Para alguns, no entanto, os aviões tripulados não são os mais adequados para esse tipo de missão. Aeronaves operadas remotamente poderiam explorar todas as possibilidades da supermanobrabilidade enquanto seu ‘piloto’ está a milhares de quilômetros do palco de combate numa sala climatizada e com roupas confortáveis. E bem distante da tensão da força G do avião que está comandando.