A história do Boeing 727 no Brasil – Parte I

O icônico jato, sucesso tanto no exterior quanto no Brasil, encerrou suas operações aqui após 54 anos
PT-TYO no Galeão, 1984
A Transbrasil foi a maior operadora da América do Sul do Boeing 727 (Pedro Aragão).

Pergunte para um piloto com mais de 50 anos qual foi a melhor aeronave comercial que já pilotou, e a chance de ele citar o Boeing 727 é grande. Afinal, quem não gosta de um avião com asa limpa, três motores com potência para dar e vender, boa pilotagem e robusto?

Este trijato, tão paradigmático na aviação comercial, se despediu dos céus brasileiros no dia 20 de setembro de 2024, quando operou o último regular entre Guarulhos e Florianópolis. Foram 54 anos de serviço na aviação brasileira, recorde superado apenas pelo Boeing 737.

O jato impossível

A Boeing ainda estava construindo o 707 quando começou a conversar com as empresas americanas sobre um jato menor e destinado ao mercado de voos de curtas e médias distâncias. A empresa começou a conversar com as quatro maiores empresas aéreas domésticas dos EUA na época (American, Eastern, TWA e United) e posteriormente foi ampliando para outras empresas, como a Braniff, Continental e Northwest.

Em 6 de maio de 1958, o gerente da divisão de aeronaves comerciais da Boeing, John Connely, solicitou ao engenheiro Jack Steiner estudos sobre uma aeronave que atendesse três aspectos: capacidade mínima de 65 passageiros, baixo custo de aquisição e operação, e conseguir operar no Aeroporto LaGuardia, em Nova York. Diante de tais condições, o avião era denominado como “jato impossível”. Se conseguisse atender os três requisitos, garantia para a Boeing um sólido produto.

Um dos componentes a serem estudados era a quantidade de motores. As majors americanas se dividiram entre aquelas que preferiam dois motores e aquelas que consideravam quatro motores. Para o primeiro grupo, as críticas de ter quatro motores era ser antieconômico; para o segundo grupo, ter dois motores não passava confiabilidade, principalmente em situações como a travessia sobre as Montanhas Rochosas.

Entretanto, nenhuma delas se opunha a versão trimotor do avião e assim, no final de 1959, começaram os estudos do avião com três motores; compartilharia a mesma fuselagem do 707, porém mais baixo para acesso ao porão pelas equipes de solo; estabilizador em forma de “T”; asas limpas que garantiam boa aerodinâmica; e uma escada traseira que facilitaria o embarque e desembarque. Era o nascimento do Boeing 727.

Apesar de um futuro promissor, o conselho da Boeing ainda estava cauteloso com o programa. A empresa estava com prejuízo de US$ 200 milhões com o programa 707 e ainda não havia alcançado a lucratividade, que seria obtida apenas em 1963. Mas a tenacidade do presidente da empresa, Bill Allen, junto com o corpo de engenheiros liderados por Jack Steiner levou a uma aposta ousada: vender 100 jatos e atingir a então surpreendente cifra de US$ 1 bilhão de vendas. O board da Boeing aceitou e deu até 07 de dezembro de 1960 para conseguir essas cifras.

Primeiro voo do 727-200
A versão alongada do 727, 727-200, realiza o primeiro voo como N7270L em 27 de julho de 1967 (The Boeing Company).

No dia 05 de dezembro de 1960, a Boeing anunciava que a United Airlines e a Eastern Airlines comprariam 20 e 40 727, respectivamente. Representava US$ 420 milhões de vendas, uma cifra longe da meta a ser cumprida, mas o conselho da Boeing entendeu que o avião teria potencial no futuro e continuou com o projeto.

Após dois anos da aprovação do projeto, o primeiro Boeing 727, N7001U, foi apresentado em 27 de novembro de 1962. Em 09 de fevereiro do ano seguinte realizou o primeiro voo, com a certificação recebida pela Federal Aviation Administration (FAA) em 24 de dezembro. Em 1º de fevereiro de 1964, a Eastern Airlines inaugurava os primeiros voos comerciais do 727, entre Miami e Filadélfia, via Washington.

Iniciava-se uma era em que o presidente Bill Allen previu: “Estou confiante que o nosso pessoal desenvolveu outra grande aeronave, ele deverá se provar como uma grande fonte de negócios para a Boeing por uns bons anos à frente”.

O jato das linhas domésticas

Na segunda metade da década de 1960 parecia que os ventos mudavam de direção e a aviação brasileira experimentaria uma fase de crescimento, principalmente nas linhas domésticas. Voar a jato para o exterior tinha se tornado mais corriqueiro e agora era preciso difundir a mesma experiência nos voos domésticos.

Naquela época, as principais aeronaves para voos domésticos eram os Electra da VARIG, os Viscount da VASP, além dos Caravelle da Cruzeiro do Sul, o único jato entre eles.

Linha de montagem da Boeing em Renton: 737 à frente e o 727 ao fundo
Linha de montagem da Boeing em Renton: 737 à frente e o 727 e o 707 ao fundo (Boeing)

A VASP tinha mais urgência de renovar a frota e finalmente entrar na era do jato puro. Depois das negociações fracassadas do Caravelle em 1962, a estatal paulista namorou os DC-9 e finalmente os 737-200, com o One-Eleven sendo a aeronave transitória para a encomenda.

A VARIG estava satisfeita com os Electra que voavam nas principais rotas domésticas, mas antevia a competição com a VASP e a Cruzeiro do Sul na corrida dos jatos domésticos, e também precisava de uma aeronave que pudesse fazer voos internacionais de média distância.

A mesma necessidade movia a Cruzeiro do Sul, que pretendia renovar parte dos Caravelle que, apesar de terem aproximadamente 5 anos, eles já representavam um produto defasado em relação aos concorrentes americanos da Boeing e McDonnell Douglas.

As três operadoras manifestaram interesse em operar com o Boeing 727 ainda em 1968. Para atender seus clientes que esperavam a longa fila de entrega dos 727 e 737, a Boeing disponibilizou quatro 727-100, ex-Continental Airlines, para serem operados temporariamente até a chegada das encomendas.

Receberam pinturas da VARIG e da Cruzeiro do Sul, mesmo não recebendo os aviões e, curiosamente, na Cruzeiro do Sul com a pintura da constelação homônima. Em todos os casos, o Departamento de Aviação Civil (DAC) negou a operação provisória das aeronaves.

Finalmente, em 10 de outubro de 1970 pousavam no Brasil o PP-VLF e PP-VLG, os primeiros 727 brasileiros. Logo depois seria a Cruzeiro do Sul a trazer suas primeiras unidades, dentro de uma política do governo na época de homogeneização da frota brasileira.

O DAC chegou a decidir que uma aeronave da VARIG e da Cruzeiro do Sul deveriam ir para a VASP, e esta passaria seus dois One-Eleven para a Transbrasil, fatos que não ocorreram.

O 727 foi o pontapé inicial da Boeing na criação de uma família de jatos (Boeing)
O 727 foi apresentado em 1962 (Boeing)

Operadoras

VARIG (1970-1992)

Mais uma vez a “Pioneira” também foi precursora do 727 no Brasil, quando recebeu o PP-VLF e o PP-VLG. Configuradas com 114 assentos, as aeronaves foram empregadas nas rotas domésticas-tronco e nos voos internacionais para América Latina, Miami e até mesmo, anos depois, para Cabo Verde, em um serviço quinzenal saindo de Recife.

A VARIG finalmente dava o troco na VASP, que vangloriava as vantagens de operar o 737-200 nos voos domésticos, alegando que não precisava de passaporte para voar Boeing, uma lembrança de quanto a empresa de Seattle era conhecida na época pela confiabilidade e segurança de suas aeronaves.

Boeing 727 da VARIG em Congonhas
A VARIG foi a primeira operadora do Boeing 727 no país, operando entre 1970 e 1993 como passageiros e posteriormente com voos cargueiros (RuthAS).

Com o sucesso entre os passageiros, a VARIG trouxe mais unidades e que foram usadas nos voos domésticos mais longos, em complemento com os 737-200.

A empresa vendeu o PP-VLR em 1981 e ficou com 10 aeronaves até 1989, quando começou a desfazer das unidades, até que em 1992 aposentou os quatro restantes de passageiros, substituídos pelos Boeing 737-300.

No total, 11 727-100 foram operados pela VARIG: PP-VLD, VLE, VLF, VLG, VLH, VLQ, VLR, VLS, VLT, VLV e VLW. Os 727-100 cargueiros permaneceram na unidade VARIG Carga e, posteriormente, foram transferidos para a VARIG Cargo.

VARIG Carga/VARIG Cargo (1974-2000)

A unidade de carga da VARIG operava com 727-100 cargueiros desde que a empresa recebeu, pois os PP-VLE, VLS e VLW eram Combi e aptos a mudarem o layout de passageiros para carga e vice-versa. A partir de 1974 essas aeronaves passaram a ter títulos CARGA perto dos motores.

A VARIG Carga operou com cinco 727-100F repassados pela VARIG entre 1974 e 2000: PP-VLD/VLE/VLG/VLS/VLV. Essas aeronaves operavam voos domésticos e internacionais para América do Sul.

727 cargueiro em REC
PP-VLD realizando voos de carga em Recife, em 1998 (Jetpix).

Quando a VARIG alterou sua imagem corporativa, uma dos 727-100F teve a pintura nova aplicada. Posteriormente a aeronave foi pintada para o padrão VARIG Cargo.

Os cinco 727-100F foram transferidos para a VARIG Log em 2000, quando a unidade de carga virou empresa sob o controle da VARIG.

Cruzeiro do Sul (1970-1992)

A segunda operadora do 727-100 no Brasil foi a Cruzeiro do Sul, quando recebeu o PP-CJE/F/G em 29 janeiro de 1970. Os aviões foram colocados nas rotas domésticas e internacionais mais nobres da empresa, como Buenos Aires e Montevidéu, e na abertura das bases Bogotá e Lima. Pelo avanço tecnológico, a Cruzeiro do Sul anunciava o 727-100 como “Super B” e a aeronave do “ano de 2003”.

Assim como a VARIG, a Cruzeiro tentou antecipar a chegada dos 727-100, arrendando os N5472 e N5473 para colocar em operação antes que a VASP recebesse os 737-200. Os dois 727-100 arrendados tiveram a pintura que tinha o Cruzeiro do Sul na cauda, semelhante aos primeiros Samurais.

Cruzeiro 727 no Galeão
A Cruzeiro foi a segunda operadora do país, entre 1970 e 1993 (Pedro Aragão).

A empresa chegou a operar 9 modelos simultaneamente: PP-CJE, CJF, CJG, CJH, CJI, CJK, CJL e VLV. Ela teve dois 727-100 com pinturas híbridas: PP-CJJ, proveniente da SABENA, e o PP-VLV, com pintura Lufthansa e posteriormente repassado à VARIG.

Entre 1982 e 1983 o PP-CJH e PP-CJJ foram entregues para a Aeroperu, em pintura híbrida da Cruzeiro com a estatal peruana. Em 1990 vendeu o PP-CJL para a Itapemirim Transportes Aéreos e em 1992 a empresa desativou os 05 727-100 remanescentes.

Transbrasil (1974-1989)

A Transbrasil recebeu seus primeiros 727-100, PT-TCA e PT-TCB, em 02 de outubro 1974, oriundos da Pan American. Posteriormente a Transbrasil se transformou na maior operadora de 727 na América do Sul.

Os 727-100 vieram de vários operadores e havia preferia pela versão Combi ou QC – Quick Change, que poderia ser transformado em passageiro ou cargueiro em menos de 30 minutos. Aproveitando desta vantagem, a Transbrasil bateu recorde de utilização diária do 727 no mundo, operando voos de passageiros de dia e à noite fazia voos da Rede Postal Noturna (RPN) dos Correios, fruto da ideia do Comandante Omar Fontana para incrementar receita e ter maior utilização das aeronaves.

Não só na utilização intensa que marcou a passagem dos 727 na Transbrasil, mas a variedade de pinturas que os trijatos tiveram na empresa nos primeiros anos. Com pinturas vibrantes, os aviões passaram a chamar atenção nos aeroportos brasileiros, semelhante ao fenômeno da Braniff International nos anos de 1960.

Os dois primeiros 727 tiveram pinturas denominados Riquezas Naturais, posteriormente teve Riquezas Nacionais e a Energia Colorida, na qual os aviões tinham duas tonalidades de cores, e eram referentes a um tipo de energia. As pinturas foram unificadas em 1979, quando o Arco-Íris tornou padrão na empresa, com o logotipo e as asas com cores específicas para cada avião.

727 da Transbrasil em Salvador
A Transbrasil se destacou com seus 727 coloridos na década de 1970 (Christian Volpati).

A Transbrasil chegou a comprar dois 727-200, com duas opções, para ampliar a capacidade. Duas aeronaves foram construídas, que receberiam os prefixos PT-TCE e PT-TCF, e foram para a Mexicana de Aviación como XA-MEQ e XA-MER, respectivamente. Foram as primeiras aeronaves a ostentarem o código da Transbrasil na Boeing: Q4 e posteriormente o XA-MER veio voar na VASP como PP-SFG.

Em 12 de abril de 1980, a Transbrasil perdeu o PT-TYS em aproximação noturna contra o Morro das Virgínias, em Florianópolis, vitimando 55 pessoas e com apenas 3 sobreviventes. Foi o pior acidente em número de vítimas da Transbrasil.

Entre 1979 e 1982, o 727-100 foi o único modelo a operar na Transbrasil e seu protagonismo na empresa começou a perder a partir da chegada dos 767-200 em junho de 1983. Os aviões posteriormente foram sendo substituídos por 737-300 e, em 1989, as unidades restantes foram vendidas pelos interventores da empresa, que preferiram trazer os 737-400 no lugar. No total a Transbrasil operou com mais de 22 unidades: PT-TCA, TCB, TCC, TCD, TCE, TCF, TCH, TCI, TYH, TYI, TYJ, TYK, TYL, TYM, TYN, TYO, TYP, TYQ, TYR, TYS, TYT e TYU.

VASP (1976-1989)

A VASP foi a quarta operadora do modelo no Brasil e a primeira a trazer a versão 727-200, mais alongada e com capacidade para transportar 152 passageiros, contra os 117 da VARIG-Cruzeiro. Estes aviões foram empregados nas rotas mais longas e concorridas da empresa, ligando principalmente São Paulo com o Nordeste e Norte, além de charters para o Caribe e Argentina. Foi denominado pela empresa como Super 200 para diferenciar dos modelos 727-100 das concorrentes nacionais.

727 VASP no Galeão.
A VASP foi a primeira operadora do Boeing 727-200 no país e a única entre as grandes a operar a versão pax do modelo (Pedro Aragão).

Entre 1979 e 1981, a VASP operou também com dois Boeing 727-100F, arrendados da Lufthansa e que manteve sua pintura básica, com o acréscimo do nome VASP e da palavra CARGA. Foram os únicos 727-100 operados pela companhia paulista. A empresa chegou operar 10 727 simultaneamente: os dois cargueiros, PP-SNE, SNF, SNG, SNH, SNI e SNJ, além dos PP-SMK e SRK arrendados da ILFC e que operavam anteriormente na Singapore Airlines.

Até a chegada dos A300-200 em 1982, os 727-200 foram as maiores aeronaves operadas pela VASP. E uma delas teve um trágico destino em 08 de junho de 1982, quando o PP-SRK se chocou contra a Serra de Aratanha, em Pacatuba, minutos antes do voo VP168 terminar sua jornada que começou em Congonhas, parou no Galeão e tinha como destino Fortaleza. O voo vitimou todos os 137 ocupantes da aeronave e foi por mais de 24 anos o pior acidente aéreo no Brasil.

Com a chegada dos A300-200, a VASP começou o processo de venda de seus 727. Algumas foram arrendadas para a Northeast e Arrow Air, ambas mantendo as cores básicas da empresa e os prefixos brasileiros em solo estadunidense, algo raro de acontecer.

Dois 727-200, PP-SNG e PP-SNJ, foram os únicos a terem as novas cores elaboradas pela DPZ/SAO em 1985. Estas duas aeronaves foram as últimas operadas pela VASP até 1989. A história da VASP com o 727 não terminaria aí, pois em 1996 trouxe os primeiros 727-200F para a unidade VASPEX.

Aerobrasil (1980-1985)

A Transbrasil repassou para a sua recém-criada subsidiária Aerobrasil o PT-TCA e PT-TYK, para realizar voos corporativos para ENGESA entre Brasil, Europa e Oriente Médio, quando a empresa de armamentos tinha negócios significativos na região. O Tango Charlie Alpha operou entre 1980 e 1981 com as cores da Transbrasil e adição do título AeroBrasil. O Tango Yankee Kilo operou por alguns meses entre 1984 e 1985, com uma pintura própria para empresa.

727 em Orly
PT-TYK é visto no Aeroporto de Paris – Orly com a pintura híbrida da AeroBrasil (Clinton Groves).

Na próxima semana abordaremos as operadoras dos anos de 1990 até 2024.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Previous Post
Airbus A220-300 da Air Canada

Air Canada faz pedido adicional de cinco Airbus A220-300

Related Posts