AIRWAY publica nesta semana uma série de quatro reportagens sobre o voo entre o Brasil e o Japão a bordo da companhia aérea Emirates, uma das mais premiadas do mundo. Sergio Quintanilha, nosso colaborador, é redator chefe da revista Motor Show, da Editora Três, e, entre outros projetos, lançou no Brasil a revista Avião Revue, que surgiu originalmente na Alemanha. Confira a segunda parte a seguir:
Segunda perna: DXB/NRT – VOO EK318
O embarque do voo para Tóquio aconteceu numa área remota longínqua do terminal. Durante o longo trajeto, o ônibus passa diante de vários Airbus A380 da impressionante frota da Emirates. São 72 aeronaves desse modelo. Quanto ao Boeing 777, a frota é composta de 247 aeronaves, sendo 123 da série -300.
O avião escalado para o voo EK318 era o 777-300ER A6-EBY, que voou pela primeira vez no dia 16/03/2007. Embora fosse um ano e meio mais velho que o 777 da primeira perna, o “Bravo Yanque” parecia mais novo. Provavelmente deve ter passado por um revisão mais recente, pois seu sistema multimídia, por exemplo, era bastante atualizado. Ele também está alugado no sistema de leasing, mas da Gecas, uma das maiores empresas do setor. É configurado para oito passageiros na primeira classe, 42 na executiva e 304 na econômica.
Embarcar na área remota é uma das coisas mais legais da aviação. Nada como subir as escadinhas e ver a poderosa máquina que o levará até o seu destino. Dessa vez fiquei no assento 8K, mas apenas uma fileira atrás em relação ao voo GRU/DXB significou passar para outra seção na cabine da executiva, bem mais próxima ao motor. Exatamente às 3 da madrugada o comandante disse que estávamos prontos para a partida e só faltava a autorização da torre. Sete minutos depois, o avião iniciou o taxiamento, que durou 23 minutos. Às 3h30 de Dubai, o 777 da Emirates alinhou na cabeceira 30R, acelerou e decolou após 42 segundos, em direção ao mar. Passou algumas pacatas nuvens e, com os motores a pleno zunindo perto dos meus ouvidos, fez uma curva à direita, colocando Dubai bem à vista de minha janela.
Cansado do voo anterior e da demorada conexão em Dubai, dessa vez eu não esperei nenhum serviço de bordo. Dormi oito horas seguidas e nem senti os desvios que o comandante fez para evitar o espaço aéreo do Afeganistão, após sobrevoar o Paquistão, bem como todo o trajeto que desenhou o mapa do norte da China. Quando acordei do sono reparador, cheio de energia e com fome, voávamos no nível 330 a mais de 1.000 km/h, graças ao vento de cauda de 138 km/h. O café da manhã começaria somente em 45 minutos, mas vi um passageiro comendo um prato de sushi e pedi o mesmo para uma comissária. Ela me serviu com extrema má vontade, contrariada pelo fato de eu não querer esperar o serviço normal do café da manhã.
Leia a primeira parte da viagem entre São Paulo e Tóquio
Naquela altura eram 15 horas em Tóquio e o avião se aproximava de Pequim, que fica no nordeste da China. Depois de passar por Kalgan, o “Bravo Yanque” fez uma curva para direita, desviando do espaço aéreo da Coreia do Norte. O vento aumentou para 150 km/h e o avião começou a balançar um pouco. Quando o comandante fez outra curva, o vento ficou de proa com apenas 20 km/h. O 777 deslizava no céu chinês sob o brilho do sol da tarde. Quando me levantei, acabei derrubando minha garrafinha de água (vazia) debaixo do assento. Então pedi outra, porém uma aeromoça antipática (devia estar cansada) disse que não havia mais garrafinhas de água a bordo e que eu deveria achar a minha. Felizmente, ao ver que eu havia encontrado minha garrafinha velha e vazia, um comissário indiano de bom coração me trouxe uma nova, cheinha de água.
Depois de sobrevoar a região de Pequim, o 777-300ER fez uma curva para a esquerda e tomou o rumo de Tóquio. O vento de cauda de 138 km/h voltou e o avião passou a balançar muito próximo ao Mar da China. Quando eram quase 11 horas no horário de Dubai, finalmente chegou um café da manhã “poderoso”. Voando na proa de Cheju (Coreia do Sul), pedi champanhe para acompanhar um saboroso omelete de espinafre com batata assada, feijão mulato e tomatinho cereja, croissant e manteiga. Afinal, eu já estava chegando no Japão, lá era quase noite e quando vi o feijão no prato pensei: “É meu almoço, não quero café, quero champanhe”. Dispensei as frutas, o iogurte e a geleia que acompanhavam o prato.
O avião seguia rumo ao aeroporto de Narita com um impressionante vento traseiro de 194 km/h. Isso levou o “Bravo Yanque” a Mach 0.82 (nada menos que 1.088 km/h). Faltava 1h45min para a chegada a 1.300 km do destino. Se eu já estava admirado com aquele vento, ficaria ainda mais espantado ao sair do território coreano e entrar no Mar do Japão, pois o vento a favor do voo passou a 220 km/h e o Boeing chegou a 1.118 km/h (Mach 0.83). Quando entramos no Japão pela região sudoeste, sobrevoando Kanazawa e Toyama, já estava anoitecendo. Só então me dei conta que estava vivendo há quase dois dias no “Planeta Emirates”.
Leia a terceira parte da viagem entre São Paulo e Tóquio
Eram 17h05 no horário japonês quando o voo EK318 iniciou a descida. Curiosamente, a proa não era Tóquio, mas sim o nordeste do país. Como o Japão tem um território pequeno, o avião só fez a curva à direita quando estava a 18.000 pés de altitude, a 120 km de Narita (que fica a cerca de 80 km de Tóquio). Claro que o vento, agora de frente, havia diminuído muito (para 40 km/h), bem como a velocidade da aeronave (700 km/h). Quando desceu a 5.000 pés, tendo reduzido para 403 km/h, o Boeing 777 da Emirates encontrou tempo bom e poucas nuvens. Fez duas curvas à esquerda e o comandante mandou a tripulação preparar para o pouso. Mais duas curvas à esquerda e pegou a rampa final de Narita, pousando na cabeceira 17L às 17h37 locais com temperatura de 20oC. Às 17h44 min os dois motores GE90 foram desligados e terminava mais uma jornada do Brasil até o Japão. Uma semana depois, eu faria o trajeto de volta, mas em rota diferente até Dubai.
Leia a terceira parte da viagem entre São Paulo e Tóquio pela Emirates.
Melhor relato de um voo que li até hoje!! Detalhes até das velocidades dos ventos!! Isso é para quem entende mesmo!! Parabéns Sérgio!! Agora, fico imaginando quem faz essas “pernas” na econômica….
Sérgio, saudações!
Perdoe a pergunta de leigo mas como você consegue todos estes dados sobre a rota, manobras, velocidade da aeronave, vento (e direção)?
Se for algum segredo de profissão “irrevelável”, eu compreendo.
Grato pela atenção e pela leitura!
Fabio Ramiro
Obrigado, Gustavo. 🙂
Para quem atua na área, às vezes, pode se tornar mais fácil, experiência e conhecimento ajudam, algumas destas informações nós conseguimos conversando com a tripulação técnica, dados interessantes e impressionantes sem dúvida. Com relação à tripulação, vemos toda sorte de comissários.