Como numa virada aos 45 minutos do segundo tempo, o governo federal decidiu mudar de ideia no novo edital de concessão de aeroportos da Infraero e leiloar Congonhas, em São Paulo, em vez do Santos Dumont, no Rio, ambos os terminais que mais geram receita para a combalida Infraero. O projeto ainda depende de aprovação da Secretaria do Programa de Parcerias em Investimentos, que deve se pronunciar nos próximos dias.
A substituição do Santos Dumont por Congonhas, no entanto, não conta com apoio da Secretaria de Aviação Civil, que defende a concessão dos aeroportos em lotes que envolvem também terminais deficitários no pacote. O aeroporto central do Rio de Janeiro, por exemplo, deveria ser leiloado em conjunto com aeroportos como o de Vitória (ES), Governador Valadares (MG) e Macaé (RJ) que isolados teriam poucas chances de interessados.
Ao escolher Congonhas o governo federal pretende elevar a receita com concessões e assim tapar parte do buraco com as contas públicas. Estima-se que o terminal paulistano possa arrecadar ao menos R$ 5 bilhões dos R$ 20 bilhões previstos com todas as concessões – a União licitará também os aeroportos de Cuiabá e Recife em conjunto com outros terminais menores.
Burro de carga da Infraero
Até então, o governo federal tratava Congonhas como um trunfo para manter a Infraero viva. Por ser o aeroporto que mais dá lucros à estatal, o terminal deveria ser a última ‘peça’ a ser leiloada, antes da extinção da empresa. Agora, com a possibilidade de ser repassado às mãos privadas, restará como fonte de receita justamente o Santos Dumont que movimenta pouco menos da metade de passageiros que seu equivalente paulistano.
Caso a ideia avance, será uma virada e tanto para um aeroporto que esteve no ostracismo no final dos anos 1990 e cuja existência bem no centro da mancha urbana de São Paulo sempre foi questionada, sobretudo após os dois graves acidentes com aviões da TAM (hoje parte da LATAM).
Foi justamente a TAM que recolocou Congonhas de volta aos seus melhores momentos. Pela obstinação de seu antigo presidente, Rolim Adolfo Amaro, morto num acidente aéreo em 2001, a companhia então regional conseguiu convencer o governo a permitir os chamados voos diretos ao centro, frequências operadas por ela e outras regionais entre Congonhas, Pampulha, Santos Dumont e Curitiba.
Focados no passageiro executivo, esses voos fizeram sucesso, a despeito das pequenas aeronaves usadas. Em 1989, foi a vez de quebrar um tabu ao entrar como concorrente da Ponte Aérea Rio-São Paulo, então um monopólio da Varig, Vasp e Transbrasil. No ano seguinte, chegaria o avião que mudaria a rotina de Congonhas, o Fokker 100, jato regional de 108 lugares que passou a ser usado nas principais rotas da TAM.
A década de 1990 viu Congonhas reassumir importância no tráfego aéreo para a maior cidade do país, que desde 1986 estava quase que exclusivamente concentrado em Guarulhos. De lá para cá, o aeroporto cresceu quase sem parar até que o acidente com o Airbus A320 da TAM há dez anos obrigasse a ANAC a limitar as operações a partir dele – destinos muito distantes e aviões maiores acabaram sendo excluídos.
Enquanto arrecadava mais dinheiro para a Infraero, Congonhas não contou com a mesma atenção na sua modernização. Apenas em 2003 uma obra de ampliação e modernização foi executada pela estatal para oferecer mais comodidade aos passageiros ao construir um píer com salas e pontes de embarque em frente ao antigo terminal, inaugurada em 2005 – até então, todos os embarques e desembarques eram feitos a pé ou por ônibus. Um prédio de estacionamento também foi construído na praça Comandante Linneu Gomes.
Apesar disso, a grande demanda por voos nunca foi completamente satisfeita e os passageiros até hoje convivem com pouco espaço em check-in, lojas, corredores e esteiras. Nos últimos anos, a estatal até passou a oferecer mais opções de lojas e lanchonetes, mas é nítido que o terminal tem um potencial muito maior de exploração. Tanto assim que o governo Temer havia aventado a ideia de conceder parte do aeroporto para que uma empresa privada cuidasse da parte comercial.
Abandono
Além do terminal em si, Congonhas apresentará vários problemas aos possíveis interessados. Se por um lado é considerado atraente para passageiros e companhias aéreas pela sua localização estratégica, o aeroporto funciona em período restrito, das 6 às 23 horas e tem, desde 1996 os “slots”, uma programação rígida de voos que limita a ampliação da capacidade do aeroporto e mesmo a concorrência entre as empresas aéreas. Como o operador privado administrará esses interesses é um mistério.
Já as restrições implantadas em 2007 foram eliminadas em parte neste ano quando a ANAC voltou a permitir voos para aeroportos distantes como alguns localizados no Nordeste. Resta saber se haverá limitação para que aviões maiores como o Airbus A321 sejam usados no aeroporto.
Por outro lado, o concessionário assumirá uma área de mais de 1,6 milhão de metros quadrados, mas que em grande parte é hoje utilizada por hangares de manutenção ou está abandonada, como na parte onde estão a sede e os prédios usados pela falida Vasp. A área, de valor inestimável, hoje é palco de poucas atividades incluindo a feira anual de aviação executiva LABACE. Além da extinta companhia, também a Gol utiliza como sede boa parte do aeroporto onde ficavam as empresas Real Aerovias e depois a Varig.
Com o aperto e tombamento dos prédios originais do terminal de passageiros, utilizar essas áreas de hangares poderia ser uma saída interessante para o futuro concessionário, inclusive em transformar esses espaços em um local que reunisse comércio, hotel, eventos e convenções.
Como se vê, 81 anos após seu surgimento, o aeroporto Congonhas ainda é capaz de se reinventar – e também criar polêmicas, agora dentro do próprio governo.
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