Santos. A cidade do litoral paulista já presenciou diversas cenas históricas da aviação brasileira. Mas, muito antes de os aviões ganharem os céus da região, um homem ousou desafiar seu tempo, a igreja e a ciência da época para colocar no alto um aparelho mais pesado que o ar.
Esse homem hoje nomeia uma importante avenida de Santos. Bartolomeu de Gusmão, o padre que desejava voar, não foi só um brasileiro ilustre, mas uma figura mundial, que entrou para a história geral e colocou o nome de Brasil e de Portugal em um patamar elevado da ciência.
Em 1709, o ainda Bartolomeu Lourenço, padre, apresentou uma petição de privilégio junto ao rei Dom João V, a fim de proteger sua segunda patente de importância, sendo essa de um “instrumento para se andar pelo ar”.
Sem dúvida, o invento deve ter chamado a atenção de “El Rey”, que também já estava familiarizado com a inteligência daquele jovem padre, nascido em dezembro de 1685, em Santos, então vila da Capitânia de São Vicente.
No dia 17 de abril de 1709, foi conferido o direito de patente a Bartolomeu, que assim poderia executar seu ambicioso projeto. Mas, o futuro invento deste brasileiro ousado não passaria despercebido em toda a Europa.
Passarola, o falso voador
Logo começaram a circular gravuras e estampas referentes ao aparelho que poderia andar pelos ares. Geralmente o desenho apresentava um pássaro com uma cobertura de tecido sobre seu corpo aberto, como se fosse um barco alado.
O espanto foi geral, pois nada voava naquela época, exceto os próprios pássaros. Assim, o apelidaram de “Passarola”. Entretanto, a gravura era falsa. Ou melhor, falseada pelo “assessor” do inventor.
Gusmão mantinha o engenho sob vigilância e apenas o futuro 2º Marquês de Abrantes, então com 14 anos, podia entrar no local onde era guardado o aparelho.
Como este nobre português era sempre questionado sobre o projeto, a fim de despistar curiosos e talvez até espiões de outros reinos, criou o desenho da Passarola, atribuindo o feito de voar ao magnetismo, que na época acreditava-se estar relacionado com tudo.
O desenho “vazou” propositalmente como se fosse por descuido e acabou reproduzido por todo o velho continente.
Aeróstato, o verdadeiro
Com o passar dos meses, Bartolomeu de Gusmão (sobrenome em homenagem a seu tutor eclesiástico, o diplomata brasileiro Alexandre de Gusmão) desenvolveu seu invento. Este não poderia falhar, afinal, ele seria apresentado diretamente ao rei.
No entanto, a história não foi bem assim. Seu aparelho, um pequeno balão que se inflava por ar quente produzido por vela ou mecha, fez ensaios de voo entre os dias 3 e 8 de agosto de 1709 em várias dependências reais, em Lisboa. No dia 5, por exemplo, o chamado aeróstato chegou a 4 metros de altura, mas incendiou-se como nas outras vezes.
Apenas no dia 8, após testes diários, o balão de ar quente de Gusmão subiu até o teto do Palácio Real e desceu suavemente, para espanto do rei e da corte, que incluía o futuro papa Inocêncio XIII. Finalmente, em 9 de outubro de 1709, um balão maior subiu e pousou com segurança. Este utilizava uma pequena chama para inflação.
Infelizmente esse último balão era pequeno demais para levar um homem, mas demonstrou a grande capacidade do invento. Porém, não foi dessa forma que o público da época encarou o projeto, considerado de pouca importância e perigoso devido ao fato de provocar incêndios, como acontecera em demonstrações anteriores nas dependências reais.
Legado
Conta-se que ainda que poucos anos depois, um voo com balão de ar quente não tripulado havia sido feito numa região de Lisboa, mas não foi documentado. Na França, ao final do século 18, iniciaram-se os primeiros voos tripulados com balões de ar quente, utilizando o mesmo princípio de Gusmão.
Eles foram realizados pelos irmãos Montgolfier em 1783, na cidade de Paris. No Brasil, o primeiro voo tripulado de um balão é atribuído à Edoaurd Heilt, em 1885, no Rio de Janeiro. Porém, há registros de que um balão de observação foi usado na Guerra do Paraguai, entre 1865 e 1870. Este seria um aeróstato cativo, preso ao solo.
O aeróstato dirigível surgiu em 1852, criado por Henri Giffard. Porém, ele não tinha um controle eficiente e isso só foi resolvido em experiências de voo realizadas por outro brasileiro, Alberto Santos Dumont, entre 1898 e 1904, chegando o mesmo a contornar a torre Eiffel.
Pouco tempo depois, Santos Dumont voaria com o 14-bis, marcando um feito histórico na mesma cidade onde os primeiros balões tripulados subiram aos céus.
Primeira patente
Com grande genialidade, Bartolomeu de Gusmão – antes Bartolomeu Lourenço – começou sua carreira de inventor quando estava no Seminário de Belém, em Cachoeira-BA, onde criou um mecanismo para transportar água até níveis mais elevados. Essa foi a primeira patente concedida a um brasileiro.
Mesmo com o desinteresse do estado português no aeróstato, Bartolomeu de Gusmão foi para a Holanda, onde registrou a patente de uma máquina de drenagem de água para navios, descoberta somente em 2004. Enfrentou a Inquisição Espanhola por questões religiosas e científicas e, após adoecer, morreu em Toledo, Espanha, no dia 18 de novembro de 1724, então com 38 anos.
Do aeróstato ao 14-bis, a história da aviação está intimamente ligada ao Brasil, que deu filhos ilustres como Bartolomeu de Gusmão, um padre “voador” que deu os primeiros passos para que o homem pudesse enfim ganhar as alturas.