Airbus A380 completa 20 anos do primeiro voo: conheça sua história

Projetado como sucessor do 747, no fim ele saiu de operação antes mesmo do Jumbo da Boeing
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Airbus A380 da Emirates é visto decolando de Dubai (Julian Herzog).

No dia 27 de abril de 2005, às 10h29, decolava de Toulouse, França, o que seria a maior aeronave comercial do mundo e que prometia revolucionar as viagens aéreas: o Airbus A380.

De grandes expectativas, o Superjumbo tornou praticamente um fracasso comercial da Airbus, em que pese suas qualidades de operação e conforto aos passageiros, mas inadequado ao novo cenário da aviação mundial.

Gênese de um gigante

Ainda que haja crises, pode-se dizer que a aviação é uma atividade em contínua expansão. Mesmo após a Guerra do Golfo causar efeitos colaterais na aviação, as perspectivas na década de 1990 para o futuro eram animadoras e o Boeing 747-400, a maior aeronave comercial de passageiros do mundo, se mostrava incapaz de atender a demanda.

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Diante disso, as três principais fabricantes da época – Airbus, Boeing e McDonnell Douglas –, começaram a estudar aeronaves maiores, todas com dois andares, aptos para operarem nos mesmos aeroportos que o 747 atendia.

A McDonnell Douglas ofereceu o MD-12 em 1992, com capacidade para mais de 510 passageiros em três classes e que tinha previsão de entrar em operação em 1997. Mas, em meados da década de 1990, a empresa desistiu dos planos e focou no alargamento do MD-11, denominado MD-XX.

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MD-12 não passou da fase de concepção (McDonnell Douglas)

A Boeing estudou o New Large Aircraft, uma aeronave com dois pisos e capacidade para receber 600 passageiros. Mas, assim como sua conterrânea, abandonou o projeto em 1993 e preferiu priorizar estudos para alongar o Boeing 747, denominados 747-500X e 747-600X. Nenhum deles saiu do papel, contudo.

Em busca de voos mais altos

A Airbus estreava no mercado de voos intercontinentais com os A340-200 e A340-300 e ousava voos mais altos. Lançar uma aeronave de dois andares seria um trunfo da capacidade tecnológica da empresa, e um passo importante em relação à disputa com a Boeing na liderança da aviação.

Inicialmente, as empresas que integram o consórcio Airbus e a Boeing fizeram um grupo para desenvolver a nova aeronave, denominada Very Large Commercial Transport. O esforço entre americanos e europeus era motivado pelas prospecções do mercado: haveria demanda, mas não para duas fabricantes.

Em 1994, a própria Airbus começou a fazer os estudos de sua própria versão, o Airbus A3XX. Enquanto isso, a Boeing se retirou do grupo e passou a concentrar nos programas 747 e 777. A McDonnell Douglas, já com sua situação não tão favorável, suspendeu o projeto do MD-XX em 1996 e no ano seguinte acabou assumida pela Boeing.

Lançamento do programa

O programa foi formalmente lançado em 19 dezembro de 2000, com orçamento de US$ 10 bilhões, o programa mais caro do consórcio europeu. O avião foi batizado como A380, o 8 em homenagem ao formato da fuselagem e por ser um número de sorte para os asiáticos. O A380 foi oferecido com duas motorizações: Rolls-Royce Trent 900 e Engine Alliance GP7200.

As perspectivas pareciam animadoras, com 1.235 unidades a serem vendidas até 2020, sendo 27 na América Latina, com forte possibilidade de alguma brasileira ter o Superjumbo, como informalmente era chamado, em algumas rotas internacionais.

A Boeing, que abandonou o projeto de uma aeronave maior que o 747-400, dava de ombros e afirmava que a demanda por esta aeronave dificilmente ultrapassaria 500 unidades e iria apostar em melhoramentos do 747 (747-400ER), 777 (777-200LR e 777-300ER) e do Sonic Cruiser, um subsônico que nada mais era cortina de fumaça para o 7E7 (atual 787). A Boeing apostava na pulverização do mercado, com novos city-pairs em vez de concentração de voos.

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Concepção artística do interior do A380, com uma confortável poltrona-cama e integrada ao interior (Priestmangoode)

Com capacidade para 525 passageiros em três classes, o A380 prometia custos inferiores de 15 a 20% ao Boeing 747-400. Um único voo de A380 poderia substituir praticamente duas aeronaves menores e operar em mercados com demanda altíssima, como o japonês, que neste caso faria que o A380 atingisse entre 840 assentos por voo.

O começo parecia promissor, com encomendas da Air France (10), Emirates (7 aviões mais 5 opções), ILFC (5), Qantas (12), Singapore Airlines (10 jatos mais 15 opções) e Virgin Atlantic (6 unidades mais 6 opções). Em janeiro foi a vez da Federal Express anunciar a compra do A380F, tornando-se a primeira empresa cargueira a encomendá-lo além da primeira dos Estados Unidos. A previsão era entregar a primeira aeronave em 2006 para a Singapore Airlines, a launch customer do avião.

Durante a produção dos protótipos surgiram os primeiros problemas, desde incompatibilidade do programa CATIA entre as unidades da Airbus até a constatação que o avião seria mais pesado do que o anunciado. O resultado foram dois anos de atrasos e os custos aumentando para US$ 25 bilhões.

Ao realizar o primeiro voo, a Airbus ainda estava otimista com o programa A380. Eram 159 aeronaves encomendadas ou com opções de compras e com novos clientes: China Southern Airlines, Etihad Airways, Korean Air, Lufthansa, Malaysia Airlines, Qatar Airways, Thai Airways e UPS.

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O protótipo F-WWOW foi a grande estrela do Paris Air Show / Le Bourget 2005 (Mathieu Marquer).

Apesar da Airbus anunciar o A380 como um cruzeiro nos ares, com bares, poltronas largas e áreas de estar, no fundo o avião teria uma configuração mais tradicional, apesar de algumas clientes prometendo amenidades, como a Emirates e a Singapore Airlines, pela natureza de sua clientela corporativa.

Começo das operações

Em 15 de outubro de 2007, a Singapore Airlines inaugurava o primeiro voo comercial do A380, no SQ380 entre Singapore e Sydney. A renda obtida pelo leilão de passagens deste voo foi revertida para uma instituição de caridade. No ano seguinte, a Emirates se tornaria a segunda operadora do modelo, seguida da Qantas no mesmo ano e da Air France no ano seguinte.

Tanto os executivos da Emirates quanto da Singapore Airlines elogiaram a performance do avião, com economia 20% inferior ao do 747-400 e o avião se tornou o frisson por onde passava, ainda que não na mesma medida que o 747 no início da década de 1970, mas era uma aeronave apreciada pelos passageiros pelo conforto a bordo e pelos pilotos sobre a pilotagem.

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A Singapore Airlines empregou o A380 em suas rotas mais prestigiosas, como Londres Heathrow (John Taggart)

Entretanto, a aeronave não condizia com as mudanças da aviação no início do Século XXI, principalmente após o 11 de setembro. A Airbus assistia clientes em potencial preferir encomendar o Boeing 777-300ER, menor que o A380, porém com mais flexibilidade de operações.

Operadores

No total foram construídos 251 A380, um número bem longe da meta da Airbus, com o programa considerado deficitário por não atingir o break-even. Algumas expectativas da fabricante não foram realizadas, como a operação no congestionado mercado japonês, no então crescente mercado chinês, além da adoção por empresas europeias e cargueiras.

Um dos fatores que afetaram a venda do A380 foi que as empresas aéreas adotaram a estratégia de pulverização dos voos, principalmente com a chegada dos 787, reduzindo o ritmo de crescimento dos super-hubs.

Além disso, o A380 exigia uma série de alterações na infraestrutura dos aeroportos para sua melhor eficiência, como taxiways mais largas, ponte de embarque dupla e espaço compatível para sua operação. Muitos aeroportos não viram com bons olhos investir para receber poucos voos da aeronave.

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Os aeroportos tiveram que fazer adequações para as operações do A380 e do 747-8, como Frankfurt (Kiefer).

Singapore Airlines: a primeira operadora do A380, a SIA recebeu 24 A380 que foram empregados nas rotas para Austrália, Japão, Estados Unidos e Europa. Atualmente tem 10 unidades em operação e pretende substituí-los pelos Boeing 777-9.

Emirates Airlines: é a maior operadora do modelo, com 123 unidades recebidas. Com um interior que atende tanto a capacidade de levar muitos passageiros da econômica quanto oferecer serviços exclusivos para os afluentes passageiros da primeira classe, a empresa dos Emirados Árabes Unidos transformou o avião em uma máquina de dinheiro, ao ponto de fazer lobby na Airbus para manter a produção ou até mesmo ter uma versão aprimorada do avião.

A empresa tem diversas configurações, indo desde 468 assentos em três classes até 615 assentos em duas classes para rotas mais concorridas para passageiros da classe econômica, como a Índia.

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A Emirates oferece um bar para os passageiros da classe executiva (Altair78)

Qantas Airways: a empresa de bandeira da Australia recebeu 12 A380 que são empregados nas rotas para a Costa Leste dos Estados Unidos e Londres Heathrow, via Dubai. A empresa os substituirá pelos A350-1000 aptos para fazer a ligação Sydney-Londres sem escalas.

Air France: primeira operadora europeia do A380, em 2009, também foi a primeira a retirar o modelo, em 2020, na esteira da crise sanitária da COVID-19. Voou com 10 aeronaves.

Lufthansa: segunda operadora europeia do A380, a Lufthansa recebeu 14 unidades a partir de 2010. É, juntamente com a Korean Air, a única a operar tanto o A380 quanto o 747-8, tentativa da Boeing de concorrer com o Superjumbo. Há oito unidades em operação e a previsão é mantê-los até 2030.

China Southern Airlines: recebeu seis unidades a partir de 2010 e foi a primeira a operar domesticamente o A380, entre Guangzhou e Pequim. Mas a falta de relevância do mercado de Guangzhou comparado à Pequim e Xangai, a pulverização de rotas no mercado chinês e a COVID-19 determinaram que a empresa retirasse os A380 em 2022 alegando altos custos em mantê-los.

Korean Air: recebeu 10 unidades a partir de 2011. Com a compra da Asiana Airlines receberá mais seis unidades. A previsão é desativar as aeronaves até 2031.

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A380 da Korean Air é visto aqui em Los Angeles (Alan Wilson).

Malaysia Airlines: operou entre 2011 e 2022 com cinco exemplares, em uma compra vista mais do ponto de vista do prestígio do que por necessidade, uma vez que a empresa teve dificuldade de empregar as aeronaves, tanto por ser uma das empresas mais afetadas pela ascensão das ME3 quanto pela perda de dois 777-200ER entre 2013 e 2014.

Thai Airways: a estatal tailandesa seguiu o mesmo passo que a Malaysia e operou os A380 mais por prestígio que por necessidade. Seis unidades operaram entre 2012 e 2020, quando foi desativado em decorrência da COVID-19 e pela situação financeira que a Thai vinha atravessando.

British Airways: o primeiro A380 chegou em 2013 e atualmente conta com 12 em operação. O A380 se mostrou uma ótima aeronave para operar no congestionado aeroporto de Heathrow, ao ponto de a empresa afirmar que procurava A380 usados para aumentar a oferta. Entretanto estes planos aparentemente foram descartados.

Asiana Airlines: seis unidades foram recebidas entre 2014 e 2016, que serão posteriormente transferidos para a Korean Air após ser vendida.

Etihad Airways: a empresa aérea de Abu Dhabi recebeu 10 unidades a partir de 2014 e se destacou por oferecer a The Residence, cabines individuais para os passageiros da primeira classe, com sala de estar, dormitório e banheiro privativo, além de comissários exclusivos, treinados pelo tradicional The Savoy Hotel de Londres.

O preço da passagem entre Abu Dhabi e Londres custava mais de US$ 20 mil e, durante a reestruturação da Etihad e a pandemia da COVID-19, cogitou a aposentadoria das aeronaves durante o período que estavam estocadas, porém com a retomada do tráfego, os aviões voltaram à operação.

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The Residence: vista da sala de estar olhando para o dormitório. Entre os dois ambientes se encontra o banheiro (Etihad Airways).

Qatar Airways: foi a última das ME3 a receber o A380, em 2014, com 10 unidades recebidas. Menos entusiasmada que a Emirates na operação da aeronave, a Qatar preferiu focar na frota de 777-300ER e aeronaves menores para concorrer com sua rival na região. Os aviões serão substituídos por A350-1000 em 2035.

HiFly Malta: a subsidiária da portuguesa HiFly foi a primeira a operar um A380 usado, o antigo 9V-SKC da Singapore Airlines. Por registro tributário, a aeronave era registrada em Malta mas ficava baseada no Aeroporto de Montijo, em Portugal, uma vez que o Aeroporto de Lisboa não tinha estrutura para a aeronave. A COVID-19 e a ausência de clientes para fretar fizeram que a operação na empresa fosse curta, entre 2018 e 2020.

All Nippon Airways: foi o último novo cliente da Airbus a receber a aeronave. A história é curiosa: encomendada pela Skymark Airlines para operar nas rotas para Londres, Paris e Nova York, a empresa deu um passo maior que a perna e entrou em recuperação judicial.

A ANA surgiu como uma das candidatas a comprar a Skymark  e fez uma proposta. Como a Airbus era a maior credora da Skymark, ela condicionou a aprovação da oferta da ANA a receber os A380 encomendados. Desta forma, em 2019 a ANA recebeu o primeiro A380, configurado com 520 assentos e dedicados para o mercado havaiano.

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Os A380 da ANA tem pinturas especiais, denominada Flying Honu, com as cores enfatizando aspectos naturais do Havaí, onde voam exclusivamente (Masakatsu Ukkon)

Global Airlines: é a mais nova operadora do A380, recebendo uma aeronave ex-China Southern em 2024 e com planos de lançar voos entre Reino Unido e Estados Unidos. A gestão da aeronave será realizada pela HiFly Malta.

Além desses operadores, outras compraram o A380 mas não receberam, seja por cancelamento (Virgin Atlantic, Federal Express, Iran Air e UPS), quanto por falência (KingFischer Airlines, Skymark Airlines e Transaero).

O Superjumbo no Brasil

O primeiro pouso do A380 no Brasil ocorreu em 10 de dezembro de 2007, quando o F-WWJB tocou o solo de Guarulhos às 11h30 procedente de Buenos Aires, com 65 passageiros. Era parte da campanha da Airbus em promover o avião em terras sul-americanas, que já contavam com carta de intenção (Letter of Interest) de duas unidades pela Aerolíneas Argentinas e mais duas pelo seu controlador, a Air Comet/Viajes Marsans.

O A380 impressionou a todos que estavam no aeroporto paulista, com os terraços cheios de curiosos e spotters, alguns privilegiados no pátio, enquanto outros estavam no acostamento da Rodovia Hélio Schmit ou no famoso “Morrinho”.

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O gigante Airbus A380 fez o primeiro pouso na América do Sul em 10 de dezembro de 2007. O objetivo era avaliar as condições técnicas de operar no aeroporto e apresentá-lo para a TAM (Wellington Tohoru Nagano).

O avião realizou um voo de demonstração para 150 passageiros, sendo 100 convidados pela TAM, responsável pelo suporte técnico no país. Entre os convidados estavam Nenê Constantino, da Gol, e Ozires Silva, ex-presidente da Embraer, Petrobras e VARIG.

A intenção de apresentar o A380 era convencer a TAM a encomendar unidades, pois era a única empresa com capacidade para voos internacionais no Brasil na época, absorveu parte da demanda internacional que voava VARIG, e era a maior cliente Airbus da América Latina.

A Airbus antevia que algumas rotas da TAM seriam ideais para os A380, como Guarulhos-Miami e Guarulhos-Paris, que operavam cada uma com dois diários de A330-200.

Porém, Guarulhos precisava alargar a pista para 60 metros, ter pontes de embarque específicas e aumentar os postos de alfândega e imigração para receber o volume de passageiros do A380. Era preciso também pensar nos aeroportos alternativos para o gigante.

Antes do primeiro voo comercial, o A380 fez operações pontuais no Brasil: em 22 de março 2012, na sua segunda visita, quando visitou Guarulhos, Rio de Janeiro e Campinas; no dia 14 de novembro de 2015, a Emirates trouxe para comemorar oito anos de serviço no país com um voo especial Dubai-Guarulhos; e em 2016 a Air France fez um voo especial Paris-Rio de Janeiro-Paris no dia 22 de agosto para levar os atletas que participaram das Olimpíadas.

A primeira operação comercial regular ocorreu no dia 26 de março de 2017, quando EK261 da Emirates pousou no Aeroporto de Guarulhos. É a única rota regular do A380 no país, apesar de intenções no passado da Air France e Lufthansa de operarem com o modelo aqui.

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Emirates quase tem a metade de todos os A380 construídos (Quentin Douche).

Um momento curioso da operação do A380 no país foi em 17 de janeiro de 2018, quando três A380 (A6-EUV, A6-EOF e A6-EUT) estiveram simultaneamente em Guarulhos. O motivo foi uma pane no A6-EUV que levou a cancelar o voo do dia 16. Para amenizar o problema, a Emirates enviou o A6-EOF como voo extra e o A6-EUT operou normalmente o voo regular.

Apesar da evolução que o A380 trouxe para a aviação, sua operação no mercado brasileiro reflete o que significou para o programa: as expectativas de vários operadores comprariam a aeronave estavam exageradas e ocorreu a pulverização do mercado. Por este motivo, o programa A380 mostrou que o mercado atual não prefere capacidade, mas flexibilidade em suas operações.

O último A380 produziu foi para a Emirates Airlines, entregue no dia 16 de dezembro de 2021, com matrícula A6-EVS. A cerimônia foi discreta, devido ao período de confinamento da COVID-19.

Concebido para substituir o 747, ironicamente o A380 foi descontinuado antes do 747 deixar de ser produzido.

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