Na década de 1930 até os últimos anos da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe, a força aérea da Alemanha, era um dos meios militares mais poderosos e organizados do mundo. Com uma capacidade de ataque e interceptação soberbas, a divisão tornou o espaço aéreo alemão praticamente impenetrável, além de permitir avanços por outros territórios.
Engenheiros alemães criaram alguns dos mais notáveis caças, como a famosa dupla Messerschmitt Bf 109 e Focke-Wulf 190, aeronaves armadas com pesados canhões, os mais potentes motores da época e uma nova tecnologia, cabines pressurizadas, o que permitia aos pilotos voar mais alto, onde é possível alcançar velocidades maiores.
Qualquer avião que surgisse na frente dos avançados caças da força aérea alemã muitas vezes se tornava uma presa fácil, como aconteceu em ações na Guerra Civil Espanhola e nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial. Mas como todo grande lutador, a Luftwaffe também tinha seu ponto fraco: carecia de bombardeiros pesados de longo alcance.
Alcance limitado
Boa parte dos investimentos aeronáuticos da Alemanha nessa época eram direcionados ao desenvolvimento de novos caças ou modernização dos modelos atuais, assim como projetos de bombardeiros de capacidade leve e média.
Os principais aviões desse tipo projetados pelos nazistas e utilizados em combate foram os Junkers Ju 87 ‘Stuka’ e o Heinkel He 111. Mas também havia um generoso fundo para projetos secretos.
Os militares alemães conheciam há muito tempo a falha da Luftwaffe, que limitava a capacidade de ataque a longa distância, um conceito que começava a surgir. Aeronaves de grande alcance poderiam voar por trás das linhas enimigas e atacar objetivos estratégicos, acelerando um processo de invasão. Com aviões de menor capacidade o processo era mais lento e exigia violentos combates frente a frente, especialmente contra inimigos com melhor preparo, como se mostrariam a União Soviética e o Império Britânico.
Mas conquistar a Europa era apenas o começo: Adolf Hitler planejava expandir as fronteiras do Terceiro Reich para além dos oceanos. Para isso, primeiramente, seria preciso derrubar os Estados Unidos. Diferentemente da França ou Polônia, que foram rapidamente rendidas durante as ‘Blitzkrieg’ (‘Guerra Relâmpago, em alemão) justamente por serem vizinhos da Alemanha, os EUA estavam a mais de 6.500 km de distância.
Nenhum avião dessa época era capaz de cobrir tal distância carregado com bombas e depois retornar em segurança. O plano de um superbombardeiro já existia antes mesmo da Europa entrar em guerra, pois a Alemanha previa que os EUA não ficariam ao seu lado. Em 1937, a pedido de Hitler, aconselhado por oficiais da Luftwaffe, a Messerschmitt começou a trabalhar no ‘Projekt 1061’, que mais adiante se tornaria o ‘Me 264 Amerika Bomber’.
Objetivo: Nova York
Hitler queria um meio capaz de realizar “ataques perturbadores” contra os EUA. Para ferir alma dos americanos e criar pânico generalizado, nada mais alarmante do que um inesperado e preciso bombardeiro sobre Nova York, que era o principal objetivo do enorme avião alemão.
O Amerika Bomber começou a tomar forma a partir de 1940, quando a Messerschmitt apresentou os primeiros planos aos militares alemães com ideias que poderiam sustentar os requisitos iniciais: autonomia de 20.000 km, capacidade para transportar 5.000 kg de bombas e possibilidade de conversão para uso civil.
A Kriegsmarine, a marinha da Alemanha, também entrou no projeto do Amerika Bomber, mas suas intenções com o avião eram outras: aproveitar sua enorme autonomia para obter um meio de reconhecimento de longa distância e assim antecipar movimentos de navios inimigos.
Para cumprir os até então impensáveis requisitos da Luftwaffe e da Kriegsmarine, a Messerschmitt propôs um avião com 21,3 metros de comprimento e 43 m de envergadura impulsionado por quatro motores BMW, cada um com 1.730 hp. Com esse porte e motorização, a aeronave pesaria 21.150 kg vazia e poderia decolar com 56.000 kg.
Com a concretização da invasão da França, em 1940, o super-bombardeiro nazista ganhou ainda mais força, uma vez que suas incursões em direção aos EUA poderiam ser realizadas a partir do novo território, que encurtava a distância do voo transatlântico em quase 2.000 km. Contudo, o esforço alemão na guerra da Europa e início de ações no norte da África, começou a se tornar insustentável, sobretudo pela resistência dos britânicos e a entrada dos EUA nos conflitos em todas as frentes de batalha. Mais do que nunca, o Amerika Bomber era necessário.
Primeiros protótipos
O primeiro de três protótipos do Me 264 voou em 23 de novembro de 1942, com o piloto Karl Baur no comando. A primeira experiência com o aparelho durou 22 minutos e durante o voo o trem de pouso permaneu baixado por questões de segurança, algo que é realizado até os dias atuais durante o lançamento de novas aeronaves. Segundo relato de Baur na época, o avião se comportou perfeitamente em todas as fases da operação.
O Amerika Bomber tinha uma fuselagem metálica circular com design “limpo” e o nariz possuía uma grande área envidraçada, que seria a estação do oficial-bombardeiro. Atrás do cockpit havia uma área de descanso para a tripulação, para enfrentar longas jornadas, e uma passagem por cima do porão de bombas permitia o acesso a cauda do avião, onde havia uma torre com canhões e metralhadoras para auto-defesa. O avião foi projetado para operar com oito tripulantes.
Para realizar os longos raids até os EUA o avião precisaria de cerca de 30 mil litros de combustível. Para suprir essa necessidade, America Bomber ganhou seis tanques blindados distribuídos pelas longas asas.
No entanto, a experiência alemã nesse ramo da aviação ainda era escassa e o governo não focava seus investimentos em um único projeto. Ao mesmo tempo em que o Amerika Bomber era desenvolvido, os nazistas ainda bancavam outros quatro bombardeiros de longo alcance, incluindo uma versão do Me 264 com seis motores (o ‘Projekt 1075’), aeronaves com motores a jato, porta-aviões e até uma bomba nuclear.
Desenvolvido por engenheiros sobrecarregados e com extrema urgência, o projeto começou a degringolar. Logo após os primeiros protótipos voarem, constatou-se que os requisitos não poderiam ser alcançados de forma convencional. Para o Me 264 alçar voo totalmente carregado e sem comprometer seu alcance foram sugeridas diversas ideias já testadas e comprovadas, como rebocar o Amerika Bomber até a altitude cruzeiro, reabastecimento em voo e uso de foguetes para auxílio em decolagens.
Segundo especificações do fabricante, o Amerika Bomber equipado com motores de 1.750 hp (também foram testadas versões de 1.300 hp) seria capaz de alcançar a velocidade máxima de 560 km/h e voar a 8.000 metros de altitude, uma performance excepcional para os anos 1940.
Se a Messerschmitt conseguisse provar que o bombardeiro funcionava, mesmo sob condições alternativas, já havia um contrato para a fabricação de 24 exemplares. Desta forma, a empresa continuou testando seu ousado projeto como podia, ao mesmo tempo em que os Aliados começavam a reagir ao avanço alemão, sobretudo com bombardeiros de longo alcance, como os americanos B-17 e B-24 e o britânico Lancaster.
Feitiço contra o feiticeiro
Em maio de 1943, o alto escalão do Reich ordenou que o Me 264 fosse abandonado para direcionar os recursos para o “Programa Emergencial de Caças”. Willy Messerschmitt, fundador e então presidente da fábrica de aviões que levava seu nome, contatou Hitler para informá-lo sobre os avanços do Amerika Bomber, esperando que o Führer mantivesse o apoio ao projeto, o que aconteceu em parte: o ditador pediu que o avião continuasse a ser desenvolvido somente na versão naval e o plano de atacar os EUA foi abandonado.
“As poucas aeronaves que conseguissem chegar ao alvo só provocariam a resistência da população“, previu Hitler. O esforço, a partir daí, teria de ser direcionado ao desenvolvimento de armas para proteger a Alemanha e o que havia sido conquistado até então. O principal fruto dessa mudança de posição foi o Me 262, o primeiro avião a jato operacional da história.
Logo após o cancelamento do Amerika Bomber, a fábrica da Messerschmitt em Augsburg, foi bombardeada por aviões Aliados e os três protótipos do Amerika Bomber foram destruídos. O projeto, porém, não foi cancelado de imediato, mas perdeu força no meio militar, devido a sua complexidade de operação, e interesse de Hitler, que estava fascinado com a ideia dos jatos. O Me 264 então ficou apenas no papel e o projeto de construir um novo exemplar tinha prazo de conclusão somente para meados de 1946.
Em 29 de junho de 1944, com a Alemanha já praticamente derrotada, o Me 264 foi definitivamente cancelado, assim como sua variante com seis motores, o Ju 390. O pouco de recursos que a Alemanha ainda direcionava a pesquisas sobres bombardeiros de longo alcance foi direcionado para criar melhorias para o Ju 290, um modelo quadrimotor de médio alcance que já estava em operação com relativo sucesso.
A demora em desenvolver um bombardeiro de longo alcance foi talvez o principal erro da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Foi justamente esse tipo de aeronave que causou sua ruína, com importantes pontos de infra-estrutura e dezenas de cidades devastadas pela arma que Hitler tanto desejava.
Veja mais: Baka, o avião-bomba kamikaze
Em primeiro lugar parabeniza-lo pelo seu trabalho, muito obrigado
Em segundo lugar, e humildemente, você aceitaria sugestão de temas?
Gosto muito de temas ligados a Segunda Guerra Mundial, no que tange a personagens, batalhas, armas, etc
No que tange à mortes, perseguições, holocausto, de ambos os lados, não
Prezado Thiago
Gostei muito da matéria sendo que desconhecia este projeto Me 264, entretanto tratando-se de projeto quadrimotor faltou comentar o Focke Wulf 200 Condor. Na linha de seu artigo fica claríssimo o fato dos americanos não terem necessitado utilizar o B-29 na Europa onde o B-17 deu conta do recado, porem no Pacifico o B-29 foi necessário. Vem-me à mente o profundo simbolismo da comentada imagem da Inglaterra como gigantesco porta-aviões (que fez toda a diferença).
Gostaria de ler uma matéria sua sobre os tanques na II Guerra Mundial. Certa vez encontrei interessante comentário sobre o diferenciado poder dos tanques pesados alemães, entretanto enquanto os alemães produziam 1 destes tanques, em contrapartida os americanos produziam 10 Sherman, qual seja, neste caso a quantidade superou a qualidade. Porem em outro contexto somente duas bombas atômicas renderam o Japão.
Abraço
Padilha
Histórias sobre a 2ª Guerra, são sempre fascinantes e tristes, pelas suas consequências. E este artigo sobre o Amerika Bomber é muito bom.
Thiago Vinholes, não tem como incluir o Google + para compartilhamento dos artigos ?
Olá Rubens, muito obrigado!
Estamos trabalhando para inserir os botões de todas as redes sociais, em breve isso será resolvido.
abs
Olá Vagner, muito obrigado!
Envie sua sugestões em meu e-mail, por favor: thiagovinholes@airway.com.br
Grande abraço!
E o Condor?
Excelente matéria, muito bem escrita e com muitas informações.
Interessante como ele se parece como o B-29 Superfortress
Lembra muito com modelos de bombardeiros descritos no Warplanes of the Luftwaffe — Combat Aircraft of Hitler’s Luftwaffe 1939-1945
Excelente materia, que nos leva a divagar sobre todos os “if..” da Historia, até pq, naquela epoca estavamos muito mais proximos da Alemanha do que da America do Norte.
Outro que fo projetado para bombardear os EUA foi o Fugaku do Japão
https://en.wikipedia.org/wiki/Nakajima_G10N
A ideia era decolar do Japao, bombardear os EUA e pousar na Alemenha aliada