O enredo é digno de novela. Dois personagens que se detestam, resolvem ter um relacionamento, mas tempos depois, se separam em meio a trocas de acusações. Em outra trama, parceiros deixados no altar resolvem se unir para não viverem sozinhos. Parece gente, mas estamos falando de companhias aéreas.
O anúncio dos donos da Gol e da Avianca de criarem a holding Abra para gerir ambas (e outras empresas) é mais um capítulo do intenso “troca-troca” que se tornou comum no mercado de transporte aéreo.
Basta lembrar de um exemplo mais do que notório de que juras de amor nesse setor só valem até segunda ordem. O casamento da LATAM com a Delta em 2019 pegou o mercado de surpresa já que as duas tinham parcerias aparentemente sólidas com American Airlines e Gol, respectivamente. Abandonadas, as duas não pensaram duas vezes em “juntar os trapos”, como se diz.
União de grupos empresariais, aquisições e parcerias estratégicas ocorrem em qualquer indústria, mas na aviação comercial elas se multiplicam, às vezes criando emaranhados confusos, quando não de curta duração.
Entre as razões para tamanha “promiscuidade” está a alegada pequena margem de lucro na venda de bilhetes aéreos. Tornar rotas financeiramente viáveis não parece ser uma tarefa fácil e os inúmeros fatores imprevísiveis tornam a tarefa desgastante. No Brasil, além das taxas aeroportuárias, o vilão é sempre o câmbio e, consequentemente os custos baseados nele, como o combustível. Além disso, temos a guerra do ICMS e outros impostos que desequilibram o jogo.
Sob um mesmo guarda-chuva, empresas podem dividir custos, otimizar setores e ter margem maior de negociação com fornecedores, além de eliminar rotas concorrentes, por exemplo.
Voltando ao exemplo da LATAM, o casamento duradouro entre a LAN e a TAM mostra como certas fusões não obedecem a lógica de mercado já que a empresa brasileira era bem maior que a chilena, mas numa situação financeira mais frágil.
Em busca de ganhos de eficiência, no entanto, grupos empresariais costumam fechar os olhos para diferenças de gestão e encarar alguns relacionamentos amargos.
A Azul e a LATAM deixaram de lado suas rusgas para se apoiarem durante os piores momentos da pandemia, mas logo que a situação começou a melhorar, as duas voltaram a se estranhar. Ainda mais quando a empresa de David Neeleman quis tomar a rival.
Assédio rejeitado
Mas não é fácil unir culturas diferentes sobretudo porque muitas dessas fusões ou parcerias surgem em momentos de aperto, quando deixa-se lado potenciais problemas em troca de alguma sinergia.
Veja o caso da união entre a Frontier e a Spirit, duas companhias aéreas de porte médio nos Estados Unidos. Separadas elas não incomodam, mas juntas passarão a ser o 5º maior grupo do setor. Foi o bastante para que a JetBlue, a atual 5ª no ranking, resolvesse tentar melar o casamento.
Para isso fez ofertas agressivas sobre a Spirit, a mais combalida delas, na tentativa de tomar o lugar da Frontier. Mas os laços das duas pequenas falou mais alto e o “assédio” acabou rejeitado.
A aviação comercial tem outro agravante, a pobreza de ativos das companhias aéreas. Ao contrário de fabricante de produtos de consumo, por exemplo, cujas patentes e expertise de produção falam alto em qualquer negociação – quando não a fidelidade do cliente a determinada marca -, as empresas aéreas têm pouco a oferecer. Suas rotas são concessões, a maior parte dos aviões, alugada, sem falar que fidelidade, com preços que variam ao sabor dos ventos, não pesa tanto nessas situações.
Em suma, uma empresa debilitada vale pouco e uma marca pode ser facilmente esquecida pelo consumidor se ele encontrar alternativa melhor e mais barata. Estão aí as gloriosas e históricas Pan Am e Varig para comprovar essa tese.
Ou seja, o jeito é fazer vista grossa para os defeitos do parceiro, buscar os pontos em comum e celebrar o matrimônio. E que ele seja eterno enquanto dure.