Antes barrado, Twin Otter tem caminho livre no Brasil

Antigo concorrente do Embraer Bandeirante quer aproveitar a aposentadoria eminente do turbo-hélice brasileiro, além de oportunidade na aviação regional em locais remotos do país
O Twin Otter opera atualmente em 57 países (Viking Air)
DHC-6 400: quarta geração do Twin Otter foi desenvolvida pela Viking Air, empresa que hoje usa o nome De Havilland Canada (Viking Air)
O Twin Otter é famoso no mundo todo, menos no Brasil; o avião opera em 57 países (Divulgação)
O Twin Otter é famoso no mundo todo, menos no Brasil; o avião opera em 57 países (Divulgação)

“Toda vez que escutávamos o barulhinho do Twin Otter chegando era sinal de que algo novo iria acontecer na cidade. Quando eu era criança, vivi em uma região distante no Quebec onde alguns produtos só chegavam de avião. No Canadá existem muitos lugares como esse, assim como no Brasil”, revelou Stéphane Larue, cônsul do Canadá, durante apresentação da Viking Air, fabricante canadense de aeronaves “utilitárias” que prepara sua entrada no Brasil, no Consulado do Canadá, em São Paulo (SP), nesta terça-feira (3).

O Twin Otter é quase um total desconhecido no Brasil, e a “culpa” é toda nossa. A aeronave é um projeto original da “de Havilland Canada” (DHC), tradicional fabricante do Canadá, e durante muitos anos disputou mercado com o Embraer Bandeirante (EMB-110).

Para proteger o Bandeirante, o governo brasileiro criou diversas medidas econômicas no passado que dificultavam a entrada de concorrentes no país, entre eles o Twin Otter. E essas políticas foram efetivas: nenhuma unidade do avião canadense, produzido desde 1965, foi comprada no Brasil ao longo desse período.

Então por que a Viking Air agora está batendo em nossa porta? Os Bandeirantes de uso civil que ainda voam no país se aproximam da aposentadoria e precisam de substitutos. A Embraer produziu o EMB-110 entre 1973 e 1991, enquanto a fábrica do Twin Otter segue ativa no Canadá e acumulando pedidos. O avião canadense é o mais vendido do mundo em sua categoria, com mais de 1.000 unidades fabricadas.

O Twin Otter também tem versão anfíbia, que pousa na terra ou na água (Divulgação)
O Twin Otter também tem versão anfíbia, que pousa na terra ou na água (Divulgação)

O renascimento do Twin Otter

A de Havilland Canada produziu o DHC-6 Twin Otter entre 1965 e 1988. Na década de 1980, a DHC foi privatizada e posteriormente, em 1986, vendida a Boeing, que determinou a descontinuação da aeronave. Em 1992, os direitos da empresa foram comprados pela Bombardier e empresa voltou a ter controle canadense. E a Viking Air, onde entra nessa história?

A Viking Air, fundada em 1970, é um grupo especializado em trabalhar com produtos da DHC. Durante esses quase 50 anos de atuação, a empresa criou oficinas capacitadas para as aeronaves de Havilland, montou centros de compra e venda, e também desenvolveu soluções de engenharia. A empresa fazia de tudo, menos fabricar aviões.

O DHC-6 voou pela primeira vez em 20 de mais de 1965 (Divulgação)
O DHC-6 voou pela primeira vez em 20 de maio de 1965 (Divulgação)

Após detectar uma forte demanda pelo Twin Otter em meados de 2000, a Viking Air comprou da Bombardier os direitos de produção de todos os antigos aviões DHC e, em 2007, anunciou o retorno da “lontra” (Otter, em inglês), com uma série de evoluções. O primeiro modelo renovado, em tese a quarta geração da aeronave (versão “400”), voou pela primeira vez em 2010. Desde então, a Viking já entregou mais de 100 unidades do novo DHC-6 em todos os continentes.

Em ritmo de expansão global, a Viking Air também quer entrar no Brasil, onde enxerga uma série de possibilidades e mercados para inserir o Twin Otter. “É um avião que pode servir para inúmeras missões. Aqui na América do Sul, por exemplo, é empregado por forças armadas, em operações de lançamento de paraquedistas e transporte para regiões de difícil acesso, e também tem forte presença no ramo de companhias aéreas regionais de baixa densidade, novamente com destinos a locais remotos, alguns com pousos desafiadores”, contou o comandante Daniel Torelli, diretor técnico da Viking Brasil, na apresentação no consulado. Torelli também está estudando para comandar o Twin Otter.

“É uma aeronave de fácil adaptação. O curso dura 15 dias, com aulas teóricas e treinamento em simulador de voo. Quem estuda para voar o Twin Otter tem a disposição o que chamamos de ‘full flight simulator’, um simulador de voo elétrico com controle de seis eixos, que imita os movimentos de uma aeronave, e o único do mundo capaz de simular operações de pouso e decolagem na água”, explicou Torelli. Além da versão com trem de pouso convencional, o DHC-6 também é oferecido em versão hidroavião ou anfíbia (que pousa da terra e na água).

Voando para os confins do mundo

O Twin Otter é como um “sherpa” da aviação: pode fazer trabalhos difíceis e desafiadores com relativa tranquilidade. O avião da Viking Air inclusive é um dos poucos que consegue pousar nos aeródromos surreais instalados na borda de montanhas no Nepal, de onde alpinistas partem para a escalada do Monte Everest. Em outras partes do mundo, o DHC-6 nem precisa de pista.

A aeronave foi desenvolvida focada para operar a partir de pistas semi-preparadas. Pode ser um campo de terra, grama, gelo, areia ou até uma rua. Segundo dados do fabricante, o Twin Otter precisa de 366 metros de pista (ou algo parecido com uma pista) para decolar e 320 m para pousar. Como comparação, a pista principal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, tem quase 2 km de extensão.

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Uma das operações mais curiosas do Twin Otter acontece no Barra Airport, na Escócia, com modelos operados pela British Airways. Esse aeroporto não tem pista. Em vez disso, os aviões pousam em uma praia, quando a maré está baixa.

Pilotos bem treinados, em especiais militares, ainda conseguem levar a aeronave além dos limites do fabricante, realizando verdadeiras proezas com o modelo, como pousos em espaços ínfimos e resgates em regiões inóspitas no planeta. Em 2003, um Twin Otter foi enviado do Canadá até o extremo do Polo Sul para resgatar uma equipe médica. Era inverno, época que a região permanece na escuridão, e a aeronave pousou praticamente sem orientações no solo. Todos foram salvos.

“No Brasil o Twin Otter pode atender uma série de órgãos públicos, como a Funai ou até as forças armadas, oferecendo um meio eficiente para alcançar comunidades distantes na Amazônia”, contou David Caporali, diretor regional de vendas da Viking Air na América Latina e Caribe. Caporali ainda revelou que a empresa já foi sondada pelo Exército Brasileiro e a companhia aérea MAP, de Manaus.

O Embraer Bandeirante tem capacidades semelhantes a do Twin Otter (Divulgação)
O Embraer Bandeirante tem capacidades semelhantes a do Twin Otter (Divulgação)

Momento oportuno

A Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) aprovou em agosto o plano de trabalho do Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional (PDAR), plano que pretende colocar um aeroporto a pelo menos 100 km de qualquer habitante no Brasil. O objetivo inicial era construir, ampliar e reformar 270 aeroportos regionais, com investimentos que chegariam a R$ 7,3 bilhões. Agora, a previsão é executar obras em apenas 53 unidades. Não só isso, o PDAR também inclui subsídios para compra de aeronaves com capacidade inferior a 60 passageiros.

“O Twin Otter deve receber em breve a certificação da ANAC, o que nos permitirá criar um centro de manutenção no Brasil e assim poder atender prontamente clientes que comprarem a aeronave por aqui. Temos negociações em andamento, boas notícias vão surgir em pouco tempo. O mercado de aviação segue um efeito de manada. Depois que um comprar e elogiar o produto, outros vão seguir o mesmo caminho”, prevê o diretor de vendas da Viking Air.

O avião fabricado no Canadá, em fábricas em Victoria e Calgary, e custa US$ 5,9 milhões da versão “standard”, com 19 assentos. A comissão do PDAR ainda não determinou quanto será o desconto para a compra desse tipo de aeronave no Brasil. O Twin Otter voa atualmente com 128 operadores, incluindo 25 forças armadas, em 57 países.

Twin Otter na versão "Guardian", para uso militar (Divulgação)
Twin Otter na versão “Guardian”, para uso militar; o Exército do Brasil é um dos interessados (Divulgação)

O DHC-6 pode decolar com peso máximo de 5.670 kg, sendo cerca de 2.800 kg de carga, e pode ser configurado com cabine executiva, com poltronas sofisticadas, ou multi-uso, para passageiros e cargas. Os motores turbo-hélice do Twin Otter também são “Made in Canada”, desenvolvidos pela Pratt & Whitney: cada unidade (modelo PT-6A-34) gera 750 cavalos de potência – é o mesmo motor do Cessna Caravan.

“Embora o motor Pratt & Whitney tenha ótimos números de confiabilidade, voando sobre a Amazônia com árvores de 60 metros, eu preferiria um avião bimotor a um monomotor”, revelou o diretor técnico da Viking Brasil. De acordo com o fabricante, a aeronave alcança a velocidade máxima de 314 km/h e altitude de 7.620 metros. Já autonomia do aparelho totalmente carregado fica em cerca de 600 km – vazio pode passar dos 1.400 km.

O Twin Otter tem forte presença no Caribe, onde opera em pequenos aeroportos (Divulgação)
O Twin Otter tem forte presença no Caribe, onde opera em pequenos aeroportos (Divulgação)

O Twin Otter nem de longe tem o desempenho de um jato, mas pode pousar nos aeroportos mais complexos e impensáveis do mundo ou campos improvisados com destreza e resistência quase únicas. O “nosso” Bandeirante, apesar da idade, também tem essa capacidade, mas não pousa na água como as versões “aquáticas” de seu antigo concorrente, que agora tem caminho livre no Brasil.

Como disse o cônsul do Canadá na abertura da apresentação da marca, o Twin Otter sempre levava novidades para vilas remotas do Quebec. Nos rincões do Brasil, quem sabe esse avião está disposto a atender também precisa de novidades, muitas com urgência.

Veja mais: O que aconteceu com o porta-aviões do Brasil?

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  1. Acredito que o Twin Otter faz parte da solução de transporte de toda a Amazônia também. Precisamos de aeronaves Anfíbias como o Otter para atender a região, uma vez que, os aeroportos Amazônicos já estão prontos com centenas de rios e pistas ilimitadas e com baixíssimo investimentos tornam-se operacionais. Como eu falei aqui, outro dia, foi lamentável que passamos um grande período sem poder importar aeronaves dessa capacidade com único objetivo de proteger a Embraer com a justificativa de “similar nacional” importação proibida, lembram? Desejo muita boa sorte ao Twin Otter na sua chegada ao Brasil! Saudações,

  2. O Bandeirantes, foi a seu tempo , uma aeronave até que razoável , tendo dado sua contribuição inegável ao desenvolvimento da país , tanto na Amazônia quanto nos primórdios da aviação regional , tal qual foi concebida . Entretanto , a meu ver , que operei ambas as aeronaves , de modo algum o E 110 chegaria a fazer concorrência com o twin otter pois esse último esbanja em versatilidade , extrema segurança e robustez . Exemplo disso é sua operação nas Ilhas Maldivas e ao mesmo tempo no Nepal , nos campos africanos e nos lagos do Alasca . Sim o E 110 foi um bom avião , mas nunca se comparou ao DHC 6 , vamos dar o devido valor a quem merece . A excessiva proteção do governo ao … ” similar nacional ” fez sim , nós atrasar em muitas áreas, principalmente aviação , durante muitos e muitos anos . Que venha o twin obter , rei absoluto em sua categoria .

  3. o twin otter competia com o bandeirante em numero de passageiros , e operaçoes em pistas curtas, porem em alcance e velocidades nao existe comparaçao entre os 2 … o twin otter anda a 150 kts enquando o bandeirante a 205 kts uma bela diferença, assim como no range de 1400 km do twin e 1900 do bandeirante!! pode ser util na amazonia e comparado ao caravan . O bandeirante nao deu o que tinha que dar, ele ainda esta dando.. estamos com varios bandeirantes operando a todo vapor e nunca um twin se encaixaria na operaçao… e uma correçao ao seu texto amigo, a turbina do caravan é a PT6A-114A de 670 SHP, a do bandeirante e do twin otter sao a PT6A-34 de 750 SHP..

  4. Interessante a comparacao entre o Bandeirante e o Twin Otter, desfavorecendo este.. O Bandeirante bem que poderia ter seguido o seu ciclo, o Brasilia e assim por diante e até para aeronaves maiores como os ATR. Porque será que a Embraer fechou este ciclo que iniciou lá atras com tanto sucesso, e obrigou a Azul comprar ATRS por falta de aeronaves brasileiras com este tipo de motores ? (a Azul colocou a base nas aeronaves da Embraer E-190 , jatos, etc. e quando tiveram a necessidade de aeronaves turbo-hélices tiveram de comprar no exterior) .
    Estratégia de alguem falhou,,,,

  5. reforçando a pergunta do Gilson, por qual razão a Embraer abandonou o mercado de turboélices?

    Eu sempre achei que a empresa, que fabrica com sucesso o Ipanema, poderia ter uma divisão para pequenas e médias aeronaves robustas, de monomotores até similares ao ATR, como faz sua concorrente Bombardier com a Séria Q.

    Competência e mercado para isso não faltam.

  6. Gilson e Julio, não sei porque a Embraer saiu do mercado das hélices, mas sei que o concorrente do ATR é o E 170, mas a Azul deu preferência para o que gasta menos. Bem menos.

  7. Andei pesquisando e soube que a Embraer não tem mais nada de capital nacional.
    Ela pertence a fundos estrangeiros, que estão comprando até oleodutos.
    Consequência natural, privilegiar modelos de aeronaves já produzidos fora daqui, só aumentando a escala.
    Privatização exacerbada vai garantir que no futuro (se tivermos sorte), todos sejamos empregados de alguma empresa transnacional.

  8. Tostines vende mais porque é mais fresco ou é mais fresco porque vende mais. Não! Não estou confundindo as coisas, mas talvez o comercial dos biscoitos fossem a razão para repensar em aviação regional afinal os brasileiros gostam de encher o peito e falar “o Brasil é um país de dimensões continentais”, mas ainda se gastam três dias e duas noites para o percurso SP/Fortaleza e num avião como da matéria consumiria não mais que seis ou oito horas fazendo sucessões de “pinga-pinga”. Quanto a ocupação de assentos desde que com preços não escorchantes e mais parecidos como de um ônibus voador e servindo barrinhas de cereais os passageiros surgiriam naturalmente. Algumas vezes faço viagem entre BH e Patos de Minas, algo em torno de 350km e que demandam 5 cansativas horas mesmo que dentro de um Marco Polo.
    Será que nenhuma divisão da Odebrecht ou suas aliadas não se habilitariam a ganhar dinheiro “trabalhando”????

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