As empresas aéreas brasileiras de vida curta – Parte II

Os anos de 1990 foram marcados pela efemeridade das empresas charter no país. Confira algumas das que sucumbiram há cerca de 30 anos
A Fly foi a principal empresa charter do Brasil na década de 1990. Foto: Aeroprints via Wikimedia Commons.
A Fly foi a principal empresa charter do Brasil na década de 1990. Foto: Aeroprints via Wikimedia Commons.

Entre os principais êxitos do Plano Real, implementado desde 1º de julho de 1994, foram o controle da inflação e a estabilidade cambial. Agora havia previsibilidade no planejamento das viagens aéreas, que favoreceu um boom de empresas charters no país.

Charter, ou empresas aéreas não-regulares, é um segmento da aviação voltado para voos fretados, sem regularidade e que é parte de um esquema na qual o voo estava incorporado dentro do pacote turístico.

Surgiu no pós-Segunda Guerra Mundial e algumas iniciativas foram bem sucedidas, dando origem a voos fretados de outras naturezas, como transporte de tropas e corporativos. Alguns nomes se tornaram bem conhecidos: Condor, LTU, Monarch Airlines, Transamerica e World Airways.

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No Brasil, a mão-de-ferro do DAC impedia o surgimento de empresas charters, porém permitia que algumas das maiores companhias operassem voos nesta modalidade. A Transbrasil vendia as passagens aéreas entre Congonhas, Galeão e Orlando apenas para operadoras de viagem. O mesmo acontecia com a VASP e seu voo para Aruba. Ambos voos eram conhecidos como charter-regular. Com a desregulamentação do início dos anos de 1990, agora havia a possibilidade de surgimento de empresas aéreas dedicadas especificamente a este mercado.

Veja a seguir algumas das empresas que surgiram e tiveram vida curta nesse segmento.

AIR VIAS 

A Air Vias  foi a primeira empresa charter do Brasil, fundada em dezembro de 1993. A empresa começou suas operações com o Boeing 727-200 PP-AIV e Douglas DC-8-62H N8969U (posteriormente PP-AIY) em voos para o Nordeste e Caribe, respectivamente.

O início parecia promissor, com as operadoras de turismo fretando vários voos. Entretanto, o DC-8 apresentou constantes panes, a ponto da empresa devolver a aeronave e trazer o segundo 727-200, PP-AIW.

A Air Vias anunciou o arrendamento de dois DC-10 para substituir o DC-8 e ampliar seu mercado para os Estados Unidos, porém a ideia não vingou. Da mesma forma, um acordo de cooperação com a americana TWA para operação do Lockheed L1011 Tristar foi negado pelo DAC.

A Air Vias chegou a ter três 727-200 em operação. Foto: Jetpix via Wikimedia Commons.
A Air Vias chegou a ter três 727-200 em operação. Foto: Jetpix via Wikimedia Commons.

Entre agosto e novembro de 1995, os 727-200 foram alugados para a TABA utilizá-los em rotas regulares. Pelo acordo, a TABA usaria os voos nos dias úteis e a Air Vias nos finais de semana. Uma solução criativa e ao mesmo tempo desesperadora, pois era o abraço dos afogados, uma vez que ambas empresas estavam em precária situação financeira.

Um terceiro 727-200 chegou a operar na empresa, N502AV, arrendado da International Air Lease e que seria o futuro PP-AIU. Mas as constantes panes e atrasos dos voos sujaram a imagem da companhia aérea em tal ponto que ela passou a ser chamada de “Air Frias”, com os clientes deixando de contratá-la. O PP-AIV foi retomado pelo arrendador, o PP-AIW vendido para a VASP e repassado posteriormente para Lloyd Aéreo Boliviano e VASPEX, e o N502AV foi para a Tropical Airlines – TCA.

SKYJET BRASIL

A Skyjet Brasil foi criada nos anos 90 por José da Silva Duarte Filho e Ângelo José Mourão, representantes da belga Skyjet, especializada em voos charters e tinha operações em Antigua e Barbados.

O primeiro avião foi o DC-10-30, ex-D-ADKO na Lufthansa e que viria ter matrícula PP-AJM, sigla de um dos sócios, com capacidade para 337 passageiros em classe única. Uma segunda aeronave, DC-10-15, chegou a ser anunciada para voos rumo à Miami, mas não se concretizou.

OO-PHN em Faro, Portugal. A pintura é semelhante ao da associada brasileira, com a única diferença no acréscimo da bandeira do Brasil. Foto: Pedro Aragão via Wikimedia Commons.
OO-PHN em Faro, Portugal. A pintura é semelhante ao da associada brasileira, com a única diferença no acréscimo da bandeira do Brasil. Foto: Pedro Aragão via Wikimedia Commons.

Ângelo Mourão saiu da presidência da Skyjet e por um tempo chegou a arrendar o 707-300 PP-AJP para serviços de carga. A empresa encerrou as operações no final de 1996.

FLY 

Com o primeiro voo em 10 de julho de 1995, a Fly foi a mais bem sucedida empresa charter do Brasil da década de 1990. Começou as operações com o Boeing 727-200 PP-LBF em cores híbridas da Royal Air Maroc, seu antigo operador.

Seguindo a cartilha das charters brasileiras, a Fly fazia voos fretados para o Nordeste e Caribe. Uma operação interessante era um bate-volta para Buenos Aires, no qual os passageiros chegavam de manhã na cidade portenha, faziam compras aproveitando a paridade cambial e retornavam à noite para o Brasil.

O segundo modelo, PP-LBY, teve um grande susto em seu primeiro serviço pela Fly, quando trazia a equipe do Corinthians de um jogo no Equador, com o avião varando a pista em Quito em 1º de junho de 1996. Por alguns meses ficou sem operar e reiniciou suas operações em 1998 com o PP-LBF.

A Fly sempre se destacou na qualidade do serviço de bordo, com os 727-200 configurados para 162 assentos, sendo 10 de classe executiva (Fly Class) e consolidou sua operação no mercado charter. A empresa cogitou trazer o Boeing 737-200 e o Fokker 100 como substitutos do 727-200, mas no fim continuou operando o trijato, trazendo mais unidades: PP-BLR, PP-BLS, PP-JUB e PP-LBF, PP-LBO – no auge chegou a operar com três modelos simultaneamente.

Primeiro avião da Fly, PP-LBF, preparando para mais um voo. Foto: Jetpix via Wikimedia Commons.

Um fato curioso foi ter operado com o 707-300B PP-LBN, ex-CX-BNU na PLUNA, por apenas um voo, Rio de Janeiro-Natal. A empresa desistiu da operação após as panes no seu primeiro voo. Outra curiosidade foi a realização de desfiles de moda praiana a bordo dos aviões, inclusive com uma marca própria – Fly Beachwear.

O ano 2000 marcou o apogeu da Fly, com mais de 330.000 passageiros transportados, ficando apenas atrás das quatro grandes do país. A VARIG, que chegou a propor a compra da empresa, começou a fazer dumping nas mesmas rotas que a Fly operava. Somou-se o advento da Gol, reflexos da desvalorização cambial de 1999 e o 11 de Setembro que selaram o destino da empresa, gradativamente reduzindo suas operações até ficar apenas com o PP-BLR em operação. O último voo ocorreu em 08 de maio de 2003.

Veja também: As empresas aéreas brasileiras de vida curta: Parte I

A empresa ainda tentou se reorganizar, inclusive com voos charters esporádicos, mas em 2005 encerrou as operações de forma definitiva, apesar da diretoria afirmar que retornaria as operações.

TRANSAIR INTERNACIONAL

A Transair International começou suas operações com o DC-10-15 matrícula PP-OOO arrendado da Finova Corporation. Se o DC-10 da Skyjet era apertado, o da Transair era mais ainda: 353 passageiros, sendo 14 na classe executiva e os 339 restantes na econômica.

Como se fosse uma sina entre as charters brasileiras, a Transair enfrentou problemas operacionais com o PP-OOO a ponto do DAC proibir a operação dele no Brasil. Para não deixar o avião ocioso, a Transair fretou a aeronave para Saudi Arabian Airlines e a Tunis Air para a peregrinação anual do islamismo à Meca, o Hajj.

Chegando em Saint Martin (SXM), o PP-OOO foi a única aeronave da Transair International. Foto: Aero Icarus via Flickr.

Com a desvalorização cambial de 1999, anunciou a operação do Boeing 727-200 para voos domésticos, chegando a distribuir fotomontagens para o setor turístico. Os planos não se realizaram e o DC-10-15 voltou ao Brasil em um mercado retraído. Tempos depois, a empresa devolveu o avião e encerrou as atividades.

VIA BRASIL

Ressaltando suas origens nordestinas, a Via Brasil começou as operações no final de 1998 com o Boeing 727-200 PP-MLM, ex-Royal Air Maroc, configurado para 173 passageiros em classe única. Apesar de ser classificada como charter pelo DAC, na prática a Via Brasil fazia operações regulares entre Guarulhos, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife e Porto Seguro em dias alternados.

A prática de ser classificada como charter e operar voos com regularidade tinha se tornado algo comum no final da década de 1990, com a Fly também operando dessa forma e que atingiu o ápice com a BRA.

Propaganda da empresa, com o mapa de rotas e os dias de operação. Destaque para as refeições.

Em 1999, a Via Brasil transportou mais de 92.000 passageiros em cerca de 500 voos, um número acima do razoável para uma novata que teve suas primeiras operações no olho do furacão da desvalorização do Real. Parte do sucesso era a combinação de bom serviço de bordo com preços baixos, concorrendo com as passagens rodoviárias.

A empresa sentiu o baque da chegada da Gol em 2001 e em meados do mesmo ano o DAC interditou o PP-MLM por irregularidades técnicas. Neste ínterim a empresa mudou de dono duas vezes, com a última vendida para um grupo de São Paulo, para onde foi transferida a sede.

Com a nova administração, a Via Brasil retornou os voos em 2002, porém em outra autuação do DAC, o órgão federal encontrou irregularidades técnicas na empresa, como ausência de comprovação de origem das peças e o mais grave: o trem de pouso dianteiro era de um Boeing 727-100 da Transbrasil, em vez de um modelo -200.

Diante dessas condições, o DAC interditou novamente a aeronave em 7 de julho de 2002, deixando mais de 2.000 passageiros no chão em pleno início de alta temporada. O 727-200 ficou no Aeroporto do Galeão até ser picotado e vendido como ferro-velho em 2004.

TROPICAL AIRLINES

As origens e seu nicho de mercado eram nebulosas. Mesmo sem operar um único voo comercial, foi pivô de um atrito diplomático entre os EUA e o Brasil.

Em 6 de agosto de 1995, o N580CR (ex-N502AV com a Air Vias e e que seria PP-TLN) foi apreendido pela Receita Federal com 110 caixas de eletrônicos e peças de avião sem nota fiscal. O proprietário da Tropical Airlines era Orleir Cameli, então governador do Acre e conhecido por possuir três CPFs. Outras irregularidades foram a alteração do plano de voo e prefixo modificado.

Apreendido, o 727-200 de 172 passageiros foi incorporado à Força Aérea Brasileira (FAB). A International Air Lease (IAL) alegou que ela não fazia parte do esquema de contrabando do governador e exigiu o retorno da aeronave. Houve pressão do embaixador estadunidense Melvin Levitsky para que o governo liberasse o avião, pois “constituiria uma contribuição positiva para as relações comerciais entre os dois países”. Nas entrelinhas: caso a aeronave ficasse com a FAB, a IAL poderia acionar a União no exterior para o pagamento da aeronave, avaliada em US$ 10 milhões na época, e afetaria as relações entre arrendadores e as companhias aéreas brasileiras.

O litígio foi resolvido em 1997, com a IAL pagando ao governo parte dos custos que a FAB gastou para manter o avião operacional e a retirada do processo relativo à posse do avião. Em 31 de outubro de 1997, o avião voltou para os EUA.

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