Até julho, pandemia do coronavírus tem afetado mais a LATAM que Gol e Azul

Companhia aérea, que chegou a liderar o mercado doméstico em fevereiro, teve resposta lenta na crise e hoje mostra recuperação mais modesta que rivais
O A350 PR-XTD, que pode parar na Lufthansa (Victor/CC)
Avião da LATAM: companhia tem sofrido mais os efeitos da pandemia que suas concorrentes (Victor/CC)

Assim como ocorre com o efeito do coronavírus nas pessoas, que demonstram uma resposta variada à infecção, as companhias aéreas nacionais também têm reagido de forma diferente em relação à crise desencadeada pela pandemia do Covid-19. E o quadro mais grave nesse cenário tem sido o da LATAM. A empresa, hoje controlada pela matriz sediada no Chile, viu sua situação no mercado passar por uma virada sem precedentes até aqui.

Em fevereiro, a LATAM liderou os números de oferta e demanda no mercado doméstico, incluindo um aproveitamento superior ao da Gol e Azul. No mês seguinte, já afetado pela doença global, a companhia ainda manteve a dianteira nos dados de ASK (oferta de assentos por km) e RPK (receita por assento km), mas já demonstrava uma taxa de ocupação nos voos inferior às suas concorrentes, invertendo um cenário de liderança no mês anterior.

Números divulgados pelas três empresas e confirmados pela ANAC nesta semana mostram que a LATAM demorou mais a reagir à queda brutal na demanda e também foi lenta ao retomar sua malha (clique no quadro abaixo para ver os números). Enquanto a Azul reduziu seu ASK em quase 15% e a Gol, em 20% em março, a rival ofereceu apenas 8% de assentos por km a menos que em fevereiro. Mas a queda na procura foi maior que isso e a LATAM acabou amargando mais assentos vazios.

Em abril, a situação se agravou. A LATAM teve o maior ASK entre as três (261 mil), mas o pior aproveitamento, de menos de 50%, enquanto a Gol conseguiu ocupar 80% de seus voos e a Azul, 70%. Curiosamente, as duas rivais voltaram a ampliar a oferta em maio, mas a LATAM, ao contrário, tomou o caminho inverso, reduzindo seus voos. O resultado dessas estratégias diferentes foi que a companhia de David Neeleman terminou o mês transportando 256 mil passageiros e a empresa comandada por Paulo Kakinoff, 159 mil passageiros, enquanto a LATAM transportou somente 121 mil pessoas em rotas dentro do Brasil.

A letargia da empresa comandada pelas famílias Cueto e Amaro persistiu em junho e julho quando a LATAM ficou para trás tanto em passageiros transportados quanto em taxa de ocupação, que oscilou na casa de 66% contra índices perto de 80% das outras duas companhias aéreas nacionais.

A Gol tem liderado o mercado doméstico nas últimas semanas (AeroportosBSB)

Implosão no tráfego aéreo internacional

Vale reforçar que os dados citados acima são apenas do mercado doméstico, onde a LATAM possui uma participação de 36,5% nos últimos 12 meses, pouco atrás da Gol, a líder em número de passageiros transportados. No mercado internacional, em que a companhia detém o maior volume e terminou 2019 com uma fatia de 23% no Brasil, o panorama é trágico desde o início da crise causada pelo vírus.

Comparado aos mesmos meses de 2019, a LATAM apresenta uma redução de demanda sempre acima de 90%. Se em julho de 2019 a empresa transportou 559 mil pessoas, no mês passado foram apenas 18 mil passageiros, uma queda de 96,8%. O tráfego internacional tem sido o mais afetado por conta das restrições impostas por várias nações e também pela participação elevada no turismo, uma atividade que praticamente parou nos últimos meses.

Por essa razão, causa surpresa que a estratégia da LATAM tenha resultado nos piores números do mercado. Sem seus 737 MAX aterrados desde março do ano passado, a Gol optou por suspender todas as suas rotas internacionais em maio e a Azul manteve apenas algumas frequências de maior demanda, como os trechos para a Flórida. O reflexo disso é que a ocupação dos voos, que era de 80% em fevereiro, caiu para a casa de 60% até maio, mas voltou a subir em junho (75%) e julho (81,5%), a despeito dos números absolutos serem minúsculos se comparados à 2019.

No caso da LATAM, no entanto, a ocupação dos voos internacionais está muito abaixo do razoável: enquanto em abril e junho ela ficou pouco acima de 50%, em maio e julho oscilou entre 28% e 29%. É importante ressaltar que antes da crise, a companhia exibia números superlativos no tráfego aéreo para o exterior, com participação de 50% na oferta total de assentos km em todo o grupo e uma taxa de ocupação excelente de 85,5% em janeiro deste ano.

Segundo dados divulgados pela três companhias, a LATAM começou o ano bem, mas logo houve uma deterioração de seus índices

Cenário pessimista

Questionada sobre a razão de números tão decepcionantes, a LATAM afirmou ao Airway que “assim como todas as companhias aéreas, foi profundamente afetada e precisou adotar uma malha aérea mínima essencial. Em abril e maio, por exemplo, a LATAM operou no Brasil somente 5% da sua capacidade pré-pandemia, o equivalente a 35 voos por dia. Por outro lado, desde junho, a LATAM vem retomando gradualmente as suas operações, tendo alcançado no Brasil uma média de 110 voos por dia em julho. Para agosto e setembro, a empresa planeja um aumento de 50% dos voos em cada um dos meses, alcançando uma média de 244 voos por dia no final de setembro”.

Na visão da companhia aérea, a retomada do tráfego aéreo será gradual “por diversos motivos. Um deles é a recuperação mais lenta do mercado de voos internacionais, por exemplo, afetado por uma queda mais acentuada da demanda por viagens e pelo prolongamento das restrições de ingresso em diversos países. De forma geral, as projeções mais otimistas apontam que o setor aéreo demandará pelo menos três anos para superar esta crise sem precedentes e recuperar os níveis de demanda e oferta do período pré-pandemia”, completa a nota.

O cenário pessimista, no entanto, não é compartilhado pela suas concorrentes. A Gol afirmou recentemente que prevê atingir 80% da sua malha de voos antes da pandemia até dezembro enquanto o presidente da Azul, John Rodgerson, disse ao jornal Folha de São Paulo nesta semana que trabalha com uma meta de retomar a mesma oferta pré-crise dentro de um ano.

Das três maiores companhias que operam no Brasil, a LATAM é a única a ter entrado com um pedido de recuperação judicial, feito em conjunto com a matriz nos EUA, no chamado “Capítulo 11”, considerada a legislação mais realista para empresas em condições de quitar seus compromissos. A companhia aguarda a aprovação do seu plano de recuperação junto à  Justiça americana e que envolve a injeção de bilhões de dólares para saneá-la.

Enquanto isso não ocorre, a LATAM decidiu reduzir seus custos de forma significativa, seja ao devolver dezenas de aviões arrendados ou cortando empregos. Após uma negociação fracassada com seu quadro de tripulantes, quando tentou mudar a forma de remuneração de forma definitiva (e não provisória, como as demais empresas), a LATAM anunciou a demissão de cerca de 2.700 funcionários nas últimas semanas.

Em meio a tantas indefinições quanto ao futuro, uma coisa é certa: a LATAM do futuro será uma companhia aérea muito menor do que antes da pandemia.

A Azul espera retomar a malha pré-crise dentro de um ano (Aeroportos BSB)

Veja também: Azul e LATAM anunciam codeshare para 64 rotas

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