Avanço do jato ARJ21 antecipa tempos difíceis para Airbus e Boeing na China

Primeira aeronave de passageiros moderna do país está sendo colocada em serviço em ritmo acelerado nos últimos meses. Impacto da chegada de novos modelos como o C919 e o CR929 será ainda maior
ARJ21 da Air China: jato regional é derivado do antigo MD-80 (N509FZ)
COMAC ARJ21
ARJ21 da Air China: entrega seriada em 2020 marca escalada da indústria chinesa (N509FZ)

Ele lembra um DC-9 com toques modernos, como o para-brisa no estilo dos aviões da Boeing, os motores CF-34 (também usados pelos Embraer E-Jets de primeira geração) e os winglets nas pontas das asas. Tem capacidade para apenas 90 passageiros e voou pela primeira vez há bastante tempo, em 2008. Mas não se engane, o ARJ21, primeiro jato comercial fabricado na China, é o começo de uma enorme dor de cabeça para a Boeing e a Airbus.

Projetada pela AVIC e fabricado COMAC, ambas estatais, a aeronave é a ponta de lança numa imensa estratégia da China de competir com os onipresentes aviões ocidentais, e que envolve sobretudo os modelos C919 e CR929 até aqui. A despeito do início lento, o ARJ21 tem chamado a atenção este ano pelas seguidas entregas realizadas pela fabricante que já somam 20 unidades das 45 finalizadas desde 2016.

O ritmo crescente de produção deve seguir nos próximos anos, na expectativa de preencher o backlog de mais de 200 aeronaves, quase todas de empresas chinesas. E aí está o grande trunfo dos novos aviões comerciais do país, a enorme demanda interna, que deve transformar a China no maior mercado de transporte aéreo do mundo.

Graças ao “incentivo estatal” do governo comunista, as companhias aéreas chinesas são e serão clientes “felizes” dos modelos da COMAC. Com isso, os contratos de Airbus e Boeing com elas devem ser cada vez mais raros e específicos em segmentos onde (ainda) não há um concorrente local.

Há de se ressaltar que esse processo levará algum tempo até se consumar por conta das dificuldades da indústria aeronáutica chinesa em desenvolver esse tipo de avião. O caso do próprio ARJ21 ilustra bem esse panorama. Embora tenha sido lançado no início dos anos 2000, apenas agora o jato passou a ser produzido num ritmo relevante.

O mesmo fenômeno acompanha o maior e mais avançado C919, uma espécie de A320 chinês. Mesmo com seis protótipos se revezando nos ensaios de voo, a certificação chinesa só deve ocorrer em 2021, com as entregas (focadas em empresas do país) também sendo iniciadas no ano que vem. Mas a aeronave para até 168 passageiros enfrenta desafios imensos, seja de confiabilidade ou mesmo de fabricação. É sabido, por exemplo, que os chineses não dominam ainda a produção de componentes em material composto para uso na aviação, por essa razão, evitados no modelo.

Mais de 800 pedidos só na China

Mas se o ARJ21, com seu perfil regional, conta com uma clientela apenas razoável, o C919 já acumula 815 pedidos (firmes e opções), a absoluta maioria, de companhias aéreas chinesas. É o suficiente para viabilizar o projeto comercialmente sem ter que se preocupar em oferecê-lo no resto do mundo.

COMAC C919
O ambicioso C919: certificação esperada para 2021 (COMAC)

O passo seguinte é ainda mais ambicioso: tirar do papel o gigante CR929, um widebody da categoria do Boeing 787 e do Airbus A350, que é prometido para os próximos anos graças numa complicada parceria com os russos. Embora seja mais realista esperar por esse avião na segunda metade da próxima década, fato é que o bimotor será um pedra no sapato das duas fabricantes ocidentais, que contam com os pedidos chineses para garantir seus prognósticos de mercado.

Há, no entanto, toda uma série de obstáculos que a COMAC enfrentará a médio prazo, seja de aprimorar esses projetos para serem eficientes e modernos, seja para oferecer um suporte técnico de pós-venda adequado para não repetir os erros dos aviões russos – tecnicamente impecáveis, mas com baixa disponibilidade. É claro que no “ecossistema comunista” chinês, reclamações e críticas sobre eles não serão tornadas públicas, mas podem, por outro lado, contaminar qualquer chance de competição em outros países.

Com custos mais baixos, os aviões comerciais chineses podem acabar se aventurando mundo afora se conseguirem provar que são seguros e eficientes. E tornar o mercado de aviação comercial uma grande incógnita no futuro.

O widebody CR929, desenvolvido em parceria com a Rússia: potencial de causar estragos nos pedidos chineses de 787 e A350 (COMAC)

Veja também: Com motores russos PD-14, jato comercial MC-21-310 voa pela primeira vez

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