O gigante Airbus A380, hoje dono do título de “maior avião de passageiros do mundo”, completa nesta quarta-feira (25) 10 anos de operações no mercado. O primeiro voo comercial da aeronave foi realizado no dia 25 de outubro de 2007, sob comando da companhia aérea Singapore Airlines, na rota entre Cingapura e Sydney, na Austrália. Logo na estreia, o modelo já voou com capacidade máxima, levando 471 ocupantes.
Parecia um bom início para o novo jato da Airbus, que chegava com a proposta de substituir os antigos Boeing 747 e aumentar o mercado desse tipo de aeronave. O “Superjumbo”, porém, foi um dos produtos mais afetados pelos seguidos aumentos nos preços dos combustíveis dos últimos anos causados a partir da crise econômica de 2008.
Em uma década de operação, o A380 de fato substituiu uma série de jatos 747, mas o mercado para esse tipo de aeronave diminuiu drasticamente desde a chegada do quadrimotor da Airbus ao mercado. A frota combinada de modelos comerciais A380 e 747 hoje em operação é menor que há de 10 anos atrás.
Como consolo, quase ao mesmo tempo em que completa 10 anos na aviação comercial, a frota de A380 superou a de jatos 747 (contando apenas os jatos na versão comercial). A Airbus levou uma década para tomar a coroa da Boeing no segmento dos jatos de grande porte, dominado pela fabricante dos Estados Unidos desde a década de 1970 quando seu clássico avião ficou conhecido como “Queen of the Sky” (Rainha do Céu).
O A380 voa atualmente com 13 companhias aéreas, sendo a principal delas a Emirates Airline, de Dubai, que opera uma frota próxima de alcançar 100 aeronaves. Ao todo, a Airbus já entregou para esses operadores 216 unidades do aparelho e a lista de encomendas ainda tem tem mais 101 pedidos pelo avião, hoje o mais caro do mundo na aviação comercial: o jato custa US$ 437 milhões, o equivalente a R$ 1,4 bilhões.
Pode parecer muito, mas ainda é extremamente distante da meta que a Airbus havia traçado para o seu “monstro” de 72,2 metros de comprimento e 575 toneladas. Além do baixo volume de vendas do A380, a aviação comercial passa por um momento de distanciamento dos aviões quadrimotores por conta de seus altos custos operacionais. Como resultado, a demanda por esse tipo de aeronave esfriou e está perto de congelar…
Programa A3XX
Os engenheiros e executivos da Airbus começaram a planejar em segredo um avião de grande porte em meados de 1988. O plano do grupo europeu era criar uma alternativa ao Boeing 747 e desbancar a fabricante dos EUA no segmento dos jatos UHCA (sigla em inglês para Avião Comercial de Ultra Capacidade).
Ao mesmo tempo que a Airbus caminhava para anunciar o conceito de seu novo “ultra” jato, a Boeing preparava o projeto NLA (Novo Avião Grande), uma aeronave para mais de 500 passageiros. Outra marca na disputa era McDonnell Douglas, com o MD-12, também um quadrimotor de grande capacidade e autonomia.
Dos projetos concorrentes da Airbus, o MD-12 foi o que mais avançou. Estudos sobre design e potenciais mercados para a aeronave foram realizados entre 1991 e 1994, quando a McDonnell Douglas ficou sem investidores e encerrou o projeto. A Boeing, por sua vez, cancelou o NLA e a avançou na criação do 747-8, a versão mais recente do 747.
O conceito de um novo avião de longo curso e grande capacidade foi anunciado pela Airbus durante o festival aéreo de Farnborough, no Reino Unido, em 1990. Quatro anos depois, ao mesmo tempo que os rivais dos EUA desistiam da disputa, a fabricante europeia iniciou oficialmente o desenvolvimento do “programa A3XX”, que deveria originar um avião de última geração projetado para transportar quase 900 passageiros com custos operacionais mais baixos que os do 747.
Na fase de definição do formato do A3XX, a equipe do grupo europeu cogitou combinar lado a lado as fuselagens de dois A340, quadrimotor da Airbus já fora de linha. Mais adiante, para obter uma forma aerodinâmica aperfeiçoada e facilitar trabalhos de manutenção e embarque, optou-se pelo design “double deck“, com fuselagem de dois andares.
No ano 2000, com a fabricante garantido as primeiras 50 encomendas de companhias aéreas, o programa recebeu o nome definitivo A380 e avançou para a fase de construção dos protótipos. Os componentes do quadrimotor são construídos nas fábricas da Airbus no Reino Unido, Alemanha, Espanha e França, onde são finalizados na planta de Toulouse.
Grande parte do processo para reunir as peças da aeronave até a linha de montagem final na França é realizado pelos cargueiros Beluga. Caminhões e embarcações também atuam da entrega dos componentes.
O primeiro voo do A380 foi realizado no dia 27 de abril de 2005, pouco dias após sua apresentação na fábrica da Airbus em Toulouse. O protótipo do voo inaugural recebeu o prefixo francês F-WWOW.
A condução do projeto, produção, testes de certificação e entregas aos clientes do A380, porém, passaram por uma série de atrasos. A demora pela estreia do jato de dois andares, que chegou a quase 18 meses segundo o cronograma original, aconteceram por conta de dificuldades no desenvolvimento do avião e suas complexas tecnologias, e a enorme verba necessária para financiá-lo.
Quando o projeto do A380 foi anunciado, o custo de desenvolvimento e produção dos modelos de teste foi estimado em cerca de € 9,5 bilhões (aproximadamente R$ 36 milhões). Passados mais de 15 anos do projeto, esse valor hoje é estimado na casa dos € 25 bilhões (mais de R$ 95 bilhões).
Projeções furadas
Quando lançou o projeto do A380, a Airbus pensava na aeronave de uma forma que parecia fantasiosa. A empresa anunciava o avião com enorme capacidade de passageiros e opções de equipar a larga cabine com lojas, restaurantes, casinos ou até salões de beleza. A projeção de vendas da fabricante era outra extravagância.
Em seus estudos de mercado para a aviação comercial, a Airbus apontava que o mercado exigiria mais de 1.200 pedidos pela aeronave até 2019 e preparou sua base projetando essa demanda. A empresa, contudo, recebeu apenas 314 pedidos pelo maior avião de passageiros do mundo em quase 20 anos de oferta do programa.
A Airbus também errou feio ao apontar os mercados onde as companhias aéreas comprariam os mais de “1.000 jatos” A380. A lista era encabeçada pela região Ásia-Pacífico, com 44% da demanda, seguido da Europa, com 22%, e América do Norte, com 17%. A previsão da fabricante apontava até mesmo oportunidades de vender a aeronave de grande porte à empresas na América Latina (2%) e África (1%).
A região do Oriente Médio, segundo o estudo da Airbus, representava apenas 1% no potencial de compra do A380. Passados 10 anos de operações comerciais do aparelho, os números projetados pelo grupo europeu viraram de cabeça para baixo.
Resumindo em poucas partes: nenhuma empresa nos EUA comprou o A380 e as companhias dos Emirados Árabes, antes desacreditadas, dominaram mais de 50% dos pedidos e entregas do modelo – além da Emirates, outras empresas da região que também voam com o A380 são a Etihad Airways, de Abu Dhabi, e a Qatar Airways, do Catar.
O A380 também não alcançou os mais de 230 destinos onde a Airbus calcula existir potencial para a aeronave manter operações rentáveis. Atualmente, o modelo opera em 60 aeroportos pelo mundo. Um dos voos mais recentes do superjumbo foi justamente o voo direto entre São Paulo e Dubai, da Emirates, iniciado em março deste ano.
575 toneladas de tecnologia
Após 10 anos de atuação no mercado, o Airbus A380 continua sendo um dos aviões mais avançados da aviação comercial e um dos projetos mais arrojados e ambiciosos da história da aviação. Muito além do porte avantajado, que precisa reunir grande capacidade com baixo peso, o quadrimotor europeu é comandado por um avançado sistema de controles de voo com tecnologia fly-by-wire e possui componentes construídos com material composto.
A força unitária de 70.000 libras dos quatro motores empurram o A380 a feitos impressionantes. O ultra jato da Airbus pode voar a velocidade máxima de 1.020 km/h, próximo da barreira do sônica, mas seu regime de cruzeiro é estabelecido em 905 km/h, o que também é um grande ritmo para um jato comercial.
O poder de alcance do A380 também está entre os maiores da aviação. A aeronave tem autonomia para percorrer 15.200 km, o que abriu caminho para novos voos sem escalas e de grande demanda entre pontos muitos distantes.
O modelo da Airbus voa atualmente nas segunda e terceira rotas aéreas mais longas do mundo, entre Dubai e Auckland, na Nova Zelândia, com 14.190 km operada pela Emirates, e a rota de 13.800 km realizada pela Qantas entre de Sydney a Dallas.
Embora ofereça opções de cabine que passam de 700 ou 800 assentos, as versões mais pedidas do A380 raramente foram por modelos com muito mais que 600 lugares. A variação de cabine mais escolhida é o layout que comporta cerca de 500 passageiros. O espaço que poderia ser usados por mais poltronas, normalmente são aproveitados para a instalação de cabines de alto padrão.
Aeroportos que desejam receber voos regulares do A380 precisam obedecer uma série de requisitos, exigindo muitas vezes grandes reformas nesses terminais. Os principais pontos modificados são o aumento na largura da pista e trechos de taxiamento, ampliação das áreas de embarque e desembarque, instalação de equipamentos de apoio específicos, entre outros. Já a pista de pouso e decolagem precisa ter no mínimo 3.000 metros de comprimento.
Próximos passos do gigante
Sem receber novas encomendas, a Airbus já trabalha com a linha de produção do A380 em velocidade reduzida. A fabricante planeja encerrar este ano com 12 unidades entregues, um terço do volume despachado em 2016. No próximo ano o grupo europeu deve manter o mesmo ritmo de entregar um avião por mês.
Com 101 aeronaves na lista de espera de produção e uma cadência de entregas de um avião por mês, a Airbus pode completar a produção de todos os modelos encomendados em poucos mais de oito anos. O que vem após isso é incerto.
Mas o grupo europeu ainda acredita que o segmento dos aviões gigantes pode despertar, em especial na China, onde a Airbus aposta que existe uma importante demanda para o A380. A fabricante ainda investe em evoluções para o produto, como as apresentadas neste ano no conceito A380plus, com soluções para reduzir o consumo de combustível e acrescentar mais assentos com alterações no desenho da cabine.
Para a seguir adiante no projeto de fabricar um novo A380, a Airbus precisa de companhias interessadas em comprá-lo. Essa, no entanto, vem sendo a parte mais difícil na trajetória de uma década do maior avião de passageiros do mundo. Outras companhias que devem receber a aeronave nos próximos anos é a ANA, do Japão, e a Virgin Atlantic, do Reino Unido.
Outro problema que ameaça a carreira do quadrimotor europeu é a dificuldade de sua aceitação no mercado de aviões usados. A mesma aeronave da Singapore Airlines que iniciou a carreira comercial do A380 em 2007 atualmente encontra-se desativada. A companhia aérea não renovou o acordo de leasing para continuar com o aparelho e o retirou de sua frota. Esse mesmo movimento também é esperado na frota de mais clientes do jato.
O A380 ex-Singapore (prefixo 9V-SKA), terceira unidade da linha de montagem, passa por um momento de agonia e corre até mesmo o risco de ser desmontado. A Airbus, por outro lado, segue firme com sua proposta e não joga a toalha na área dos aviões de grande porte. Contrariando as expectativas do mercado, a fabricante europeia segue entusiasmada com o projeto como se ainda estivesse em seu início ao mesmo tempo em que espera por uma demanda que dificilmente deve surgir em um período de curto ou médio prazo.
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Thiago, três correções: primeira, “Singapura” é com “S” no Brasil desde a última reforma ortográfica – e o texto da reforma menciona isso EXPLICITAMENTE (confira). Assim, o Brasil deixou de ser o único país do mundo que escrevia o nome dessa cidade-nação com “C” (Portugal e os demais países de língua portuguesa sempre o escreveram com “S”). Houve mais alguns errinhos de português, como crases e concordâncias, mas passáveis. Só não dá para deixar passar “barreira do sônica” – ou é “barreira do som” ou “barreira sônica”. Esta é a segunda correção.
E a terceira correção é que o Catar não deixa de ser um emirado e de ser árabe, mas apesar disto, quando se fala em “Emirados Árabes”, entende-se que se está falando dos Emirados Árabes Unidos, país do qual o Catar não faz parte (e com o qual no momento o Catar está em plena crise diplomática e sujeito a um bloqueio total, inclusive do espaço aéreo).
No mais, faltou mencionar que as companhias aéreas que compraram o A380 tiveram resultados variados. Singapore, Emirates e as europeias estão tendo resultados positivos, mas outras estão com uma enorme sub-utilização e tendo grandes prejuízos.
Isso inclui a China Southern, que nunca conseguiu uma ocupação razoável dos seus A380 (o que praticamente elimina o mercado chinês dos futuros clientes), e a Malaysia Airlines. As duas já tentaram se livrar dos seus A380, mas não acharam compradores. A Malaysia Airlines ainda mantém dois A380 em rotas para a Europa (embora não raro, substitua-os por A330 em alguns dias), mas adaptou os demais para a configuração máxima de assentos e está utilizando-os em fretamentos (tanto na própria Malásia quanto em outros países) para levar muçulmanos na Hajj, a peregrinação a Meca que eles têm que fazer uma vez na vida se tiverem condições. Há planos de também converter os A380 ainda em uso regular para essa finalidade.