Em uma demonstração de comprometimento com a preservação do meio ambiente, o setor aeronáutico estabeleceu publicamente a sua meta de atingir a neutralidade de carbono.
Os agentes desse segmento, agrupados na Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA, sigla em inglês), definiram um conjunto de medidas destinadas a zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa e seus consequentes impactos climáticos até 2050.
De acordo com a entidade, um terço da redução da pegada de carbono será proveniente de novas tecnologias de propulsão, tais como o uso de hidrogênio ou eletricidade, melhorias na eficiência dos vôos e mecanismos de compensação, como créditos de carbono. A principal medida, no entanto, responsável pelos dois terços restantes, será a adoção progressiva do combustível sustentável de aviação, o SAF, na sigla em inglês. O que torna o SAF tão atrativo é o fato de que, sendo quimicamente idêntico ao combustível de origem fóssil, sua utilização não requer modificações nas aeronaves ou motores, tampouco na infraestrutura existente para a distribuição e abastecimento.
O setor aeronáutico é responsável por, ao menos, 2,5% das emissões de CO2 no mundo e cerca de 12% daquelas geradas pelos meios de transporte. Diversas companhias aéreas dos EUA e da Europa já iniciaram o uso do SAF ou assumiram compromissos para aumentá-lo de maneira substancial ao longo desta década. Por outro lado, governos dos países mais avançados intensificam esforços regulatórios tornando compulsória a sua utilização em seus territórios.
Oportunidade para a América Latina
Com emissões líquidas até 85% menores, substituição direta com mínimas adaptações, geralmente limitadas ao uso de alguns aditivos e, em muitos casos, rendimento superior ao do combustível tradicional, o SAF consolida-se a cada dia como a grande alternativa imediata viável.
As projeções numéricas impressionam. A IATA estima que a demanda global por SAF passará de 100 milhões de litros por ano em 2021 para 5 bilhões de litros em 2025. O parlamento europeu aprovou, em julho, a obrigatoriedade da mistura de um mínimo de 2% de SAF no querosene a partir de 2025, subindo para 85% em 2050, ou seja, a demanda vai requerer, em curtíssimo espaço de tempo, um aumento entre 20 e 50 vezes da capacidade global de produção
Apesar de mais caro por conta do custo do processo para produzi-lo, o SAF logo deve inverter a sua equação econômica. Prevê-se o encarecimento da compensação do combustível fóssil por créditos de carbono, bem como alguma redução do custo de produção do SAF por escala, com as inúmeras plantas atualmente em estudo ou desenvolvimento.
É aqui que surge a oportunidade para a América Latina. A nova geração de combustíveis sustentáveis para aeronaves pode ser proveniente de uma ampla variedade de matérias-primas renováveis, entre elas óleo de soja, de palma, de macaúba, gorduras animais, etanol e resíduos florestais. Todas são abundantes na região, o que pode torná-la o alvo preferencial dos investimentos globais. Grupos investidores, sabedores de que o prazo de construção de uma refinaria é de 3 a 5 anos e cientes da demanda requerida já a partir de 2025, estão decidindo, agora, onde e como estabelecer suas plantas. O acesso a financiamento é privilegiado pela situação de demanda garantida e pelo apelo de sustentabilidade.
Quão preparados estamos para que a região capture esses investimentos e se converta no principal pólo global de produção do SAF ? A despeito da quantidade de projetos e estudos em diferentes etapas na região, ainda persiste alguma incerteza regulatória que atrasa a sua concretização. Alguns governos, como os do Brasil e da Colômbia, estão analisando como promover a adoção e a produção do SAF, porém o avanço é lento quando comparado à dinâmica do mercado global.
Arcabouços regulatórios regionais que incentivem o uso local do SAF e determinem como ele será medido e controlado são vitais para a organização do segmento. Igualmente importante, no entanto, é criar condições de competitividade para a produção do SAF, quer seja ela voltada ao consumo local ou à exportação. Há que se reconhecer que está surgindo uma nova indústria, a indústria da sustentabilidade. Ela será relevante, vibrante e capaz de elevar o valor agregado de nossos produtos de exportação, de commodities agrícolas para combustíveis avançados.
A transição energética é importante, os benefícios ambientais para o planeta são indiscutíveis, o potencial de geração de divisas para países produtores e exportadores é gigante e o retorno do investimento para os produtores é substancial. Ademais, a América Latina é o continente mais promissor do planeta, dada a sua inigualável disponibilidade de biomassa. Estão criadas as condições para que estejamos no centro da transição energética global, resta agora que sejam tomadas as ações decisivas e urgentes. Tão decisivas e urgentes como a necessidade de enfrentar a preocupante realidade das aceleradas mudanças climáticas.
Marcelo Therezo
Marcelo Therezo é presidente da Honeywell no Brasil, onde atua no segmento aeroespacial, de materiais e tecnologia de performance, soluções de segurança e produtividade e de tecnologia de construção. Está na empresa desde 2019, tendo atuado anteriormente em companhias como IBM, Motoroal e Johnson Controls. É formado em Engenharia Elétrica e Eletrônica pela Universidade de Campinas (Unicamp) e possui MBA em Negócios e Operações pela Fundação Dom Cabral e pela Harvard Business School/USP-Unicamp.