Desfiles militares na Coreia do Norte são uma rara oportunidade em que a comunidade internacional pode conhecer e medir o poderio militar da nação que vive há décadas isolada. Em uma dessas ocasiões, em 27 de julho de 2013, quando os norte coreanos celebravam os 60 anos do final dos conflitos da Guerra da Coreia, as forças armadas de Kim Jong-un demonstraram seus equipamentos. Entre veículos blindados, soldados marchando e plataformas de mísseis balísticos, um dos elementos que mais chamou atenção foi uma frota de pequenos helicópteros armados voando a baixa altitude. Essas aeronaves eram o MD 500, fabricados nos Estados Unidos e inimigo mortal do país asiático de longa data.
Como helicópteros fabricados nos EUA chegaram à Coreia do Norte, país que é proibido por rigorosos embargos políticos de comprar praticamente qualquer coisa de nações alinhadas com Washington? A resposta: contrabando.
O desfile em 2013 foi a primeira confirmação visual de que Pyongyang era um operador do helicóptero desenvolvido pela McDonnell Douglas, um dos maiores orgulhos da indústria aeronáutica dos EUA. E não pense que são apenas algumas poucas unidades. Ao que sabe, a frota de MD 500 da Coreia do Norte conta com 87 exemplares!
O caminho do contrabando
A história de como os helicópteros chegaram às mãos dos norte-coreanos começa no início da década de 1980. Nessa época a McDonnell Douglas recebeu uma encomenda por 102 unidades do MD 500 na versão civil da Delta-Avia Fluggerate, uma empresa de exportação da antiga Alemanha Ocidental.
Entre 1983 e 1985, a empresa alemã contratou a Associated Industries dos EUA para transferir 86 helicópteros MD 500D e um Hugues 300 (versão ainda menor para apenas dois ocupantes) através de seis embarques de exportação para o Japão, Nigéria, Portugal e Espanha.
(Os MD 500 podem ser vistos no desfile militar da Coreia do Norte em 2013 a partir de 3:13)
No entanto, em fevereiro de 1985, o Departamento de Comércio dos EUA descobriu algumas anomalias no processo de importação da empresa alemã, incluindo afirmações falsas sobre o destinos dos embarques. Contrariando a previsão original, 15 helicópteros da encomenda foram descarregados no porto de Roterdã, na Holanda, e transferidos para um navio de carga da antiga União Soviética, que em seguida partiu para a Coreia do Norte.
Outra parte da encomenda foi descarregada no Japão e logo depois embarcada em um cargueiro com bandeira de Hong Kong, que também navegou para a Coreia do Norte. Além de descobrir a movimentação de exportações ilegais, a investigação norte-americana ainda apurou que os executivos que operavam a Associated Industries, os irmãos Ronald e Barry Semlers, eram proprietários secretos da Delta Avia.
Quando a investigação descobriu as movimentações fraudulentas já era tarde demais. Ao todo, 87 helicópteros haviam sido entregues à Coreia do Norte. Os 15 modelos restante da encomenda foram confiscados e os irmãos Semlers foram julgados em 1987 por violarem a lei que proibia exportações para o país asiático, naquela época já sujeito a uma série de embargos.
O processo ainda alegou que a Delta-Avia era uma empresa de fachada criada para enviar as aeronaves para a Coreia do Norte, que havia prometido um pagamento de US$ 10 milhões para concluir o acordo. Também foi revelado que uma seguradora britânica conhecia o real destino das cargas transportadas de navio e que os pagamentos foram intermediados por bancos na Suíça.
EUA sabiam de tudo desde o início
Anos depois do processo foi revelado que a CIA estava ciente da operação de contrabando dos helicópteros. A central de inteligência havia se infiltrado na embaixada da Coreia do Norte em Berlim, na Alemanha, mas se recusou a informar as autoridades civis para não revelar seu disfarce.
Ainda assim, por que a Coreia do Norte queria os MD 500? Os modelos não possuíam tecnologia avançada ou algum tipo de recurso especializado que os norte-coreanos ou então seus aliados da União Soviética tivessem vontade de se apossar.
Muitas nações adquiriram de forma legítima o helicóptero da McDonnell Douglas em versões civis e, devido ao seu baixo custo, os adaptaram para funções militares. Um desses países era a Coreia do Sul, que, por meio da companhia aérea Korean Air, comprou mais de 270 unidades da aeronave e posteriormente as repassou ao exército e a força aérea do país.
Desta forma, acredita-se que a Coreia do Norte provavelmente adquiriu os MD 500 para poder usá-los em missões de infiltração na zona desmilitarizada entre as duas coreias, realizando incursões surpresa e inserindo espiões e sabotadores, utilizando insígnias falsas da vizinha do sul.
Os MD 500 vistos sobre Pyongyang foram modificados para transportar quatro mísseis anti-tanque Susong-Po. Estes são derivados do Malyutka-P fabricado na Rússia, míssil que já provou seu valor durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, destruindo veículos blindados de Israel.
Contrabando de armas
A Coreia do Norte não é o único país que utilizou dessas artimanhas para adquirir recursos militares. O Irã, outro país sujeito a embargos, já adquiriu nos EUA de forma clandestina peças de reposição para seus antigos caças F-14 Tomcat. A Argentina também praticou esse tipo de ação em plena Guerra das Malvinas, em 1982, quando enviou um avião da companhia Aerolineas Argentinas até a Líbia de Kadafi para buscar armas e munições para abastecer seus soldados no combate contra o Reino Unido.
Mais recentemente, em 2015, o cidadão dos EUA, Alexander Brazhnikov, foi preso após usar empresas de fachada baseadas na Irlanda, Letônia, Panamá e outras cinco nações para contrabandear equipamentos eletrônicos de uso restrito dos EUA para a Rússia.
Ainda assim, nenhum desses episódios coincide com a rara façanha da Coreia do Norte de contrabandear quase uma centena de helicópteros direto de uma fábrica dos Estados Unidos.
Fonte: The National Interest
Veja mais: De potência ao sucateamento, conheça a força aérea de Cuba