Até o momento, a proposta do grupo Itapemirim de lançar uma nova companhia aérea no Brasil com características de uma “low cost” mais provoca desconfiança do que certezas. Capitaneada pelo empresário Sidnei Piva de Jesus, que assumiu o grupo das mãos do fundador Camilo Cola, a Itapemirim está em recuperação judicial há anos e com dívidas crescendo, segundo revelou o jornal Folha de São Paulo.
Na reportagem, o jornal mostrou que o grupo segue com prejuízos ano após ano, segundo relatório da consultoria apontada pela Justiça para acompanhar o processo da Itapemirim. E que deve cerca de R$ 2,2 bilhões em tributos não recolhidos, o que a Itapemirim nega. Mesmo diante de uma situação delicada, o fundo privado do xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, primeiro-ministro e vice-presidente dos Emirados Árabes Unidos, teria acordado em investir US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,2 bilhões) no projeto de Piva.
O anúncio foi feito pelo empresário em recente comitiva do governador do estado de São Paulo, João Doria, em sua missão comercial no Oriente Médio. Piva fez parte de grupo que viajou com o tucano, apesar de outra empresa sua, a TTrans, do ramal ferroviário, ter uma proposta de fabricar trens de monotrilho para o Metrô de São Paulo desclassificada por questões técnicas e financeiras – Piva entrou com recurso para suspender a licitação, inclusive.
Embora não revele detalhes da companhia aérea, a Itapemirim tem dito que se trata de uma empresa de baixo custo e que operará integrada à sua malha rodoviária, sobretudo o setor de cargas. É justamente esse diferencial que teria atraído os investidores. O contrato de investimento, no entanto, ainda não foi assinado, algo que deverá ocorrer em março, prometeu o executivo.
“Q900”
O assunto frota é outro mistério. Houve certa confusão nas reportagens da imprensa generalista, atribuindo uma encomenda de 35 aviões à Bombardier, fabricante que não atua mais no segmento comercial. Em declarações ao jornal O Estado de São Paulo, no entanto, Piva teria comentado que serão 20 jatos A220 e 15 “Q900”, modelo que na verdade não existe. Deduz-se que ele pode ter se referido ao CRJ900, variante do jato regional que a Bombardier vendeu para a Mitsubishi Aircraft no ano passado.
A Itapemirim afirma que os aviões foram encomendados, mas até agora nem Airbus muito menos Mitsubishi ou Bombardier citaram o negócios em declarações públicas. Como disse que os aviões começarão a chegar em 2021 é provável se tratar de algum leasing, mas que da mesma forma ainda é um sigilo.
Outro fator pouco claro envolve a escolha de dois modelos de aeronave, uma prática pouco comum em empresas “low cost”, que precisam de padronização para reduzir custos. Embora isso não seja um impeditivo (David Neeleman que o diga), os supostos modelos escolhidos pela Itapemirim não oferecem elementos favoráveis a uma companhia aérea que precisa aproveitar ao máximo seus aviões. O CRJ900, por exemplo, é um jato com porão de cargas pequeno enquanto um A220-100 possui um custo operacional mais elevado que a versão 300, mais popular – até janeiro, a Airbus possuía 95 pedidos para o A220 menor e 563 unidades para o jato maior.
Iniciativas semelhantes fracassaram
Como já dito, não se trata da primeira vez que a Itapemirim tenta lançar uma empresa aérea no país. Quando ainda possuía enorme relevância no setor rodoviário, a empresa tentou operar uma companhia cargueira e chegou a criar uma subsidiária de passageiros que não saiu do papel. A mais recente investida na aviação ocorreu em 2017 quando Sidnei Piva fechou um acordo para assumir a Passaredo Linhas Aéreas, empresa criada por outro empresário de ônibus, José Luiz Felício. Na época, as duas empresas estavam em recuperação judicial, mas a empresa de Ribeirão Preto conseguiu sanar suas dívidas, além de cancelar o negócio por conta do descumprimento de cláusulas pela Itapemirim. Em julho daquele ano, Piva deu declarações no mesmo tom de agora, prometendo levar a Passaredo para 80 destinos (quatro vezes mais) e comprar 20 novos aviões nos meses seguintes.
O setor de transporte aéreo no Brasil tem visto várias tentativas de lançar companhias que não se sustentaram, mesmo amparadas em grupos experientes como a Líder Táxi Aéreo e a malfadada Air Brasil (que nem sequer chegou a iniciar seus serviços). Com sua burocracia e custos exorbitantes, além de uma infraestrutura aeroportuária precária, nosso país é um ambiente hostil até mesmo para iniciativas bem estruturadas, quanto mais projetos mirabolantes e pouco claros. Por isso até aqui a companhia aérea da Itapemirim merece ser vista com lupa. Espera-se que essas incertezas sejam de fato esclarecidas e que não venham a se transformar em mais um capítulo entre as companhias aéreas que fracassaram no Brasil.
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