Companhias aéreas brasileiras de vida curta – Parte III

A década de 1990 foi promissora no surgimento de empresas cargueiras, a maioria delas de vida efêmera
A Itapemirim foi uma das empresas que confiou no Boeing 727 para as operações cargueiras no país
A Itapemirim foi uma das empresas que confiou no Boeing 727 para as operações cargueiras no país

A década de 1990 representou uma inflexão na aviação comercial brasileira, com diversas empresas aéreas surgindo em vários segmentos, devido à flexibilização do Departamento de Aviação Civil – DAC e a estabilidade cambial a partir de 1994. O mercado de carga não foi diferente, com o surgimento de empresas aéreas cargueiras que aproveitavam da paridade cambial e dos contratos governamentais.

Em comum entre elas era a utilização de aeronaves que tinham mais de 30 ou até quase 40 anos de operações, operações no eixo São Paulo-Manaus devido à Zona Franca e serem dependentes da Rede Postal Noturna – RPN, dos Correios. Empresas eram criadas para atender a RPN e encerravam as operações quando não tinham mais contratos com os Correios.

Veja a seguir algumas delas

TNT-SAVA

A TNT-SAVA foi uma das primeiras empresas aéreas independentes desde o SITAR, em 1975. Em 1989, o grupo australiano TNT procurava expandir seu mercado de cargas na América do Sul. A solução foi comprar a SAVA – Serviços Aéreos do Vale Amazônico, uma empresa aérea fundada na década de 1950 e que, apesar de inativa, possuía as concessões necessárias que a TNT desejava.

Assim, no segundo semestre de 1989 a empresa começou as operações com o Boeing 727-100 N7288, ex-PT-TYH anteriormente operado pela Transbrasil e que se tornaria PT-SAV. Foi empregado na rota Guarulhos-Manaus, principal eixo aéreo cargueiro do país.

Boeing 727 cargueiro da TNT SAVA (Memória do Transporte Brasileiro)
Boeing 727 cargueiro da TNT SAVA (Memória do Transporte Brasileiro)

Em 07 de novembro de 1990 chegou o segundo Boeing 727-100F, PT-SAW, que permitiu abrir a rota para Manaus via litoral. Mas a inflação galopante, recessão econômica e desentendimentos entre a TNT e a SAVA fizeram a empresa encerrar as operações da empresa em 1992.

A empresa ressurgiria em 1994 sem a TNT e batizada apenas como SAVA. Recebeu o Boeing 707-300C N707HT e ganhou destaque ao transportar as primeiras notas do Real para o Brasil. Conseguiu conquistar uma carteira de clientes que iam desde montadoras e editoras até empresas aéreas, mas encerrou suas operações em 1995 após o Departamento de Aviação Civil – DAC, negar a transferência do controle da empresa, além de acusações de fraude no processo de venda da empresa.

Itapemirim Transportes Aéreos

Fundada em 1989, a Itapemirim Transportes Aéreos (ITA) foi a subsidiária cargueira do Grupo Itapemirim e começou suas operações com dois Boeing 727-100F do Grupo VARIG (PP-CJL e PP-VLW, respectivamente PP-ITA e PP-ITM), recebidos a partir de agosto de 1990.

O Grupo Itapemirim na época era uma das maiores transportadoras de passageiros de ônibus interestaduais e de cargas do país, e a divisão cargueira era uma expansão natural do conglomerado, buscando oferecer serviços intermodais entre rodoviário e aéreo, semelhante ao da DHL, Federal Express e UPS.

O 727-100F PT-ITM chegou em 1991 e o PT-ITP, em 1993. Em 1995 chegaram seus dois único 727-200F: PT-ITR e PT-ITV. Em 1996, a Itapemirim era a maior empresa aérea cargueira independente da América Latina, transportando mais 123.800.000 toneladas/km, com aproveitamento médio de 75%.

No auge, em 1996, a Itapemirim teve a maior frota de 727 cargueiros da América Latina. Foto: Jetpix via Wikimedia Commons.

A demanda por carga era tão alta na empresa que em 1997 ela contratou a Skymaster Airlines para fazer a rota cargueira Guarulhos-Manaus e contava com dois Cessna C208B Grand Caravan da Itapemirim Transportes Aéreos Regionais (ITAR) para voos cargueiros noturnos. Naquele ano transportou 92.500.000 toneladas/km e com faturamento de R$ 68 milhões.

Por crises internas no Grupo Itapemirim e os resultados deficitários agravados pela crise cambial de 1999, a empresa desfez suas operações cargueiras, com o PT-ITM sendo o primeiro a sair da frota, em março de 1999, com o restante sendo operado até outubro de 1999, quando encerrou as atividades.

DIGEX Aero Cargo

Integrante do grupo Di Gregório, um dos maiores grupos de carga do país na época, a DIGEX começou as operações em 19 maio de 1991 entre Guarulhos e Manaus com o Boeing 727-100F N750UA, que posteriormente seria rematriculado como PT-TDG e PT-MDG. Tinha planos de adicionar mais três 727 até 1994, sendo um 727-200F, o que não se concretizou. A empresa contava com estrutura enxuta, porém eficiente para a manutenção de sua única aeronave, sempre com ferramental de reparo dentro da aeronave e um mecânico a bordo.

O DC-8-62 PP-DGP é visto aqui descansando na remota de Guarulhos. Foto: Kambui via Wikimedia Commons.

Operou com o DC 8-62F PP-DGP entre outubro de 1996 e julho de 1997, sendo substituído pelo PT-MDF, que ficou na empresa até fevereiro de 1998. A empresa decidiu encerrar as atividades de carga e se concentrar na manutenção aeronáutica como DIGEX Aircraft Maintenance, baseada em Guarulhos e posteriormente em São José dos Campos. Em 2007 apresentou proposta para arrematar os ativos de manutenção da VASP, mas sem êxito. Em 2010, os proprietários da Synergy Group compraram a empresa que a renomearam como DIGEX MRO.

BETA Cargo

A história da Brazilian Express Transportes Aéreos – BETA remonta ao ano de 1990, quando foi criada a Brasair por  Ioannis Amerssonis e Marli Pasqualetto Amerssonis. As operações efetivas da empresa começaram em janeiro de 1994 com Boeing 707-300C N8091J, que viraria PP-BRI meses depois.

A operação cresceu com a incorporação de mais dois 707: EL-AKJ e EL-AKI, que se tornaria PP-BRB, com operações no eixo Campinas (Viracopos), Manaus, Guarulhos e Miami atendendo o mercado de flores, ao ponto de fazer voos de wet-leasing com os 747 da Southern Air Transport. Em janeiro de 1996, o DAC suspendeu as operações da empresa.

As operações foram reiniciadas em outubro de 1996 após reorganização administrativa e fusão com a empresa de manutenção de motores CMI. Com os mesmos sócios e novo nome social, a empresa voltou a operar no eixo Guarulhos-Manaus com o Boeing 707-300C PP-BRI, ex-Brasair. O crescimento foi rápido, chegando a operar quatro 707 em 1998 e aproveitando a saída da VASP dos contratos da RPN.

A BETA passou a operar o DC-8-73F a partir de 2002 como substituto dos Boeing 707, que estavam no final da vida útil e a instalação do TCAS II não era economicamente viável. Assim, em 01 de agosto de 2008 o PP-BRI realizou o último voo comercial do 707 por uma empresa brasileira, entre Guarulhos e Manaus.

A Beta Cargo chegou a operar 4 DC-8-73F. Foto: Aeroprints via Wikimedia Commons.

A empresa foi acusada de corrupção nos Correios ao fazer conluio com a Skymaster Airlines nos contratos da RPN, com Antônio Augusto Morato, sendo sócio das duas empresas aéreas, além da Promodal.

O escândalo da RPN resultou em perda de contratos e clientes, definhando até encerrar as operações em 2010, com a licença de operação revogada pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) no ano seguinte. Os DC-8 ficaram ao relento nos aeroportos de Guarulhos e Manaus.

Phoenix Brasil

Fundada em Porto Alegre, a empresa começou as operações em 07 de julho de 1995 com o Boeing 707-300 PP-PHB, com voos de Guarulhos para Porto Alegre, Nordeste, Manaus, Assunção e Miami. A aeronave foi batizada como Le Corsaire, em alusão aos corsários dos tempos da navegação.

Um segundo 707 chegou a operar alguns voos para a empresa, ainda com a matrícula N851JB, que seria o PP-PHA. Em 24 de outubro de 1997 a empresa encerrou suas operações quando vendeu sua aeronave para a Deadelus Aviation.

TCB – Transporte Charter do Brasil

A TCB foi fundada em 1994 e começou as operações em 1997 com o Douglas DC-8-52F PP-TPC. Um segundo avião, DC-8-54F PP-TNZ, foi recebido em março de 1998, e o PP-TAR (DC-8-54F), no final daquele ano. Fechou acordo operacional com a VASP para transportar cargas da empresa paulista.

Essa dependência tornou a empresa vulnerável e quando a VASP enfrentou uma grave crise entre 1999 e 2000, a TCB foi afetada, com a paralisação das atividades por um período. O retorno da empresa foi em agosto de 2001 operando na RPN entre Guarulhos e Manaus com o DC-8-52F PT-TPC. Sem perspectivas de crescimento e com uma aeronave obsoleta, a TCB encerrou as operações definitivamente em julho de 2004.

Skymaster Airlines

 A Skymaster Airlines iniciou as operações em 1997 com o Boeing 707-300C PT-WSM na rota Guarulhos-Manaus. Gradativamente a frota foi aumentando e, em 2002, chegou o primeiro Douglas DC-8-63F. Na mesma época Grupo GPT virou sócio da Skymaster.

No auge das operações, em 2004, a Skymaster Airlines tinha quatro 707 e três DC-8 e era uma das principais operadoras cargueiras do país. Porém, o escândalo envolvendo os Correios naquele ano revelou que a empresa oferecia um valor baixo e, quando ganhava, pedia revisão do contrato, pois a Lei 8.666/1993 previa reajuste de contrato caso uma das partes tenha prejuízo. Com o apoio de alguns dirigentes da estatal, a Skymaster conseguia dobrar o valor do contrato. Calcula-se que a Skymaster e a BETA Cargo causaram prejuízo de R$ 64 milhões para os Correios.

A primeira aeronave da Skymaster Airlines, PT-WSM, é vista aqui em Southend, Inglaterra. Foto: Jerome Krier via Wikimedia Commons.

Sem poder participar dos contratos públicos, sua principal fonte de receita, a Skymaster definhou progressivamente até encerrar as operações em 2008.

BRASMEX

Brasil Minas Express (BRASMEX) foi uma cargueira mineira fundada em 2001 e com início das operações em dezembro de 2002 com o PR-BME, DC-10-30F ex-United Airlines.

Apesar dos planos ambiciosos, a BRASMEX teve apenas uma única aeronave: o DC-10-30 PR-BME. Foto: Aero Icarus via Wikimedia Commons.

A empresa se especializou em carga aérea internacional, com charters para Itália, EUA e América Latina. Em 27 de agosto de 2003 foi anunciada a venda de 15% da BRASMEX por US$ 13 milhões para o fundo de investimentos ControlSud, sediado em Luxemburgo, com a promessa de trazer mais duas aeronaves até 2005. Os planos não se concretizaram e a empresa encerrou as operações no final de 2003, com o PR-BME indo para Arrow Air.

Promodal

Integrante do Grupo GPT, a Promodal Transportes Aéreos começou suas atividades em 2001 e chegou a negociar com a TAM o arrendamento de seis Fokker 100 para voos cargueiros, na modalidade seat containers. Sem êxito, trouxe no final de 2003 o Douglas DC-8-71F PR-GPT para a rota Guarulhos-Manaus. A operação teve vida curta e encerrou suas atividades em 2005, na esteira da crise que afetou o Grupo GPT no escândalo dos Correios.

Air Brasil Cargo

Fundada em 2005 por agentes de cargas de São Paulo, tinha como objetivo participar dos contratos da Rede Postal Noturna (RPN) dos Correios. No mesmo ano pintou o DC 8-61F PR-ABA ex-ABSA em suas cores, mas não colocou em operação. Coube ao Boeing 727-200F PR-AIB ser a primeira aeronave operacional da Air Brasil Cargo, em maio de 2007.

A Air Brasil foi mais uma das empresas aéreas de vida curta. Foto: Alexandre Dias via Wikimedia Commons.

Em 09 de dezembro de 2010, a sua única aeronave foi interditada pela ANAC em São Luiz por problemas de documentação, manutenção e com horas de voos da tripulação excedendo as convenções trabalhistas. Em setembro de 2011 chegou o segundo 727-200F, PR-MTJ ex-TAF. A Air Brasil Cargo teve sua licença cassada pela ANAC em março de 2012.

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