Na aviação comercial existe um tênue equilíbrio que define a viabilidade econômica de uma aeronave de seu fracasso. Um bom avião não pode ser grande ou pequeno demais, conforme as rotas em que vai operar, criando assim uma “faixa de sucesso”. Ela já foi mais ampla, porém, na nova geração de jatos comerciais esse intervalo está menor e mais voltado para a parte de cima.
Em outras palavras, as versões menores de alguns jatos consagrados como o 737 e a família A320 estão encalhando nas prateleiras. A Airbus, por exemplo, quase dobrou as vendas do A319neo nos últimos dias ao anunciar uma nova encomenda de 26 unidades para um cliente não revelado. É isso mesmo que você leu: de 30 aviões vendidos anteriormente agora o menor membro da família acumula 56 exemplares vendidos. Enquanto isso, o A321neo já soma 1.930 unidades e o A320neo, impressionantes 4.071 aviões até abril de 2018.
Na Boeing a situação é tão contrastante quanto na sua rival europeia. A nova geração do 737, jato mais vendido da história, tem em seu catálogo de vendas mais de 4,5 mil aeronaves comercializadas. Dessas apenas 58 são do MAX 7, o menor 737 do momento, escolhido por três operadores, a desconhecida Canada Jetliners, a WestJet e a Southwest, maior cliente do avião da Boeing. Mesmo tendo o maior alcance da família, o MAX 7 não conquistou clientes com sua configuração máxima de 172 assentos.
O fenômeno também é visto em menor grau na Embraer. A fabricante brasileira vendeu até o momento 228 unidades do novo jato regional E2. Destes, 100 são do E175-E2, o menor dos três aviões da nova série da empresa. Parece bastante, mas a encomenda foi justamente a primeira da família E2, realizada pela companhia americana Skywest em 2013. Portanto, há cinco anos o E175-E2 não encontra um único interessado.
Entre o Fokker 70 e 130
Nos anos 80, a lendária fabricante holandesa Fokker desafiava a supremacia de Boeing e Airbus com seu jato regional Fokker 100. Derivado do modelo F-28, o novo avião oferecia uma opção mais apropriada para rotas entre cidades menos populosas além de soluções que o tornavam mais adequado para operar em aeroportos menos preparados como uma escada embutida na porta dianteira.
O início de vendas do Fokker 100 foi promissor, com encomendas vultosas da American Airlines, mas foi no Brasil que o modelo encontrou enorme utilidade nas mãos da TAM. Dezenas de unidades chegaram a partir dos anos 90 e minaram a saúde financeira das já combalidas Varig, Vasp e Transbrasil.
Os holandeses, então, logo vislumbraram uma “família de jatos” baseada nele. Das pranchetas surgiram duas opções, o maior Fokker 130 e o menor Fokker 70, com capacidade pouco maior que o pioneiro F-28.
Entre enfrentar Boeing e Airbus no andar de cima e explorar o mercado regional com a versão menor, a Fokker acabou preferindo a segunda. Para seu azar. Com custo mais alto de operação, o F-70 encontrou poucos clientes no mercado e apenas 47 unidades foram produzidas contra mais de 280 exemplares do Fokker 100.
Em 1997, a linha de produção de ambos foi encerrada após uma grave crise da Fokker que acabou incorporada a outro grupo alemão. Será que se tivesse escolhido o Fokker 130 a história teria sido diferente?
Voe longe ou leve muita gente
Segundo um executivo de uma grande companhia aérea brasileira ouvido pelo Airway, essa tendência deve se intensificar no futuro: “aviões precisam ter um ASK (Available Seat Kilometres, ou Assentos-quilômetro oferecidos) muito vantajoso para fazer sucesso e alguns desses novos modelos não têm”, explica.
De uma forma simples, um jato comercial possui dois caminhos para atrair interessados. O primeiro é levar bastante passageiros e o segundo, ter uma autonomia muito grande. Ou seja, fatores como peso e economia de combustível são fundamentais.
O problema é que numa família de aviões alguém vai acabar pagando o pato de arcar com uma estrutura maior do que a necessária. Um A319, por exemplo, mantém as asas e empenagem do A320 sem levar o mesmo número de passageiros, mesmo caso do MAX 7. A compensação é consumir menos combustível devido ao menor peso, mas nem sempre isso compensa caso não se tenha uma boa capacidade de carga. Seria o caso do A319neo, que estima-se ter um custo por ASK cerca de 10% superior ao do A320neo, margem difícil de ser coberta num mercado tão competitivo.
A popularização do transporte aéreo nos últimos anos tem contribuído para que as companhias aéreas consigam encher aviões que antigamente não seriam viáveis economicamente. Um Boeing 737-800 como os usados pela Gol leva até 183 passageiros em classe única contra 144 lugares do 737-700, mais de 60% a mais ao que transportavam os Boeing 737-200 da Varig ou da Vasp há 30 anos.
Nesse cenário, o futuro parece incerto para esses “irmãos menores” dos principais ‘narrowbodies‘ (fuselagem estreita) do mercado. O que talvez Airbus e Boeing não esperassem é que a ‘faixa de corte’ fosse maior do que elas imaginaram. Quando desenharam as novas famílias, ambas eliminaram do projeto os sucessores do A318ceo e do 737-600, então seus produtos de capacidade mais limitada.
Resta saber se haverá demanda suficiente para que eles se mantenham em linha em algumas rotas onde suas características ainda sejam apreciadas.
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Não é um desastre, pois como diz muito bem a matéria, os fabricantes trabalham com famílias de aeronaves, cujo projeto é totalmente compartilhado entre os irmãos maiores e menores.