A Segunda Guerra Mundial foi um dos períodos mais sombrios da história da humanidade. No entanto, para a comunidade científica foi um período de imenso progresso, com inúmeras descobertas e avanços tecnológicos em diversas áreas, especialmente na aviação.
O principal legado que o conflito mundial deixou para a aviação foi o motor a jato, uma vez que os motores a pistão convencionais com hélices não tinham mais por onde avançar. Com o objetivo de alcançar performances cada vez mais elevadas, as principais nações envolvidas na guerra iniciaram uma corrida para colocar nos céus as primeiras aeronaves com o então revolucionário propulsor a reação.
Os primeiros esforços para o desenvolvimento dessa tecnologia começaram na Alemanha. Fortemente incentivada por Adolf Hitler, o país sob o regime nazista saiu na frente na corrida dos jatos com uma série de projetos de caças e bombardeiros de altíssima velocidade para os padrões da época. Em pouco tempo, esses aviões entraram em combate, surpreendendo os Aliados com desempenhos nunca antes vistos.
O avanço alemão nessa área levou nações como os Estados Unidos e Inglaterra a acelerarem seus projetos de aviões a jato, que ainda engatinhavam em meio a incertezas e perigosos testes. Foi um período de extrema agitação na aviação militar e que passaria a ditar como deveriam ser os caças das próximas décadas até alcançar o nível tecnológico atual. Conheça a seguir os pioneiros da era a jato:
Heinkel He 178
Enquanto muitos países ainda fabricavam arcaicos aviões biplanos, a Alemanha dava seus primeiros passos na era a jato. Em 1937, a indústria alemã já havia desenvolvido o motor a jato (o Heinkel HeS 1). Após uma série de ajustes, o propulsor foi aplicado no protótipo Heinkel He 178, o primeiro avião a jato que voou. A primeira decolagem do aparelho aconteceu no dia 27 de agosto de 1939, quatro dia antes de Hitler ordenar a invasão da Polônia, que foi o estopim da Segunda Guerra Mundial.
Logo nos primeiros testes, o He 178 apresentou um desempenho impressionante. Era mais rápido que a maioria dos aviões alemães com motor a pistão em operação: podia alcançar até 580 km/h. No entanto, devido ao alto consumo de combustível, tinha autonomia para apenas 10 minutos de voo. O modelo nunca teve uma versão operacional, tampouco carregou armas. Porém, foi essencial para o desenvolvimento da Alemanha nesse ramo da aviação.
Heinkel He 280
Os ensinamentos colhidos no protótipo He 178 levaram ao desenvolvimento do He 280, que é considerado o primeiro caça com motor a jato, embora nunca tenha entrado em serviço. O aparelho voou pela primeira vez em 22 de setembro de 1940 e novamente impressionou o alto escalão nazista. Podia atingir 820 km/h e alcançar 10 mil metros de altitudes em questão de minutos. Porém, os motores utilizados no avião eram altamente problemáticos, apresentando falhas durantes os voos ou até se incendiando quando acionado.
O He 280 foi o primeiro jato armado: o aparelho foi equipado com três canhões de 20 mm no nariz. Apesar da performance excepcional, o projeto acabou cancelado. Mas não a ideia.
Messerschmitt Me 262
Ao mesmo tempo em que a Heinkel desenvolvia o He 280, a Messerschimitt trabalhava no Me 262, de performance superior e maior confiabilidade, apesar de também apresentar uma série de riscos. O primeiro protótipo (equipado com motores a jato) decolou em 18 de julho de 1942 e em menos de dois anos o caça foi declarado operacional e introduzido à Luftwaffe (Força Aérea da Alemanha). Foi o primeiro avião a jato utilizado em combate na história.
O desempenho do Me 262 era muito superior aos dos caças aliados com motores a pistão, tornando-o praticamente inalcançável. A aeronave podia superar os 900 km/h e voar a mais de 12 mil metros de altitude, ideal para alcançar os “enxames” de bombardeiros americanos que voavam sobre a Alemanha. Entretanto, por insistência de Hitler em convertê-lo em bombardeiro, o jato tomou um rumo que o levou ao fracasso operacional.
Foram construídos mais de 1.400 unidades do Me 262, mas menos da metade entrou em operação devido as intensas mudanças no projeto ordenadas pelo chanceler alemão. Com o fim do conflito, aparelhos capturados pelos EUA, Inglaterra, União Soviética e até a França, ajudaram essas nações em seus próprios projetos de aeronaves com motores jato.
Bell P-59 Airacomet
A segunda nação a colocar um avião a jato no ar foi os EUA, com o protótipo Bell P-59 Airacomet. O modelo realizou seu voo inaugural no dia 1º de agosto de 1942, mas ao contrário dos surpreendentes projetos alemães, o jato americano não impressionou. O P-59 apresentava boas performances de subida e manobra, mas foi considerado lento: podia alcançar apenas 665 km/h, velocidade que caças com motores a pistão, como o P-51 Mustang, podiam superar.
Ao todo, a Bell Aircraft produziu 66 unidades do Airacomet, mas o avião nunca foi declarado operacional, sendo mantido apenas para estudos com os novos motores a jato. Em 1948, sem grandes avanços, o projeto foi definitivamente encerrado.
Lockheed P-80
Ao mesmo tempo em que a Bell Aircraft trabalhava no P-59, a Lockheed desenvolvia o caça P-80 “Shooting Star”. Esse avião, porém, apresentou melhores performances, sobretudo para o combate. O primeiro protótipo do P-80 voou em 8 de janeiro de 1944 e no ano seguinte foi enviado à Europa para atuar na Segunda Guerra Mundial, o que nunca chegou a acontecer. Esse caça, portanto, foi o primeiro jato operacional a serviço nos EUA.
O Shooting Star também foi o primeiro jato americano a participar de combates, na Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953. Foi ainda a primeira aeronave das forças armadas dos EUA que ultrapassou a marca dos 900 km/h: o P-80 podia alcançar a velocidade máxima de 928 km/h e era utilizado como caça ou bombardeiro.
Gloster Meteor
Além da Alemanha, outra nação beligerante que operou caças a jatos durante a Segunda Guerra Mundial foi a Inglaterra. Em janeiro de 1941, os britânicos entraram na era a jato ao decolar pela primeira vez com Gloster Meteor, um avião equipado com turbinas a gás.
O modelo era equipado com dois turborreatores e podia superar os 700 km/h, velocidade que permitia alcançar as temidas bombas voadoras “V1” da Alemanha, que atravessavam o Canal da Mancha em direção as grandes cidades da Inglaterra com efeitos devastadores.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Meteor evoluiu e ficou ainda mais rápido. As versões mais avançadas do caça voavam próximo dos 1.000 km/h, além de oferecer boa autonomia e capacidade razoável de armamentos. O caça da Gloster Aircraft Company foi também o primeiro jato operado pela Força Aérea Brasileira (FAB), a partir de 1953.
De Havilland Vampire
Seis meses após o primeiro voo do Meteor, outro caça a jato inglês também foi ao ar, o De Havilland Vampire. O aparelho, porém, não foi declarado operacional a tempo de combater na Segunda Guerra Mundial – sua estreia em combate aconteceu em conflitos coloniais na Malásia, no final dos anos 1940.
O Vampire também foi o primeiro avião com motor a reação que operou a partir de porta-aviões (na versão “Sea Vampire”), em 1945.
O Vampire podia alcançar 880 km/h, servindo como caça ou avião de ataque ao solo, missão que o consagrou. Assim como o Meteor, o jato da De Havilland também foi o primeiro desse tipo a operar com diversos países, como as forças armadas de Portugal e da França.
MiG-9
A União Soviética entrou na era dos motores a jato somente após o término da Segunda Guerra Mundial. O primeiro modelo desse tipo no país foi o MiG-9, que decolou em 21 de abril de 1946 impulsionado por motores copiados do caça alemão Me 262. E o resultado foi bom.
O primeiro jato soviético podia alcançar 915 km/h e voar a mais de 15 mil metros de altitude, barreira que ainda era pouco explorada. Os avanços alcançados com esse aparelho permitiram o desenvolvimento dos caças MiG-15 e MiG-17, que em pouco tempo se tornaram alguns dos aviões de combate mais avançados e temidos no final da década de 1940 e início dos anos 1950.
Nakajima Kikka
Mesmo com a indústria devastada por bombardeiros dos EUA, o Japão conseguiu fabricar um avião a jato durante a Segunda Guerra Mundial, o Nakajima Kikka. O aparelho voou pela primeira vez em 7 de agosto de 1945, pouco antes da rendição japonesa no mês seguinte.
O design da fuselagem e asas do Kikka, além do projeto de seu motor, eram baseados no Me 262 alemão, mas sua performance era inferior, além de também ser um projeto com inúmeras falhas, especialmente nos delicados motores a jato.
Nas poucas oportunidades que pode voar, o jato japonês alcançou cerca de 700 km/h e seus projetistas estimaram que ele poderia ter autonomia de quase 1.800 km. O Japão ainda pretendia utilizar o Kikka em missões kamikaze (ataque suicida). Foram construídos 10 unidades do caça e a maioria foi destruída ou capturada e enviada para análises nos EUA.
Saab J-21R
Se a Suécia hoje possui uma grande capacidade de desenvolver aeronaves militares, isso se deve muito ao caça Saab J-21R. Primeiro avião a jato fabricado na Escandinávia, o J-21R era uma adaptação do J-21, que possuía motor a pistão. O modelo convertido era cerca de 30% mais veloz que seu predecessor a hélice, com velocidade máxima de 800 km/h.
O voo inaugural do J-21R aconteceu 10 de março de 1947 e o avião foi mantido na primeira linha até 1956, quando foi substituído por outro jato da Saab, o J-32 Lansen.
Dassault Ouragan
O Ouragan foi o primeiro jato de uma longa série desenvolvida pela fabricante francesa Dassault, que inclui caças como o Mirage 2000 e o Rafale. O primeiro voo do modelo foi realizado em 28 de fevereiro de 1949 e sua entrada em serviço com a Força Aérea da França aconteceu somente em 1952, quando substituiu os Vampire, de fabricação britânica.
O primeiro jato da França podia alcançar 940 km/h e foi muito utilizado em combate, principalmente pelas forças armadas de Israel, com participação crucial na Crise de Suez e na Guerra dos Seis Dias, onde chegou a enfrentar jatos de origem soviética, como o MiG-15.
Veja mais: Conheça os jatos de combate que já voaram com a Força Aérea Brasileira
A história da humanidade é contada pelas marcas que o homem deixou nela.Esta matéria mostra como a inteligencia do homem pode contribuir muito para o desenvolvimento tecnológico, mesmo que muitas vezes no lado negativo(uso da aviação na guerra)
Excelente matéria,uma interessante aula de historia nos céus do mundo.
Nenhum avanço tecnológico vale o custo de uma guerra.
Pesquisa muito interessante. Gostei!
Excelente – A reportagem explicou de maneira perfeitamente didática a evolução dos aviões a jato de combate – obrigado e parabéns ….
Caramba, a melhor parte do site da UOL, que é bom! Tô sempre por aqui!
Dizem que na segunda guerra, um Me 262 alemão podia abater 30 aviões a hélice dos aliados. E o resultado da guerra poderia ter sido outro se não houvesse escassêz de pilotos alemães.
Muito bom!
Mas na verdade os motores a jato nos aviões descritos na reportagem são turbinas a gás. O único motor a a reação, ao menos na segunda guerra, foi o Messerschmitt Me 163 Komet.
falto o caças argentino que também estão entre os primeiros o Pulqui I e Pulqui II
Matéria muito boa, parabéns.
Gostaria de fazer apenas uma pequena observação: os Gloster Meteor podiam interceptar os V1, mas não os V2. Estes eram mísseis balísticos que podiam viajar a mais de 3000Km/h, portanto, sem qualquer chance de serem interceptados por qualquer aeronave da época, quer por sua trajetória, quer pela velocidade que alcançavam.
Faltou o Yak-15 soviético, que é de 1946 e o F9F Panther americano que é de 1947.
O primeiro jato foi um italiano. Depois Hitler levou a equipe para a Alemanha .
Se possível for, agradeço publicar uma reportagem a respeito dos históricos combates, durante a Guerra da Coréia, entre os famosos MIG – 15 russos e os Sabre -Jets (F – 86 ?) Norte-Americanos.
Faltou o protótipo I.Ae. 27 Pulqui desenvolvido na Argentina pelo Instituto Aerotécnico de Córdoba e que voou pela primeira vez em 1947.
Materia interessante. Mas faltou o fundamental Gloster E.28/39 ( “Gloster Whittle”, “Gloster Pioneer”, ou “Gloster G.40”), que vôou em 15 de maio de 1941. Esse foi o PRIMEIRO aviào aliado a jato. Portanto, ao contrario do dito, a segunda nação a colocar uma aeronave a jato no ar foi a Grã-bretanha.
Ótimo post, leio sempre.
Só gostaria de deixar uma pequena correção: As V-1 que eram mísseis de cruzeiro como os atuais Tomahawk tinham um motor pulso jato que dava uma velocidade entre 600 e 700 km. Voavam em linha reta, eram muito ruidosas e apareciam no radar. Logo podiam ser abatidas ou simplesmente desviadas com um toque de asa. Não só Gloster Meteor tinha a capacidade de abatê-las, mas também o De Haviland Mosquito em ligeiro mergulho.
Já a V-2 era um foguete balístico que tinha um trajetória parabólica que dificultava seu rastreio prévio. A trajetória de máximo alcance de 320 km tinha teto de 88 km. A velocidade máxima era de 5500 km/h e no impacto era de 2800 km. Era um artefato não interceptável na época. Somente no final da década de 1980 surgiram os primeiros mísseis anti mísseis.
É sempre na guerra que os avanços, especialmente os aeronáuticos, acontecem, por fôrca das necessidades estratégicas…
Caro Thiago,
Excelente matéria.
Apenas uma pequena correção: a rendição japonesa na II Guerra Mundial se deu formalmente em 2 de setembro de 1945 (Nakajima Kikka).
Abraço
Não ficou faltando o italiano Caproni-Campini n.1?
a rendição japonesa ocorreu em 15 de agosto, se não me engano.
O primeiro avião com motor a jato foi um italiano da II Guerra.
Gostaria muito de ver uma matéria sobre sobre os GIROCÓPTEROS.
Pouquíssimas pessoas sabem de que se trata. Maquina de excelente manobrabilidade e muito segura pois tem manobrabilidade a zero de velocidade mesmo sem motor.
Não mencionou o Gloster Whittle, 1o. caça inglês, monomotor experimental, que fez o primeiro voo em 15 de maio de 1941. Frank Whittle, oficial inglês, inventou o motor a jato de múltiplas câmaras de combustão, enquanto os alemães usavam o coaxial. O Airacomet e o P-80 usaram o motor de Whittle.
Muita boa esta relação histórica e ilustrada sobre os primeiros caças com motor a jato que voaram no mundo. Como artista plástico, ilustrador, pesquisador e historiador, (especializado em “aviation art”), além do interesse, foi de grande valia para futuros trabalhos sobre a matéria em questão.
Mauro José de Godoy Moreira
Boa matéria, mas estão faltando o Caproni Campini N.1 em Agosto/1940 e o Gloster E.28/39 em Maio/1941.