A chance de um relâmpago atingir um avião é pequena. No entanto, ela ainda é maior que a possibilidade de um raio acertar uma pessoa em solo. Por conta desse risco, aeronaves comerciais precisam provar que são capazes de resistir a esse fenômeno natural, caso contrário são barradas no mercado por autoridades aeronáuticas.
Todo avião em desenvolvimento que almeja a certificação para voos comerciais precisa passar obrigatoriamente pelo “Lightning Test” (Teste de Raio) ou IEL (sigla em inglês para “Efeitos Indiretos de Raios”), prova pela qual o novo Embraer E190-E2 está passando neste momento, na fábrica em São José dos Campos (SP).
Como explica a Embraer, para realização deste ensaio é montada uma rede ao redor da aeronave. O equipamento dispara descargas elétricas de diferentes intensidades pela fuselagem, simulando o efeito de raios acertando o avião em voo. Os níveis de resistência são medidos a partir de pontos de entrada e saída de correntes elétricas, que literalmente atravessam o avião.
As descargas são simuladas utilizando um gerador de corrente elétrica. Esta energia é aplicada diretamente na fuselagem e retorna para o gerador através de uma estrutura de apoio montada ao redor do avião, onde em seguida é medida, em busca de variações.
O teste ainda compreende medições de corrente elétrica induzida (quando há variação de fluxo magnético) ao longo dos cabos elétricos dos diversos sistemas da aeronave. Estas medições são comparadas com as proteções elétricas de cada sistema de modo a garantir a operação segura dos mesmos quando a aeronave é atingida por um raio.
A duração do ensaio está ligada com a quantidade de medições realizadas. De acordo com a Embraer, no caso do E2 o tempo estimado é de um mês de testes.
O que acontece quando um raio atinge um avião?
Se a aeronave for devidamente preparada para resistir aos efeitos de raios, simplesmente não acontece nada durante o voo e a vida segue. A resistência de um avião em lidar com essa situação vem de sua capacidade de poder ou não conduzir de forma eficiente a corrente elétrica gerada por uma descarga atmosférica.
De uma forma simplificada, o relâmpago deve ser passar pela fuselagem da aeronave, voltar a atmosfera e seguir em direção ao solo. Para isso, os componentes do avião possuem camadas especiais de materiais isolantes, que permitem a condução da eletricidade de forma natural. Ou seja, o raio é apenas conduzido pelo corpo de alumínio do avião.
Em componentes considerados críticos, como os motores e tanques de combustível, a camada isolante é duplicada.
E se falhar?
Um defeito em alguma parte da “blindagem elétrica” do avião pode acarretar em um curto-circuito no componente desprotegido. Ainda não é o suficiente para causar um acidente, mas pode causar sérios danos a aeronave, deixando um buraco na parte da fuselagem onde ocorre o curto. Outras possibilidades, embora raríssimas, são incêndios no motor e explosão dos tanques de combustível.
A incidência de relâmpagos é maior em altitudes inferiores a 2.000 metros. Devido a essa característica, um avião tem mais chances de ser atingido por raios durante os procedimentos de aterrissagem e pouso, ou ainda mesmo em solo. Helicópteros, que voam abaixo dessa faixa, também são equipados com proteções especiais contra raios.
Gaiola de Faraday
A proteção contra raios usada em aeronaves nada mais é que uma versão moderna (e voadora) da “Gaiola de Faraday”, famoso experimento do físico britânico Michael Faraday.
Em 1836, Faraday sentou-se em uma cadeira de madeira no interior de uma gaiola metálica ligada a um gerador e autorizou o disparo de uma descarga elétrica. Nada aconteceu ao físico, pois a eletricidade (no caso, os elétrons) foi conduzida pela parte externa da gaiola, anulando seu efeito na parte interna.
Para provar que o experimento era seguro, o Faraday também testou o conceito “engaiolando” seu filho recém-nascido, que saiu ileso.
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