O americano John Leahy tem um papel fundamental na virada de mercado da Airbus em cima da Boeing nos últimos anos. O executivo nascido em Nova York entrou na fabricante europeia em 1985 e foi responsável pela venda de jatos A320 para a hoje extinta Northwest, que era uma tradicional cliente da Boeing.
Mas foi como chefão comercial da Airbus que Leahy transformou a empresa a ponto de colocá-la no mesmo patamar de vendas da Boeing. O executivo se aposentou em 2017 por problemas de saúde e estava distante dos holofotes até a semana passada, quando quebrou o longo silêncio numa entrevista para o site Airline Ratings.
Embora tenha falado de mais assuntos, Leahy foi instado a comentar sobre o fracasso do A380, aeronave que ele ajudou a viabilizar. E o nova-iorquino não se privou de explicar as razões que levaram o maior avião do mundo a ter um futuro obscuro, na sua opinião. Confira a seguir alguns pontos da entrevista:
Avião pesado
Perguntado sobre o desafio de projetar o A380, Leahy lamentou a influência de várias companhias aéreas em seu design. Segundo ele, o excesso de interferência dos clientes fez o jato ficar mais pesado, reduzindo sua eficiência. A Singapore Airlines, primeira operadora, exigiu que o ruído do avião atendesse aos critérios dos aeroportos de Londres enquanto a oferta da versão cargueira também contribuiu para reforços desnecessários.
Leahy também considera outro erro ter previsto uma versão maior, o A380-900, que nunca se materializou. Na sua visão, a Airbus deveria ter otimizado a versão menor antes de partir para a criação de uma família de aeronaves.
Surpreendidos pelas fabricantes de motores
O ex-CCO da Airbus foi categórico em culpar as fabricantes de motores por grande parte do fracasso do A380. Segundo ele, quando a empresa estava projetando o avião foi garantido que os turbofans disponíveis na época (o Rolls-Royce Trent 900 e o General Eletric/Pratt & Whitney GP7200) permaneceriam como os mais avançados por cerca de uma década.
No entanto, três anos depois, em 2003, a Boeing revelava o 787 Dreamliner, com motores GENX e Trent 1000, mais avançados e com consumo até 12% menor que os turbofans do A380. “Você pode imaginar o sucesso do A380 se tivesse uma queima de combustível 12% melhor”, especulou.
Leahy atribui ao fato de terem sido surpreendidos com essa nova geração de motores como uma das causas do fracasso do A380 e também do atraso do programa A350.
Uma realidade diferente
Segundo o executivo, a explicação da GE e da Rolls Royce na época foi de que eles também foram surpreendidos pela Boeing, que estudava o avançado projeto Sonic Cruiser. Ao mudar de direção e lançar o 787, a rival precisou de novos turbofans, que estavam em estudo pelas duas fabricantes.
Para Leahy, teria valido a pena atrasar todo o programa do A380 em dois ou três anos para incorporar esses motores. Lançado em 2000, o jato deveria ter entrado em serviço em 2005, porém, o primeiro avião da Singapore começou a voar dois anos depois. “Isso teria mudado o jogo”, garantiu.
Preocupação com o 747-8
Com motores mais modernos, o A380 seria viável com 65 a 70% de ocupação, segundo Leahy. Em vez disso, os operadores precisam encher a enorme aeronave com 85 a 90% dos assentos e não há muitas rotas onde isso é realista, sobretudo nos tempos atuais. A decisão da Boeing de levar os motores avançados para o 747-8 preocupou o ex-executivo da Airbus, mas apesar disso a variante mais recente do Jumbo também teve poucos pedidos.
Tempestade perfeita
John Leahy lamentou o atraso no programa, que acabou coincidindo sua chegada ao mercado com a crise financeira mundial em 2008. Nos anos seguintes, os seguidos aumentos no preço do querosene pioraram ainda mais esse cenário. “Se o tivéssemos lançado em 2005, como pretendíamos, ou mesmo se ele tivesse sido entregue com melhor economia de combustível em 2007 com motores de nova geração, teria sido antes da crise financeira”.
Desentendimentos internos
Por fim, Leahy também fez um mea-culpa ao reconhecer que as disputas internas na Airbus também acabaram prejudicando o imenso jato. Com seu desenvolvimento dividido entre os sócios, o resultado acabou sendo a incompatibilidade entre vários componentes. “Como você poderia ter ido direto para o final da fase de projeto, fabricado chicotes elétricos, construído o avião e agora pela primeira vez você está tentando conectá-los e os funcionários dizem: ‘Ei, eles não encaixam. Como isso pode acontecer?'”.
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