Aviões militares já voavam no Brasil muitos antes da Força Aérea Brasileira (FAB) ser formada. Como em outros países, por aqui aeronaves de combate eram operadas pelo Exército e a Marinha, criados no final do século 19 e que mais adiante adotaram meios aéreos. A divisão de “guerra aérea”, chamada inicialmente de “Forças Aéreas Nacionais”, foi fundada com a criação do Ministério da Aeronáutica, em 20 de janeiro de 1941, em decreto assinado pelo então presidente Getúlio Vargas. Em maio daquele ano, a corporação adotou o nome atual.
Era o auge da Segunda Guerra Mundial e o litoral brasileiro estava infestado de submarinos alemães e italianos, que navegavam à caça de navios comerciais e até barcos de pesca brasileiros. A resposta da força aérea, recém-formada, não demoraria a chegar.
Passados 80 anos desde sua criação e há muito tempo longe de combate, a FAB continua de prontidão e atualmente passa por um momento de renovação com a chegada de aviões de última geração, como a aeronave multimissão Embraer KC-390 e o caça multifuncional Saab Gripen E/F. Mas antes de chegarmos nessa parte, veja como foi o processo de experiência e maturação da FAB.
Batismo de fogo
A primeira “vítima” de um avião da Força Aérea Brasileira foi o submarino Barbarigo, da marinha da Itália, cujo comandante, Enzo Grossi, era paulista. O ataque foi realizado por um bombardeiro B-25, às 13h57 do dia 22 de maio de 1942, um ano e meio após a criação da FAB.
O submarino italiano havia afundado o navio mercante Comandante Lyra quatro dias antes de sair de ação. Era a oitava embarcação de bandeira brasileira atingida pelas forças do Eixo, mesmo antes da entrada do Brasil na guerra, ocorrida somente em agosto de 1942.
O Barbarigo, porém, não afundou. Após uma perseguição contra aviões da FAB e navios americanos e britânicos, que durou cinco dias, a embarcação italiana, mesmo danificada, conseguiu escapar e voltou para a Europa.
Segundo documentos da FAB, entre 1942 e 1944, 71 embarcações foram atacadas em águas brasileiras por submarinos inimigos, deixando quase 1.500 mortos. Mas ao mesmo tempo que a esquadra do Eixo atacava, seus meios eram dizimados pelos aviões da FAB e dos EUA, que montaram grandes bases no país, em especial em Natal e Recife.
Além dos B-25, que faziam parte do programa de ajuda militar dos EUA ao Brasil, a FAB combatia os submarinos invasores com outro importante avião de patrulha: o PBY Catalina. O clássico hidroavião participou de seis dos 10 afundamentos de submarinos registrados na costa brasileira.
FAB na Segunda Guerra Mundial
A Força Expedicionária Brasileira, que foi enviada para a batalha na Itália em julho de 1944, teve a companhia da FAB. Para ingressar no conflito na Europa, a Aeronáutica fundou o 1º Grupo de Aviação de Caça, conhecido pelo grito de guerra “Senta a Púa!”, e a Primeira Esquadrilha de Ligação e Observação (que realiza missões de reconhecimento), que operou pequenos monomotores Piper L-9.
Os primeiros 32 pilotos do Senta a Púa realizaram treinamentos em Orlando, nos EUA, no início de 1944, com caças P-40 Kittyhawk. Em maio deste mesmo ano iniciaram suas primeiras missões de defesa no Canal do Panamá.
Concluída a formação, os oficiais brasileiros foram enviados, em junho, à Nova York, onde conheceram o Republic P-47 ‘Thunderbolt’, que seria a principal aeronave da FAB na Segunda Guerra Mundial. Em mais dois meses os pilotos aprenderam a “domar” os P-47, e no dia 18 de setembro de 1944, partiram de navio para a Itália.
Na campanha da Itália, os aviões da FAB atuaram basicamente em operações de ataque ao solo e apoio às forças terrestres aliadas. De acordo com números da FAB, os P-47 realizaram 445 missões e destruíram mais de 1.500 veículos, além de posições de artilharia, fábricas, pontes, embarcações, usinas elétricas e um pequeno número de aviões.
Entre novembro de 1944 e abril de 1945, período em que os Thunderbolts da FAB participaram do conflito, 16 aviões foram perdidos em acidentes ou abatidos por artilharia anti-aérea. Cinco pilotos brasileiros morreram. Um desses oficiais, o tenente Aurélio Vieira Sampaio, foi homenageado com uma placa em Rodano, na Itália, no local onde seu avião caiu em 22 de janeiro de 1944.
FAB na Crise de Suez
O Brasil foi um dos países que participou do “Batalhão Suez”, enviado ao Oriente Médio em apoio às forças de paz da ONU na Crise de Suez, conflito entre Israel e Egito, a partir de 1957. A FAB apoiou a campanha com aeronaves Boeing B-17. As “Fortalezas Voadoras” brasileiras serviram como transporte de suprimentos e correio. Até 1960, os bombardeiros transportaram cerca de 50 toneladas de carga em 24 missões para a região dos combates. O B-17 era o único avião da FAB que podia atravessar o Oceano Atlântico sem paradas para reabastecimento. O Exército Brasileiro enviou cerca de 6.000 soldados para o conflito – sete morreram.
Pós-guerra
No final da Segunda Guerra Mundial e com o Brasil definitivamente alinhado ao bloco liderado pelos EUA, a FAB iniciou um novo processo de reequipamento com material norte-americano. Colocando a parte de ataque em segundo plano, a Aeronáutica priorizou a aquisição de aeronaves de transporte, patrulhamento marítimo e bombardeiros.
Nesse tempo, chegaram ao Brasil aeronaves como o famoso bombardeiro B-17 “Fortaleza Voadora” e o Douglas DC-3, um dos aviões mais longevos e numerosos da FAB – que operou mais de 80 modelos entre 1944 e 1983.
Já em 1958, a FAB recebeu seu primeiro helicóptero, o rudimentar Bell 47, que foi também um dos primeiros helicópetos operacionais do mundo. O Brasil contou com cinco aparelhos, que voaram até 1974.
Outras “aves” importantes incorporadas nessa época foram o bombardeiro Douglas A-20 e o patrulheiro marítimo PV-2 Neptune, que serviram por mais de 20 anos. Já os caças continuavam os mesmos…
Até 1955, a aeronave de ataque de maior desempenho da FAB ainda era o P-47, com motor a pistão. Era preciso ir mais rápido e mais alto, algo que somente os novos aviões a jato podiam fazer.
FAB na era do jato
Após analisar propostas dos EUA, que ofereciam o caro F-86 Sabre, o governo de Getúlio Vargas escolheu o britânico Gloster Meteor para ser o primeiro avião a jato da FAB. Segundo o acordo, o império britânico cedeu 60 aeronaves em troca de 15.000 toneladas de algodão. Mais adiante, em novos contratos, a frota nacional chegaria a 71 aparelhos.
O Meteor, apesar de já considerado defasado nos anos 1950, estabeleceu novos parâmetros de desempenho para a FAB. A aeronave podia ultrapassar os 900 km/h e voar próximo dos 15 mil metros de altitude. Tal como os P-47, os primeiros caças a jato foram empregados pelo grupo Senta a Púa, que após a guerra ficou baseado no Rio de Janeiro (RJ).
Três anos após a compra dos Meteor, a FAB reforçou sua frota com mais jatos de ataque, desta vez os americanos Lockheed AT-33. As aeronaves foram direcionadas para missões de interceptação e ataque ao solo e, no final de sua carreira nos anos 1970, foram utilizadas como treinadores avançados.
Ainda nessa época, a FAB recebeu, em 1957, os Cessna T-37, aeronaves a jato especializadas em ataques ao solo e que posteriormente também foram utilizadas para treinamento. Os jatos Cessna (a FAB operou mais de 60 unidades) foram retirados de serviço em 1981.
FAB supersônica
Caças supersônicos já eram uma realidade no início da década de 1950, com os principais esforços partindo dos EUA e a antiga União Soviética, além de projetos do Reino Unido, França e Suécia. A FAB, no entanto, ainda levaria mais de 20 anos para romper a velocidade do som.
O primeiro avião supersônico que chegou ao Brasil foi o Dassault Mirage III, fabricado na França. O governo brasileiro encomendou 17 aeronaves em maio de 1970 e as entregas foram concluídas até 1973. Os jatos, que podiam voar a mais de 2.300 km/h, foram empregados pelo 1º Grupo de Defesa Aérea, em Anápolis (GO).
Os Mirage III, que assumiram o papel dos vagarosos Meteor na defesa aérea do País, voaram com as cores da FAB até dezembro de 2005. Em 33 anos, os caças franceses acumularam mais de 67.000 horas de voo. Os Mirage também foram os primeiros aviões do Brasil armados com mísseis ar-ar orientados por calor.
Enquanto a FAB recebia os últimos Mirage III, também foi iniciado, a partir de 1972, processo de substituição dos antigos T-33 pelos Northrop F-5 Tiger II, que seria a segunda aeronave supersônica na frota nacional. Com um desempenho inferior ao do caça francês, mas com uma capacidade operacional mais versátil, o F-5 é até hoje o principal caça de defesa aérea do Brasil.
A FAB adquiriu diferentes lotes do F-5, com aeronaves novas e usadas, nas décadas de 1970, 1980 e 2000. Os primeiros aparelhos foram importados dos EUA, enquanto as últimas unidades vieram de estoques da Jordânia. O arsenal brasileiro tem mais 40 unidades do Tiger (o número de unidades ativas não é divulgado).
Em 2008, o velocímetro da FAB voltou a passar de Mach 2. Nesse ano, o país recebeu um lote com 12 jatos Mirage 2000, que substituíram os Mirage III. A aeronaves, adquiridas de segunda mão da França, voaram pouco tempo no Brasil. Os caças, que eram uma solução provisória enquanto a compra de novos caças não era definida, deram baixa em 2013.
A preparação dos pilotos dos caças supersônicos da FAB também exigiu o emprego de uma nova aeronave a jato de treinamento. O programa foi assumido pela Embraer no final dos anos 1960 e deu origem ao EMB-326 ‘Xavante’, incorporado à FAB em 1971.
O Xavante foi o primeiro avião com motor a jato produzido no Brasil – o modelo é versão nacional do italiano Aermacchi MB-326. A Embraer produziu 166 unidades da aeronave até 1981 e o jatos saíram de cena em 2013.
Capacidade atual
A FAB possui atualmente a maior frota da América Latina, com mais de 700 aeronaves. As principais missões da corporação nas últimas décadas vem sendo operações de busca e salvamento (SAR) e transporte logístico para regiões isoladas. Para essas funções, a força conta com uma variedade de aeronaves e também helicópteros, de diferentes portes e desempenhos.
Além da tradicional frota de cargueiros C-130 Hércules, que a serviços da FAB já voaram para todo o Brasil, outros países e até para a Antártica, a aeronáutica também tem a disposição o C-105A ‘Amazonas’ e uma grande variedade de jatos de transporte. Já os principais helicópteros da força aérea são o H-36 ‘Caracal’, para operações SAR e de transporte, e o famoso UH-60 (H-60) Black Hawk, que atua nas mesmas funções.
O patrulhamento marítimo continua sendo outra importante missão da FAB. O vasto litoral do Brasil é vigiado pelos Bandeirulha, a versão militar do Embraer Bandeirante, e o suntuoso Lockheed P-3 Orion, que pode permanecer voando por quase 20 horas em busca de embarcações hostis. A Força Aérea Brasileira também é um das poucas operadoras na América Latina (o outro país é o Chile) de aeronaves de controle aéreo antecipado, os conhecidos “aviões-radares”. O modelo usado no país é o Embraer E-99.
Já a principal arma da FAB contra o narcotráfico, uma das maiores preocupações nos céus da América do Sul, é o Embraer A-29 Super Tucano, que pode carregar uma grande variedade de armamentos, incluindo mísseis de busca térmica. Outro meio com alto poder de fogo do Brasil, especialmente contra tanques, é o helicóptero de ataque Mi-35 (AH-2 Sabre, na designação da FAB), fabricado na Rússia.
Enquanto os Gripen não entram em ação e com a aposentadoria dos caças Mirage 2000, a missão de superioridade aérea da FAB foi repassada aos F-5. Aviões invasores também podem ser contidos pelo caça-bombardeiro AMX, aeronave subsônica desenvolvida pela Embraer em parceria com fabricantes italianos.
Aviões de última geração
Pode-se afirmar que o Gripen será o primeiro caça realmente avançado em serviço na FAB desde sua fundação. Isso porque até então as aeronaves supersônicas operadas no país sempre chegaram tempos depois de sua entrada em serviço em outras forças.
O primeiro Gripen, ainda um modelo de testes, desembarcou no Brasil em outubro de 2020 e as primeiras unidades operacionais devem chegar ao país neste ano. Mais adiante, o avião sueco será montado parcialmente por aqui com a participação da Embraer e outras empresas brasileiras, já que um dos pontos mais claros da concorrência dizia respeito ao repasse de tecnologia para a indústria nacional.
A nova versão do Gripen tem autonomia de 1.800 km e pode voar a Mach 2 em regime de supercruzeiro (sem acionar os pós-combustor do motor). Ele é equipado com um sistema de processamento de dados integrado que se comunica com a base de comando e com outras aeronaves. Uma de suas características é a grande versatilidade, a operação em pistas curtas e a possibilidade de transportar uma grande variedade de armamentos.
Já o KC-390 é o mais ambicioso projeto já desenvolvido pela Embraer. Ele surgiu da necessidade da FAB substituir sua frota de aeronaves de transporte por um aparelho veloz e capaz, além de mais moderno. O segmento é até hoje dominado pelo famoso C-130 Hércules, da Lockheed Martin, mas algumas empresas hoje estão de olho na necessidade de substituição das versões mais antigas.
Equipado com dois turbofans IAE V-2500 de 139 kN de empuxo, o jato é capaz de transportar até 26 toneladas de carga. Entre as diversas configurações estão o transporte de 80 soldados ou três jipes Humvee, um helicóptero, entre outros equipamentos.
A FAB recebeu o primeiro KC-390 em setembro de 2019 e a frota já conta com quatro aeronaves (de 28 unidades encomendadas). Já o Gripen E/F segue em desenvolvimento na Suécia e no Brasil e logo deve ser certificado para o uso militar. São duas aeronaves decisivas para elevar o alcance e capacidade da FAB, que desde o ano passado vem provando o seu valor em missões de apoio ao combate da pandemia de COVID-19.