Nos anos 80, a Varig possuía cerca de 80 aviões em sua frota, que incluía quase todos os modelos da Boeing e de quebra jatos da Airbus e da McDonnell Douglas, algo comum nas grandes empresas cuja falta de padronização era regra. Nessa mesma época, uma pouco conhecida companhia aérea dos EUA, no entanto, testava um conceito diferente, a Southwest.
Após iniciar seus voos em 1971 no Texas, a companhia passou a adotar o que viria a ser a estratégia “low-cost”, em que para tornar as passagens mais acessíveis tudo que pudesse ser economizado era considerado na conta. Um desses aspectos, na visão de seu fundador, Herb Kelleher, era justamente a padronização da frota.
Apesar de chegar a ter operado alguns Boeing 727, a Southwest passou a concentrar todos os seus esforços no 737, que ganhava espaço na aviação justamente nesse período. A ideia era simples: com um tipo apenas de equipamento era possível economizar com treinamento e manutenção.
E assim a Southwest tornou-se um gigante que hoje possui cerca de 750 aviões, todos eles Boeing 737. A companhia transportou mais passageiros em 2018 que qualquer outra rival dentro dos EUA, batendo as tradicionais e imensas American Airlines, Delta Air Lines e United.
Mas nem tudo são flores na empresa texana. O aterramento do 737 MAX, aeronave que ela praticamente patrocinou em 2011, tem motivado seus executivos a considerar o que parecia impossível, optar por um avião de outra fabricante.
Um modelo para cada demanda
Durante apresentação dos resultados do terceiro trimestre, Gary Kelly, CEO da Southwest, admitiu que a companhia aérea pode abrir mão da padronização: “É hora de olharmos essa questão? Sim. Não agora, mas no próximo ano talvez”.
Segundo o executivo, a Southwest analisou profundamente o A320neo antes de decidir investir tudo no 737 MAX. Se soubesse que teria que manter nada menos que 34 jatos do modelo no solo por quase um ano talvez a decisão tivesse sido diferente, mas o problema com o avião da Boeing jogou luz sobre essa máxima de que um tipo de aeronave apenas é certeza de um custo de operação menor.
Empresas que são dependentes do 737 MAX para suas estratégias como a Norwegian Air e a Gol estão sofrendo com a espera pelo retorno do avião à operação. A empresa norueguesa desistiu de vários voos transatlânticos enquanto a companhia brasileira manteve apenas os voos de Brasília para a Flórida e com uma escala indesejada no Caribe por conta da menor autonomia do 737-800.
Para outras companhias aéreas, a padronização de frota é uma espécie de armadilha que engessa a operação e sua malha de voos. Ao depender apenas de um fabricante e um modelo, essas empresas perdem a capacidade de se adaptar às mudanças na demanda em certas rotas, mas não é só. Há também o ganho de oportunidade ao optar por aeronaves mais novas cujo custo operacional é muito menor que o de aviões mais antigos – e que mesmo padronizados não trazem resultado semelhante.
O grupo IAG, dono das companhias British Airways e Iberia, entre outras, não mantém fidelidade com qualquer fabricante. Pelo contrário, seu presidente, William Walsh, tem buscado confrontar Boeing e Airbus em busca de melhores condições nas encomendas, algo que a fidelidade da Southwest e da Gol não permite em tese.
Recentemente, em meio aos problemas do 737 MAX, o CEO irlandês surpreendeu o mercado ao anunciar a intenção de adquirir 200 unidades do avião da Boeing – a maior parte das empresas do grupo opera a família A320, inclusive a BA.
No Brasil, a Gol parece mais fiel à ideia de seguir com sua estratégia de frota única, mas a crise do MAX teria feito a empresa pensar no leasing de aviões 767 para suprir algumas rotas internacionais, o que já fez no passado.
Se um dia veremos um A320 nas cores da Southwest ou da Gol é um mistério, mas é certo que o conceito de frota padronizada já não parece ser a única forma de economizar dinheiro na aviação comercial.
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Antigamente, um mesmo tipo não podia cumprir várias rotas.