Já não é mais prognóstico ou expectativa. O tráfego aéreo mundial retoma seu ritmo acelerado de crescimento, já superando, em várias regiões, os níveis pré-pandemia.
Tenhamos em mente que, ao longo dos últimos 40 anos, enquanto a população mundial cresceu de quatro para oito bilhões de habitantes, o tráfego anual de passageiros, nos aeroportos de maior movimento, saltou de 25 para 100 milhões – a necessidade e o desejo humanos de voar crescem a uma velocidade duas vezes maior que a população mundial. Porém nem tudo são boas notícias. É conhecida a dor do crescimento!
A cada dia, a “cidade aeroporto” torna-se mais congestionada. Como gerenciar de forma segura e eficiente a superfície de aeroportos onde, cada vez mais, circulam aeronaves, veículos e pessoas? E os novos tempos trazem novos desafios – como os eVTOLs (do termo em inglês electric vertical take-off and landing, ou aeronaves elétricas com capacidade de pousar e decolar na vertical).
Para compreender a natureza e a dimensão do desafio, talvez sequer fossem necessárias as diversas recomendações da ICAO (Organização Internacional de Aviação Civil), no que se refere à segurança e eficiência das operações, que consideram os aspectos de visibilidade, volume de tráfego e complexidade da planta do aeroporto.
A lógica e o bom senso deveriam ser suficientes para compreendermos que a capacidade de enxergar a movimentação de aeronaves, veículos, pessoas, etc., na superfície do aeroporto seria, a cada dia mais, vital para prever a iminência de incursões de pista e assegurar uma coordenação ágil e eficiente dos diversos atores em operação na superfície do aeroporto.
Claro, nós humanos temos a capacidade caminhar, mesmo às escuras e é fantástico o algoritmo mental que desenvolvemos para nos adaptarmos ao ambiente externo e caminharmos com reduzida consciência situacional. Mas, certamente, seríamos capazes de caminhar de forma bem mais ágil, eficiente e segura em um ambiente iluminado.
No que diz respeito à gestão aeroportuária, a América Latina assemelha-se a um indivíduo, de tal forma apegado à sua habilidade de caminhar às escuras, que passa a recusar o benefício da luz, perpetuando uma operação de baixa consciência situacional, em aeroportos cada vez mais congestionados.
Um exemplo atual, vindo do aeroporto mais movimentado da região, nos desafia a refletir sobre o assunto. O Aeroporto Internacional Benito Juárez (Cidade do México), tendo alcançado níveis inaceitáveis de saturação, vem registrando, com tamanha frequência, incidentes de incursão em pista e atrasos operacionais caóticos, que acaba de ter rebaixado seu nível de segurança pela FAA (Agência de Aviação Norte-Americana) e reduzida sua capacidade máxima de operações.
Tais medidas impõem graves perdas às companhias aéreas Mexicanas e enormes prejuízos à economia do país.
Ao longo dos últimos anos, a indústria desenvolveu tecnologias de vigilância de superfície de alta eficiência e custo reduzido – a vigilância cooperativa. Esta tecnologia utiliza dados que são transmitidos automaticamente pelos transponders instalados nas aeronaves e em veículos com acesso às áreas críticas do aeroporto, para fornecer aos controladores de voo, operadores aeroportuários, companhias aéreas e demais entidades operando no aeroporto visualização precisa, em tempo real, de aeronaves e veículos na superfície – ou seja, máxima consciência situacional.
E tudo isto é tecnologia existente, amplamente utilizada em outras regiões, e claramente recomendada em diversos documentos da ICAO.
Infelizmente, o que temos assistido na América Latina é a
perpetuação da operação aeroportuária às escuras, mesmo quando suas
consequências mais nefastas batem à nossa porta, causando imensos
estragos em nosso aeroporto mais movimentado.
Que ao menos o processo traumático por que passa nosso aeroporto
mais congestionado, sirva para que a América Latina finalmente
desapegue-se de seu orgulho por uma operação aeroportuária arcaica,
desprovida de vigilância de superfície.
Sergio Martins – é engenheiro com mais de 35 anos de experiência em gestão de tráfego aéreo. Formou-se também em Administração de Empresas pela COPPEAD UFRJ, Ciência do Marketing pela PUC-RJ, Desenvolvimento de Marcas pela ESPM-RJ e Comércio Exterior pela FGV. Atualmente é diretor de Air Traffic Management na Saab Brasil.