A 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo decretou a falência da Viação Itapemirim e suas coligadas nesta quarta-feira, 21, colocando fim em um processo tortuoso iniciado em 2016. Segundo a administradora judicial do grupo, a EXM Partners, a dívida acumulada é de R$ 2,8 bilhões apenas em débitos fiscais.
Um dos pivôs do fim da empresa, segundo a EXM, foi o desvio de R$ 45 milhões do grupo para financiar o projeto da Itapemirim Transportes Aéreos (ITA). Liderada pelo empresário Sidnei Piva de Jesus, conhecido por assumir empresas em situação financeira delicada, a companhia aérea foi anunciada em fevereiro de 2020, um mês antes que a pandemia do Covid-19 chegasse ao Brasil.
Na ocasião, Piva declarou que havia obtido um aporte de US$ 500 milhões de um fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos. O empresário até participou de uma viagem ao país no Oriente Médio acompanhando o então governador do estado de São Paulo, João Doria. O presidente da empresa foi além ao afirmar que havia encomendado 35 aviões junto à Bombardier e que o primeiro deles seria entregue em 2021.
Logo ficou claro que o quadro pintado por ele era fictício: o investimento nunca chegou e os aviões novos tornaram-se meia dúzia de Airbus A320 usados, alugados por preços baixos causados pela queda na demanda do tráfego aéreo durante a crise sanitária.
Apesar da situação complicada da Viação Itapemirim, Sidnei Piva apostava na integração entre o modal aéreo e rodoviário como diferencial de negócio. Além disso, baseou seu projeto numa estratégia arriscadíssima ao oferecer passagens aéreas com direito a escolha de assento, despacho de bagagem e serviço de bordo. De quebra, reduziu a quantidade de assentos no A320 para apenas 162 lugares quando suas rivais transportam quase 190 passageiros.
No dia 30 de junho, o primeiro voo decolou de Guarulhos em direção à Brasília com convidados e jornalistas. Nos dias seguintes três jatos Airbus passaram a realizar uma malha de voos confusa e que cobria muitos destinos com pouca oferta de opções.
Em julho do ano passado, a empresa transportou apenas 40 mil passageiros, mas menos da metade deles pagou as passagens. No mês seguinte, o volume subiu, mas a ocupação seguiu muito aquém do necessário. A Itapemirim então passou a mostrar sinais de fragilidade em sua operação, com atrasos e cancelamentos frequentes. A empresa também não compartilhava seus dados operacionais com a ANAC, sendo multada por isso.
Ainda longe de estabelecer um serviço confiável em algumas rotas, a ITA decidiu estrear em Congonhas e chegou a cancelar vários voos para realizar fretamentos para um jogo de futebol no Uruguai – Piva não perdeu a pose ao afirmar que aqueles eram os primeiros voos internacionais da empresa. Antes disso, ele já havia previsto uma frota imensa e que incluíria até widebodies.
Na noite da sexta-feira 17 de dezembro a “realidade bateu à porta” da Itapemirim. Com os serviços de handling suspensos pela sua fornecedora (que não recebia há tempos), a companhia aérea anunciou a “suspensão temporária” dos voos, deixando milhares de passageiros no chão.
Resta entender por que um projeto com tantas provas de ser inviável conseguiu chegar tão longe no Brasil.