Guarulhos faz 40 anos: a concepção e o desenvolvimento do principal aeroporto do Hemisfério Sul

Implantado em uma época de recursos escassos, Guarulhos, ou Cumbica para alguns, foi inaugurado em 20 de janeiro de 1985
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Guarulhos é hoje o aeroporto com mais operadores estrangeiros da América do Sul (Portal da Copa).

Em 20 de janeiro de 1985, o Boeing 747-200B PP-VNA pousava em Guarulhos como voo RG861, procedente de Nova York. Seria um voo comum se não fosse um detalhe: era a primeiro pouso comercial no novíssimo Aeroporto Internacional de Cumbica, o início do fim de um imbróglio que começou 30 anos antes.

Na próxima segunda-feira, 20, portanto, o maior aeroporto do país completa 40 anos em atividade, transformando a aviação comercial de forma decisiva. Acompanhe a seguir um pouco da história da criação do gigante:

Um aeroporto internacional para chamar de seu

Em meados dos anos de 1950, São Paulo vivia um momento de euforia. Sob os holofotes da “cidade que mais crescia no mundo”, a capital paulista tornara-se o centro econômico e industrial do Brasil, além da mais populosa. O reflexo da pujança era visto no Aeroporto de Congonhas, o terceiro maior do mundo em movimento de cargas, atrás apenas de Londres Heathrow e Paris Orly.

Ao mesmo tempo, São Paulo disputava com o Rio de Janeiro o título de maior polo gerador de tráfego aéreo do Brasil. A cidade fluminense era a capital do país, sede das empresas estatais, centro cultural, ainda tinha relevância econômica e era a mais conhecida das cidades brasileiras no exterior, que atraía turistas para conhecer as belezas da Cidade Maravilhosa na então exótica América do Sul.

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Aeroporto de Congonhas em meados da década de 1950 (Werner Haberkorn).

A consagração de São Paulo como capital econômica coincidiu com a ascensão dos jatos puros. Mais tecnológicos, os novos aviões precisavam de mais pátios para operar, lugares relativamente distantes por causa do barulho e, principalmente, pista suficiente para decolagem.

A pista era o “calcanhar de aquiles” de Congonhas, implantado sobre um platô na Zona Sul de São Paulo para evitar enchentes, como ocorria no Campo de Marte. Desta forma, o aeroporto passou a ser inviável para operação dos grandes jatos, enquanto o Aeroporto Internacional do Galeão possuía pista suficiente para os aviões.

São Paulo foi relegada na corrida dos jatos por não oferecer estrutura adequada aos aviões. Apenas aeronaves como o Caravelle e o BAC 1-11 conseguiam operar no aeroporto, enquanto outros grandes jatos como o Boeing 707 operavam no Galeão.

O Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, teve a pista ampliada para ser aeroporto alternativo caso Galeão fechasse. Apesar de dizer que atendia São Paulo, Viracopos ficava a 100 km do centro da capital, colocando o aeroporto como um dos mais distantes do mundo servindo a cidade designada, junto com Milão Malpensa.

Aeroporto de Viracopos no dia da sua inauguração a partir do Viscount 827 da VASP. Na pista, o Boeing 707-441 PP-VJB da VARIG.
Aeroporto de Viracopos no dia da sua inauguração a partir do Viscount 827 da VASP. Na pista, o Boeing 707-441 PP-VJB da VARIG (Arquivo Público do Estado de São Paulo).

Ir ou sair de São Paulo para os Estados Unidos e Europa significava parar no Galeão ou em Viracopos. No primeiro era necessário pegar outro avião para chegar em Congonhas, no segundo, a distância poderia ser feita de carro pela Rodovia dos Bandeirantes.

Não havia ganho de tempo de um em relação ao outro. Outra alternativa, deficitária para as aéreas, era oferecer Congonhas-Viracopos de avião. A SADIA chegou a fazer a rota com os Dart Herald a partir de um acordo com a British United Airways – BUA.

A disputa para ser o portão de entrada do Brasil

No final dos anos de 1960, a maioria dos aeroportos brasileiros nada mais era que edificações modestas que foram sendo adaptadas ou ampliadas para o tráfego aéreo. O Galeão usava estruturas de décadas anteriores e os jatos transportavam entre 80 e 170 passageiros, o dobro das aeronaves à hélices. Além disso, a tendência era de chegar na casa dos 350 ocupantes com os widebodies, ou aeronaves de duplo corredor.

Em 1967, o governo federal criou a Comissão Coordenadora do Projeto Aeroporto Internacional (CCPAI) para os estudos e projetos dos novos aeroportos brasileiros, entre os quais São Paulo e Rio de Janeiro. A visão dos militares na época era que um aeroporto seria o internacional, portão de entrada do Brasil, e outro nacional com alguns voos para América do Sul e alternativa para o internacional.

Se hoje a ideia soa anacrônica, no final dos anos de 1960 era vista como forma de gerenciar melhor os recursos, mesmo que significasse impor ao passageiro conexões desnecessárias.

Em 1970 foi escolhido que o Galeão seria o portão de entrada do Brasil, e a CCPAI assessorou a criação da ARSA – Aeroportos do Rio de Janeiro S.A, através da Lei 5.580/1970. Inúmeros fatores constavam na escolha do Galeão: o sítio aeroportuário já estava estabelecido, sem necessidade de desapropriações, existia o lobby militar para escolher o Galeão e até uma certa tentativa de evitar que São Paulo ganhasse mais protagonismo.

O estado já estava consolidado com o poder econômico de deter 50% da riqueza nacional, enquanto o Rio de Janeiro começava um leve declínio após a transferência da capital federal para Brasília. Portanto, optar por São Paulo seria fortalecer mais o capital político e simbólico do estado.

Mas São Paulo também tinha imbróglios internos que dificultavam a escolha do novo aeroporto. Os estudos iniciais do governo estadual na década de 1950 estabeleciam que o aeroporto deveria ficar em Mogi das Cruzes – inclusive com um bairro hoje denominado Jardim Aeroporto, depois Ibiúna, até ser escolhida Caucaia do Alto, mas que enfrentou forte oposição por ser um dos principais remanescentes da Mata Atlântica na Grande São Paulo. Enquanto o “Novo Galeão” estava quase pronto, São Paulo ainda discutia qual seria o lugar do novo aeroporto.

No final, a área escolhida foi a Base Aérea de Cumbica, no município de Guarulhos, em uma área cedida pela Aeronáutica. Pela proximidade da Serra da Cantareira e a formação de nevoeiros, Cumbica – que significa nuvens baixas em Tupi, foi criticada por ser o novo aeroporto, mas se o governo paulista quisesse o apoio federal, já que estava sem capacidade de tocar a obra sozinha, teria que ceder.

Em 23 de maio de 1979 foi criada a Comissão Coordenadora do Projeto do Sistema Aeroportuário da Área Terminal São Paulo – COPASP, com o objetivo de criar uma estratégia de articulação entre os Aeroportos de Congonhas, Viracopos, o novo de Cumbica, Campo de Marte, São José dos Campos e Santos. Os recursos do COPASP seriam divididos em 55% com o governo federal e 45% com o governo do estado de São Paulo.

O plano inicial do aeroporto

O projeto inicial de Cumbica era composto por quatro terminais do tipo píer em formato de Y, cada um com capacidade para 7,5 milhões de passageiros/ano e com 11 pontes de embarques, duas pistas de pouso, com uma terceira a ser construída quando o tráfego aéreo atingisse determinado movimento. Complementava o complexo aeroportuário terminais de carga, hangares de manutenção, hotel, armazenamento de combustível e pontos de remota.

Masterplan do Aeroporto de Internacional de Guarulhos.
Masterplan do Aeroporto de Internacional de Guarulhos (Divulgação).

As duas pistas inicias não permitiam a operação simultânea de pousos e decolagens e a terceira pista teria extensão de 1.800 metros,  além de uma taxiway em que a aeronave precisava cruzar a pista tanto para decolar quanto para ir aos terminais.

Ao contrário do Galeão, o aeroporto de Guarulhos foi pensado prioritariamente para voos domésticos e, portanto, para aeronaves menores que o 747. Conta a história que os píers deveriam ter capacidade de estacionar os 747 perpendicularmente ao terminal e o oficiais do governo exigiram que fosse para aeronaves menores. Os projetistas, não acreditando que Guarulhos suportaria apenas voos domésticos, colocaram pontes de embarques nas extremidades, de tal forma que os 747 pudessem parar diagonalmente nos fingers.

Terminal 1 próximo do término, enquanto que o Terminal 2 encontra-se em construção.
enquanto que o Terminal 2 encontra-se em construção (Divulgação).

A inauguração

Além do 747-200 inaugural, estiveram presentes na inauguração o A300-200 PP-SNL da VASP, o PT-TAA da Transbrasil, o 737-200 Presidencial da Força Aérea Brasileira e o EMB-120 da Embraer. No dia da inauguração, mais de 20.000 pessoas foram conhecer o aeroporto que retiraria São Paulo de uma posição precária nos voos internacionais. Muitas delas, eufóricas, invadiram o aeroporto e andaram pelos pátios até chegarem no terminal.

Inauguração do Terminal 1 de Guarulhos. Observa a posição do 747 e a ausência boxes para o estacionamento deles perpendicularmente ao pier.
Inauguração do Terminal 1 de Guarulhos. Observa a posição do 747 e a ausência boxes para o estacionamento deles perpendicularmente ao pier (Divulgação).

O início de operação foi bastante limitado, apenas com alguns voos internacionais estendidos do Galeão e as operações sul-americanas que estavam em Congonhas. Apenas em agosto de 1985 os voos domésticos deixaram o tradicional aeroporto paulistano, com exceção da Ponte Aérea Rio-São Paulo e de voos regionais.

A inauguração consistia no Terminal 1 (TPS1) e seu píer, além das pistas 09R/27L (3.000) e 09L/27R (2.500), atualmente as pistas foram renomeadas para 10R/28L e 10L/28R, respectivamente. A extensão para 3.700 metros da então pista 09L/27R em 1989 e a entrega paliativa do Terminal 2 (TPS2) entre 1991 e 1993 permitiram que Guarulhos recebesse mais operações.

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Aeroporto de Guarulhos em 1984, na véspera de inauguração. A pista 09L/27R ainda possuía 2.500 metros de extensão (Divulgação).

Consolidação

Quando o TPS 2 e a extensão da segunda pista foram concluídas, Guarulhos começou a se estabelecer definitivamente como o principal aeroporto internacional do país. As últimas empresas a se mudarem para o aeroporto foram a Swissair e a SAS, na virada dos anos de 1990.

Guarulhos avançava para saturar seus dois terminais menos de 13 anos após serem inaugurados. Em 1997 atingiu a marca de 13 milhões de passageiros, fazendo dele o maior aeroporto da América do Sul.

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O gigante Airbus A380 fez o primeiro pouso na América do Sul em 10 de dezembro de 2007. O objetivo era avaliar as condições técnicas de operar no aeroporto e apresentar para a TAM (Wellington Tohoru Nagano).

A incapacidade financeira da Infraero e a prioridade para outros aeroportos fizeram com que Guarulhos passasse a enfrentar constantes problemas de saturação dos terminais e pátios. Medidas paliativas como a ampliação dos píers (2003), o Módulo Operacional Provisório (2011) e o Terminal 4 (2012) no antigo hangar da VASP não surtiram tanto efeito.

Era necessário a construção do Terminal 3 para resolver os problemas de superlotação de Guarulhos. Estudos foram feitos, inclusive o último previa um terminal de linhas futurísticas, como porta de entrada para a Copa do Mundo de 2014.

CRJ-900 da PLUNA chega de Montevidéu. Ao fundo, sob a estrutura da remota, encontra-se o Módulo Operacional Provisório.
CRJ-900 da PLUNA chega de Montevidéu. Ao fundo, sob a estrutura da remota, encontra-se o Módulo Operacional Provisório (Wellington Tohoru Nagano).

Privatização

Já era claro desde a década de 2000 que Guarulhos precisava de muito investimento e o Estado não tinha condições de arcar com as obras. Junto com Galeão e Viracopos, Cumbica foi concedido à iniciativa privada em 08 de fevereiro de 2012.

O vencedor foi o consórcio GRU Airport, formado pela Invepar e Airports Company of South Africa (ACSA), respondendo por 51% das ações do novo terminal, com a Infraero com os 49% restantes. A duração da concessão é de 20 anos.

Ao assumir Guarulhos, a GRU Airport tinha pressa: entre as exigências da concessão era a construção do Terminal 3 até a Copa de 2014. Um trabalho hercúleo e que exigiria muitos homens/hora e investimentos. O terminal proposto pela Infraero foi trocado por um mais ortodoxo e simples, porém de fácil execução e de rápida construção.

No dia 20 de maio de 2014, poucas semanas antes da Copa do Mundo, o Terminal 3 foi inaugurado, colocando o aeroporto com um dos terminais mais modernos da América Latina. Houve renomeação dos terminais: Terminais 1 e 2 passaram a ser apenas Terminal 2, com foco em voos domésticos e alguns internacionais; o Terminal 3 continuou com a nomenclatura; e o Terminal 4 tornou-se Terminal 1.

Complexo aeroportuário do Aeroporto de Guarulhos.
Complexo aeroportuário do Aeroporto de Guarulhos (Wellington Tohoru Nagano).

Momentos tristes

Mas nem tudo são alegrias na história de Guarulhos. O primeiro acidente envolvendo vítima fatal foi em 28 de janeiro de 1986, quando o Boeing 737-200 PP-SME da VASP se chocou com o barranco ao errar a pista, causando o falecimento de um passageiro.

Em 21 de março de 1989, o Boeing 707-300 PT-TCS que fazia o voo Transbrasil 801 vindo de Manaus, caiu próximo de aterrissar no aeroporto, em virtude de spoilers abertos e a preocupação de pousar antes da pista principal ser fechada, o avião perdeu sustentação e caiu em uma comunidade, vitimando os três tripulantes e 22 pessoas em terra.

Um dia triste para o aeroporto e o Brasil foi o pouso do PP-VOQ em 04 de maio de 1994, trazendo o corpo de Ayrton Senna, após o trágico acidente em Imola no dia primeiro de maio. O voo RG723 procedente de Paris Charles de Gaulle pousou de manhã e parou no box I07, com uma multidão de fã aguardando a chegada do tricampeão.

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Outro acidente de comoção nacional foi em 02 de março de 1996, quando o Learjet 25 PT-LSD se chocou contra a Serra da Cantareira após arremeter. O avião transportava o grupo musical Mamonas Assassinas, no auge da carreira. Faleceram os cinco integrantes da banda, dois funcionários e os dois tripulantes do avião.

Guarulhos hoje

Em 2002, Cumbica foi renomeado para Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, ironicamente o mesmo político que foi contra a implantação do aeroporto em Guarulhos e que inaugurou o mesmo em 1985.

Hoje Guarulhos é o maior aeroporto do Hemisfério Sul em termos de movimento de passageiros, com 41 milhões de passageiros, e brevemente foi o maior da América Latina ao ultrapassar o Aeroporto Internacional Benito Benitez, da Cidade do México. A sua supremacia regional pode ser ultrapassada em breve pelo Aeroporto El Dorado, de Bogotá.

Apesar disso, Guarulhos é considerado o aeroporto mais concorrido da América Latina, com voos para as Américas, Europa, Ásia, Oriente Médio e África, com a Oceania sendo o único continente habitado sem voos para o aeroporto. Além das empresas atuais, passaram por Guarulhos empresas como a Pan American World Airways, British West Indies Airways, Air Aruba, Middle East Airlines, LADECO, VIASA, Etihad Airways, Japan Airlines, Korean Air, Spanair, El Al, Tower Air, Canadian Airlines, Aerocancun, Cubana de Aviación, Ecuatoriana, PLUNA, SABENA, Aeroflot, SAS, Swissair e Singapore Airlines.

Com sócios privados, começaram investimentos maciços não só na operação de aviação comercial, mas em áreas correlatas. A American Airlines e LATAM passaram a ter hangares de manutenção do aeroporto, com a United Airlines também com planos para construir; foi inaugurado o terminal voltado para aviação executiva; e investimentos no setor de cargas e no real estate dentro dos terminais.

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A American Airlines construiu dois hangares no local onde seriam os da VASP (Afonso França).

O aeroporto contará com serviço de trem entre seus terminais e a estação Aeroporto Guarulhos da Linha 13 da CPTM. O serviço será por meio da tecnologia Aeromóvel, presente nos aeroportos de Porto Alegre e Jakarta, denominado AeroGRU. Com isso, se busca oferecer melhor comodidade entre os passageiros, funcionários e frequentadores do aeroporto com a rede metroferroviária de São Paulo.

Linha 13 da CPTM
Trem Série 2500 da CPTM na estação Aeroporto-Guarulhos. Os trens possuem bagageiros e rack para malas (Divulgação).

Ao completar 40 anos, o Aeroporto Internacional de Guarulhos faz jus à pujança de São Paulo. Sua concepção e desenvolvimento foram difíceis e nem sempre como planejado, mas hoje o aeroporto consolidou como a principal porta de entrada do país e um dos principais aeroportos do mundo.

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