Assim como a Guerra das Malvinas, a “Guerra do Cenepa”, conflito entre Equador e Peru que aconteceu em 1995, é outra história militar na América Latina motivada pela ambição desmensurada de governantes. A região conhecida como “Alto Cenepa”, que compreende a Cordilheira Condor e atualmente a província peruana Condorcanqui, tem um total de 75 km² de terrenos de difícil acesso e clima hostil. Apesar de pouco promissor para qualquer atividade comercial, o local motivou um sangrento conflito entre as duas nações sul-americanas há 20 anos.
Os dois países vêm trocando farpas e entrando em guerra desde a era pré-colombiana, quando os Incas dominavam grande parte da América do Sul. Mas a Guerra do Cenepa foi o resultado final de outros dois conflitos que Equador e Peru travaram no século XX.
Entre 1941 e 1942, o Peru invadiu uma porção do Equador e os países voltariam a entrar em combate em 1981, no conflito que ficou conhecido como “Guerra de Paquisha”. Nesse segundo encontro, o Equador conseguiu deter o avanço peruano e a partir daí tomaria medidas para não ficar mais em desvantagem diante de seu vizinho.
Devido a esses impasses, Peru e Equador não haviam definido até 1997 a parte final de suas fronteiras. Em 1995, Alberto Fujimori, então presidente do Peru e em campanha para reeleição, precisava de um artifício para elevar sua moral com a população e determinou que riscaria o final da fronteira a favor de sua nação.
Na década de 1970 e 1980, o Peru foi um dos países mais armados da América do Sul, medida tomada também para combater o grupo terrorista Sendero Luminoso. No anos 1970, o país, então apoiado pela União Soviética, recebeu uma frota de caças-bombardeiros Sukhoi Su-22 e helicópteros Mil Mi-8 e o temível Mi-24, que combatia insurgentes no Afeganistão com fogo de canhão e foguetes. A Fuerza Aérea del Peru (FAP) ainda possuía uma interessante coleção de aviões de ataque e caça, como Mirage 5, Cessna A-37 e o veterano bombardeiro BAe Camberra, formando uma força com aproximadamente 80 aeronaves de ataque na época do conflito.
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Porém, nos anos 1990, com a queda da URSS, os Su-22 estavam obsoletos e sem peças de reposição. O Peru até havia comprado recentemente os modernos caças Dassault Mirage 2000, mas ainda não sabia como operar seus mísseis. O Equador, em contrapartida, após a Guerra de Paquisha, preparou uma força aérea enxuta, porém moderna. Adotou os caças Mirage F1 e IAI Kfir e também formou um esquadrão de SEPECAT Jaguar, que não entrariam em combate mas seriam uma importante arma de dissuasão durante o conflito.
Primeiro disparo
No dia 9 de janeiro daquele ano uma patrulha de soldados peruanos foi capturada pelo Exército do Equador em seu território e logo em seguida foram libertados. Esse era apenas o começo de uma mobilização do Peru, que seria oficializada no dia 25 no mesmo mês.
Enquanto observava a movimentação das forças armadas do Peru, o Equador iniciou a construção de postos de controle no norte da Cordilheira Condor e as margens do Rio Condor, que foram chamados de “Base Sur” e “Tiwinza”. Ao passo que soldados equatorianos marchavam em direção ao Cenepa, as forças peruanas iniciaram o sobrevoo de reconhecimento com helicópteros Mi-8 e Mi-24, ambos de fabricação russa, sobre as posições do Equador, marcando suas coordenadas para uma série de ataques que viriam nos dias seguintes.
Na manhã de 28 de janeiro, as forças peruanas lançaram seu primeiro ataque contra a “Base Sur” e tentaram conquistar as posições equatorianas na margem do Rio Cenepa com avanço de soldados deslocados em helicópteros Mi-8. Uma dessas aeronaves foi alcançada por um míssil terra-ar equatoriano e acabou destruída, matando os dois tripulantes e as posições terrestres do Equador não foram derrubadas, forçando os peruanos a recuarem. Neste mesmo dia os caças russos Sukhoi Su-22 do Peru, sobrevoaram a região, mas não lançaram suas bombas devido ao mau tempo, que estaria presente em todas as ações aéreas, levando os pilotos e aeronaves de ambos os lados ao limite físico.
Com a morte de seus primeiros soldados e a perda do primeiro helicóptero, os militares peruanos voltaram a mesa de estratégias e preparam uma nova incursão aérea, desta vez noturna. O primeiro ataque foi lançado na madrugada do dia 1 de fevereiro com um esquadrão formado por quatro bombardeiros Camberra Mk-68 voando em baixa altitude e cada um carregando seis bombas de 450 kg. Nesta primeira missão uma das aeronaves, novamente devido ao mau tempo, caiu próximo a um destacamento peruano em Tiwinza.
Os ataques peruanos para tentar desgastar as defesas peruanas, inclusive com aeronaves EMB-314 Tucano, continuaram intensos pelos nove dias seguintes, com constantes bombardeiros e ataques de helicópteros, quase sempre sem efeitos significativos. No dia 7 de fevereiro os equatorianos conseguiram derrubar com tiros de canhão um helicóptero Mi-24, que ainda seria atingindo por um míssil, explodindo no ar antes de cair.
Guerra supersônica
Decididos a acabar com as incursões de bombardeiros peruanos sobre os soldados na floresta, a Fuerza Aérea Ecuatoriana (FAE) decidiu por no ar seus caças Mirage F1 e Kfir com armamento para derrubar o que surgisse pela frente. E apareceram dois Su-22, um Cessna A-37 e mais dois helicópteros da FAP, que foram abatidos por mísseis. Nesse meio tempo os equatorianos perderam apenas um A-37, abatido por um míssil terra-ar peruano durante uma missão de apoio a forças terrestres.
“Assim que efetuamos os abates, nos lançamos em manobras evasivas, pois havia um alerta de radar passivo, que comunica ao piloto a ameaça de outro avião por perto. Porém, não surgiram outros aviões atrás de nós, mas o aviso eletrônico persistiu, o que nos forçou a lançar a tiras de shaff para enganar o radar”, descreveu na época o major Raúl Eduardo Banderas Dueñas, em comunicado da FAE, que derrubou um Su-22. Seu companheiro, o Capitão Uscátegui, abateu outro caça peruano, na mesma investida a bordo de caças F1.
A ação ofensiva do Equador deteve qualquer chance do Peru de estabelecer a superioridade aérea sobre a região do conflito. Com os caças equatorianos voando a todo momento pelo Cenepa, as forças de Fujimori encerraram as atividades pelo ar e logo em seguida também recuou seus homens em terra. Apesar da intensa movimentação militar no Cenepa, nenhum dos países chegou a declarar oficialmente estado de guerra, mesmo com tantas mortes e aeronaves derrubadas.
Além disso, com a superioridade aérea equatoriana provada, o Peru ainda tinha o temor de ser atacado pelos caças Jaguar da FAE, que podiam levar pesadas cargas de bombas por longas distâncias. Se os peruanos continuassem com as ações ofensivas, os equatorianos tinham planos de lançar ataques em profundidade. A capital Lima era o principal objetivo.
“Paz de Brasília”
O Peru pediu intervenção da ONU no assunto, que gerou o “Protocolo do Rio de Janeiro”, que os equatorianos chamam de “Paz de Brasília”. Com mediação dos Estados Unidos, Brasil, Argentina e Chile, os governos do Peru e Equador enfim definiram suas fronteiras na região da Cordilheira Condor e assinaram um acordo de paz.
Nunca foi definido quem venceu a Guerra do Cenepa, apesar do Equador ter detido o avanço peruano e danificado seriamente a força aérea de seu vizinho, que perdeu cinco aeronaves e cerca de 60 soldados, segundo dados oficiais. Já o Equador perdeu apenas um avião e aproximadamente 30 homens. Os dois lados se declaram vencedores.
Apesar do placar positivo para o Equador durante os combates, o Peru conseguiu fechar a parte final da fronteira a seu favor e não devolveu territórios que havia invadido na década de 1940 ou então por seus ancestrais incas. O governo de Fujimori cedeu apenas uma área (mas não sua soberania) de 1 km² na região hoje chamada de Tiwinza, onde estão enterrados 14 soldados equatorianos que foram alvos de um violento ataque peruano, que ficou conhecido como “Miércoles Negro” (“Quarta-feira Negra”, em espanhol) – os homens foram atacados por ataque de RPG com munição incendiária.
O Equador, em contrapartida, enfim encontrou a paz com seu vizinho e atualmente as relações entre os países são harmoniosas, tanto no contexto comercial como cultural. Após a conclusão do Protocolo do Rio de Janeiro, as duas nações aumentaram suas trocas comercias e lideraram a criação da Federação Andina, que também envolve a Bolívia e Venezuela.
A região do Cenepa, entretanto, continua da mesma forma, totalmente inabitada, e ainda mais perigosa. Durante os conflitos o Exército do Peru espalhou dezenas de milhares de minas terrestres na região, que continuam ativas e eventualmente são encontradas por equipes de ambos os lados – quando não explodem ferindo ou matando alguém.
Após o conflito, Fujimori foi reeleito presidente do Peru, mas seu governo não duraria muito tempo. Procurado pela Interpol depois de aparecer como pivô de diversos escândalos de corrupção, que envolvia desde desvio de dinheiro a genocídio de populações indígenas, o político renunciou ao cargo durante uma viagem oficial que fazia ao Japão. Em 2007 foi extraditado para o Chile, onde está preso até hoje cumprindo uma pena de 25 anos.
O último parágrafo diz tudo: Fujimori na cadeia!
Caro Thiago, eu gostaria de corrigir dois pequenos detalhes. O primeiro, é que a antiga URSS náo combateu contra Osama Bin Laden no Afganistáo, pois, isso ocorreu muitos anos depois com os EUA. O segundo e último é que a Quarta-Feira náo se chama “Miercules” em espanhol, e sim, “Miércoles”.
A referência do emprego de Mi-24 contra insurgentes no Afeganistão, refere-se a quando Osama Bin Laden fez parte dos ~4000 Sauditas que integraram os “Mujahideen” que combateram contra os Russos nos anos 80 depois da Invasão Soviética do Afeganistão em 1979. Devidamente financiados pela Arabia Saudita e treinados pelos USA – a CIA usava membros do SAS Inglês nestes treinamentos para “não se comprometer”.