Desde os primórdios do desenvolvimento da aviação no início do século passado, pioneiros e inventores já vislumbraram a criação de máquinas voadoras capazes de pousar e decolar a partir de rios, lagos e mares. O pensamento não era infundado. Com 2/3 do planeta Terra recoberto por água, um hidroavião seria ideal para operações em regiões montanhosas e com poucas planícies para o estabelecimento de aeródromos. Ainda em 28 de março de 1910. o francês Henry Fabre conseguiu voar com sucesso o trimarã Le Canard.
Outros inventores desenvolveram hidroaviões maiores e mais confiáveis, que entrariam em serviço em vários países, no segmento militar, em missões de patrulha, reconhecimento e bombardeio; e no campo civil, estabelecendo várias linhas de transporte. Com a 2ª Guerra Mundial, muitos fabricantes mantiveram esforços para criar novos projetos de hidroaviões menos restritos e capazes de operar nos mais variados teatros de operações.
Olhando para este cenário, o Ministério da Produção de Aeronaves (MPA) do Reino Unido encomendou com o Marine Aircraft Experimental Establishment (MAEE), em 1942, o desenvolvimento de um conceito de um caça a pistão para atender especificamente este nicho.
Surpreendendo qualquer expectativa. o MAEE apontou uma solução baseada num caça a jato cujo desempenho poderia equivaler aos dos modelos convencionais empregados na época. O avião seria equipado com quatro canhões de 20mm e teria a mesma autonomia especificada no requerimento N.2/42, emitido pelo MPA.
Fugindo dos conceitos mais tradicionais, o projeto do MAEE não teria os estabilizadores horizontais, contaria com asas em gaivota e uma turbina Halford H1. Pesando 2.880kg carregado, o jato poderia atingir velocidades de até 834km/h com autonomia prevista de uma hora de voo. Em 30 de maio de 1943, a proposta foi enviada para o MPA, que solicitou a opinião do Royal Aircraft Establishment (RAE), então tradicional centro de pesquisa e desenvolvimento da Royal Air Force (RAF, Força Aérea do Reino Unido). A resposta foi positiva e o RAE acabou sugerindo algumas mudanças. Em 20 de julho, foi decidido que um modelo seria construído para testes num tanque de água. Entretanto, num curto espaço de uma semana, o cenário mudou completamente quando a Saunders-Roe (SARO) apresentou a sua proposta para um caça hidroavião a jato.
Ao contrário do projeto da MAEE, o modelo da SARO era mais convencional. O jato deveria ter peso de 3.497 kg, medir 10,6 metro de comprimento e 12,1 m de envergadura. O projeto também previa o uso de duas turbinas Halford H1, garantindo velocidade de até 756 km/h a 6.000 metros de altitude, e teto operacional máximo de 12.350 m.
Seguindo algumas modificações sugeridas pela RAE e o própria MAEE, a SARO alterou o posicionamento das turbinas, tornando o projeto mais seguro e proporcionando maior estabilidade. Com a revisão ficou claro que seria impossível utilizar as turbinas de tipo centrífugo Halford H1, cuja produção estava voltada para equipar modelos como o Gloster Meteor – que por muitos anos foi o caça da Força Aérea Brasileira (FAB). Em seu lugar, seriam utilizadas as Metropolitan-Vickers F.2/4, de fluxo axial e que apresentavam dimensões menores.
Outras mudanças ocorreram em relação as asas, que também foram alvos de críticas. A equipe redesenhou o projeto, tornando-as mais espessas para suportar os flutuadores que garantiriam a estabilidade do caça nos pousos e decolagens. As asas sofreram outras modificações, visando melhor a performance durante as subidas para grandes altitudes e também para incrementar a velocidade máxima de 894 km/h para 958 km/h a 9.144m de altitude. Com a mudança na motorização e os reforços estruturais, o peso total do projeto subiu para 6.124 kg, quase o dobro do previsto.
Muitas exigências
Em janeiro de 1944 o MPA exigiu que a distância máxima para decolagem fosse de 420 metros , enquanto a 3.048 m de altitude as velocidades máxima e de cruzeiro deveriam ser, respectivamente, de 845km/h e 459km/h.
A SARO apresentou dois projetos, os SR 44P/114 e SR 44P/113, ambos com estrutura em metal. No primeiro haveria um único duto para a saída dos gases das turbinas, enquanto no segundo cada motor teria a sua própria saída. Em 21 de março de 1944, a escolha recaiu sobre o SR 44P/113 tendo em vista a facilidade para a manutenção e a sensível redução no peso total da aeronave. Em 11 de maio, três protótipos foram encomendados, atendendo a especificação E.6/44 do Ministério do Ar.
O caça monoplace biturbina equipado com duas Metropolitan-Vickers F.2/4 deveria ter a capacidade de operar de qualquer parte do mundo (principalmente em localidades situadas no Pacífico), desempenhar não menos do que 788km/h de velocidade máxima; ter teto operacional mínimo de 12.190 m; corrida para decolagem de no máximo 25 segundos (considerando com peso máximo do caça) e pressurização do cockpit equivalente a 7.620 m quando em voos a 13.720 m de altitude. O SR 44P/113 poderia levar dois tanques externos subalares de 640 litros cada e o armamento escolhido foram quatro canhões Hispano MK.V de 20mm, com 190 projéteis cada.
Apesar das características revolucionárias para a época, o projeto E.6/44 foi aprovado unicamente para fins experimentais. A razão para tal decisão se deu pelo fato de que não havia um requerimento oficial para o programa. Entretanto, dada a capacidade de operar em qualquer local sem a necessidade de se estabelecer uma grande infraestrutura e com custo operacional mais baixo se comparado aos modelos embarcados em porta-aviões, havia um interesse por parte das autoridades em explorar a fundo essas características.
O nome da aeronave mudou para Saunders-Roe Aircraft 1 (SR A/1) e o primeiro protótipo, TG263, seguia com mais algumas modificações a medida que era construído no ano de 1946. O casco afilado em formato de faca dispunha de um leme d’água. As turbinas foram instaladas lateralmente com 5° em relação à linha central da fuselagem.
Em termos de pioneirismo, o SR A/1 foi o primeiro jato projetado no Reino Unido a ser equipado com assento ejetável, o Martin-Baker Pre-Mk.1. Essa designação foi dada pelo fato do equipamento ainda não dispor de todos os aperfeiçoamentos encontrados nos assentos Mk.1 produzidos em série posteriormente. Também foi o primeiro e o mais veloz hidroavião a jato do mundo, tendo atingido 802 km/h.
Projeto começa a afundar
Em 23 de abril de 1947, porém, a equipe de engenheiros da SARO levou um verdadeiro balde de água fria ao ser informada, mais uma vez, que não havia qualquer requerimento para o caça e que nenhum investimento seria feito futuramente naquele projeto. Mas, apesar disso, em 16 de julho de 1947, o primeiro protótipo fez seu voo inaugural, sob os comandos do piloto de testes Geoffrey Tyson.
Alguns poucos problemas de estabilidade foram constatados no projeto, que logo sofreu refinamentos aerodinâmicos. Ainda naquele ano, o TG263 fez sua primeira exibição pública no Reino Unido e, em 26 de novembro o governo autorizou uma verba que contemplava apenas 15 horas de voo de testes. Após os experimentos que incluíram ensaios na água, a aeronave foi entregue ao MAEE que realizou mais ensaios em lagos e acionamentos de motor. O certificado de aeronavegabilidade foi emitido em janeiro de 1948.
O segundo protótipo, TG267, decolou pela primeira vez em 30 de abril de 1948 com subsídio do governo cobrindo apenas cinco horas de voo. O terceiro e último protótipo, para o qual não havia incentivo das autoridades, voou em 17 de agosto com o registro TG271.
Infelizmente, já no ano seguinte, em 1949, os segundo e terceiro protótipos sofreriam acidentes com perda total. O primeiro foi com o TG271, em 12 de agosto, quando o casco colidiu contra um obstáculo durante a decolagem, fazendo com que o jato capotasse antes de afundar. O Lieutenant Commander E.W. Brown saiu ileso. A mesma sorte não teve o Squadron Leader K.A. Major, que voava o TG267 durante o treinamento para a comemoração da Batalha da Inglaterra em setembro seguinte. Durante o voo a aeronave perdeu o controle e precipitou-se no mar, matando o piloto instantaneamente.
Com o término dos financiamentos, o então único protótipo restante, TG263, foi estocado em outubro de 1949, entretanto a Guerra da Coréia deu mais um sopro de vida e uma breve esperança ao caça hidroavião a jato. Naquele momento em especial foi levantada a possibilidade de operar esse tipo de aeronave em bases avançadas, dando suporte a forças navais e tropas em superfície. A SARO então conduziu uma série de testes e o SR A/1 voltou a voar em outubro de 1950, com o registro civil G-12-1.
A fabricante tentou a sua última cartada ao oferecer uma versão mais refinada do SR A/1, que incluía flutuadores retráteis para melhorar o desempenho. Apesar das qualidades de um caça hidroavião a jato, o projeto da SARO foi considerado um investimento “antieconômico” para a época. O Reino Unido já estava financiando projetos de jatos de ataque, interdição e reconhecimento que, ao contrário do SR A/1, poderiam operar em condições meteorológicas adversas sem o risco de comprometer as operações militares.
O tempo dos caças hidroaviões, sem sombra de dúvidas, era coisa do passado.
Matéria veiculada na edição 76 da Revista Asas.
engraçado, esse jato lembra muito um desenho que existe na parede da pirâmide de Gize O.o
Fantástico! Igualmente interessante é a história do Saunders-Roe Princess, um monstruoso hidroplano de 06 motores e com uma configuração de 02 andares para passageiros, com cabines como em de um trem, cozinha, sala de refeições…
Nao esquecer o Sea Dart …. Vi um dos protótipos deste caça em San Diego
https://en.wikipedia.org/wiki/Convair_F2Y_Sea_Dart
Esse eu não conhecia! Muito boas essas matérias