Já comparado diversas vezes com um “porta-aviões”, o Aeroporto de Congonhas não registrava um acidente preocupante envolvendo uma saída de pista desde 2012 até que neste domingo, 9 de outubro, um Learjet 75 parou a poucos metros de um barranco ao lado da Avenida Washington Luiz, na Zona Sul de São Paulo.
Há quase 10 anos outro jato executivo, um Cessna Citation CJ3, não teve tanta sorte ao pousar na pista auxiliar e cair próximo ao muro que separa os limites do aeroporto da Avenida Bandeirantes. Os dois pilotos sofreram ferimentos graves enquanto a única passageira saiu ilesa.
O longo tempo sem que houvessem ocorrido situações perigosas em Congonhas é um sinal de que as modificações promovidas pela Infraero e pela ANAC surtiram efeito.
As regras mais severas de operação, aliadas a melhora da qualidade das pistas e a instalação do sistema EMAS, uma superfîcie capaz de frear um avião, certamente contribuíram para tornar o aeroporto encravado no meio da mancha urbana da capital paulista um local mais seguro.
Uma situação bem contrastante se comparada ao triste período em que vários aviões saíram da pista no início dos anos 2000, incluindo aí o mais grave acidente de Congonhas, com um A320 da TAM em 2007 e que vitimou 199 pessoas.
No entanto, persiste o risco de que aeronaves ultrapassem os limites do aeroporto e acabem se precipitando no seu denso entorno, formado por avenidas congestionadas de veículos e vários prédios e residências.
O EMAS, por exemplo, embora seja um adendo importantíssimo, tem como função reter aeronaves que apresentem problemas na decolagem e no pouso e acabem ultrapassando os limites da pista. Mas para isso, o avião deve permanecer no eixo dela, o que não ocorreu com o Learjet 75, cujo pneu esquerdo estourou no pouso e mudou sua trajetória. Foi quase o mesmo caminho que o Airbus da TAM tomou antes de se chocar um prédio de carga do outro lado da avenida.
Incidentes e acidentes de saída de pista em Congonhas nos últimos 20 anos
Data | Operador | Modelo | Matrícula | O que ocorreu |
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04/01/2003 | Particular | Cessna CitationJet | PT-XJS | Aeronave aquaplanou e caiu de uma altura de 5 metros |
01/03/2006 | BRA | Boeing 737 | PR-BRC | Jato não conseguiu frear e pilotos desviaram para a grama, parando a poucos metros do fim da pista de táxi |
06/10/2006 | Gol | Boeing 737 | ? | Boeing foi parar na grama após pousar com pista molhada |
17/01/2007 | Varig | Boeing 737 | ? | Avião vindo do Rio fez uma parada brusca, mas Varig negou gravidade na época |
16/07/2007 | Pantanal | ATR 42 | PT-MFK | Aeronave saiu da pista durante o pouso |
17/07/2007 | TAM | Airbus A320 | PR-MBK | Acidente mais grave de Congonhas, quando um A320 da TAM não conseguiu frear e atingiu um prédio na Avenida Washington Luiz |
03/09/2008 | Particular | Beechcraft King Air | PT-PAC | Turboélice ultrapassou limites do aeroporto após tentativa de decolar |
11/11/2012 | Particular | Cessna Citation CJ3 | PR-MRG | Jato teria pousado em alta velocidade na pista auxiliar, caindo perto do muro que separa o aeroporto |
09/10/2022 | Particular | Bombardier Learjet 75 | PP-MIX | Pneu estourado fez aeronave sair da pista e parar perto de barranco |
Num levantamento rápido, Airway encontrou nove incidentes e acidentes de aviões acabaram saindo da pista em Congonhas desde 2003. O primeiro deles foi um Cessna CitationJet, matrícula PT-XJS, que transportava o político Valdemar Costa Neto, atual presidente do Partido Liberal. Na época, o jato acabou aquaplanando e caindo no acesso da Avenida Bandeirantes. Apesar da gravidade, não houve vítimas sérias.
O período mais impressionante de situações perigosas ocorreu entre 2006 e 2007 quando ao menos cinco episódios envolveram aeronaves comerciais, entre eles jatos Boeing 737 da Varig, BRA e Gol além de um ATR 42 que saiu da pista no dia anterior ao acidente do voo 3054 da TAM.
Apesar das restrições impostas ao aeroporto e também a aplicação de ranhuras e outros procedimentos na pista, em 2008 um turboélice King Air também acabou caindo num barranco nos limites de Congonhas, após uma tentativa frustrada de decolagem.
Caminho inverso do Aeroporto London City
O incidente do domingo causou mais repercussão pelo longo tempo para retirar o Learjet da posição onde parou, o que refletiu em atrasos em voos comerciais até ao menos a segunda-feira.
A ABEAR, associação que representa a LATAM e a Gol, maiores operadoras de Congonhas, escolheu um alvo, os aviões particulares, sugerindo que os voos executivos sejam reduzidos. Já a Infraero, atual gestora do terminal, culpou a Supermix Concreto, dona da aeronave, pela demora em rebocar o jato.
Leiloado em agosto, o Aeroporto de Congonhas será administrado pela empresa espanhola Aena Brasil, que deverá fazer pesados investimentos nos próximos anos. Mas a expectativa é que o movimento de aeronaves seja ampliado ao mesmo tempo em que existe a possibilidade de mudanças importantes nas pistas, inclusive a construção de uma nova estrutura que substituíria as originais.
A percepção em relação ao antigo aeroporto, que completará 87 anos em abril do ano que vem, é bastante diferente da visão de outros países a respeito de terminais aéreos centrais. Como já mostrado por Airway em outras ocasiões, o Aeroporto London City, na capital britânica, passa por uma situação semelhante a Congonhas, porém, com medidas bem diferentes.
Lá não operam aeronaves do porte de um Boeing 737 ou um Airbus A320. O maior jato a ser autorizado é o E195-E2, da Embraer, mas desde que realize procedimento de aproximação mais íngreme a fim de reduzir ruídos nas redondezas – preocupação inexistente nas agências e órgãos de aviação brasileiros.
A única pista do London City, localizada ao nível do mar, possui 1.340 metros entre as marcas de pouso, mas 1.660 de comprimento asfaltado. O ponto mais próximo de uma avenida fica a 250 metros, o dobro de Congonhas se consideramos o eixo da pista – as “bordas” do terminal paulistano chegam a ficar a menos de 20 metros da rua.
Assim como no Brasil, há um movimento para tentar ampliar o número de operações no aeroporto londrino, que hoje não chega a metade de Congonhas. A ideia é atender até 9 milhões de passageiros por ano, cerca de 50% a mais do que hoje, mas para isso sua gestora realizou uma consulta pública para colher propostas. O projeto terá de ser submetido às autoridades já que envolve a ampliação das partidas entre 6h30 e 6h59 e a extensão do horário de funcionamento aos sábados. Ou seja, nada que envolva o uso de aviões maiores.
Seja como for, a Aena e a ANAC devem investir tempo em busca de soluções para evitar que o risco de acidentes como o do Learjet continue existindo. Se o jato não tivesse conseguido parar a tempo, as manchetes e jornais e sites poderiam ter sido diferentes do que preocupações com atrasos de voo.