Jato de passageiros mais popular no mundo, Boeing 737 completa 50 anos

Com quase 14 mil exemplares vendidos, avião americano construiu carreira de sucesso após quase ser cancelado por falta de interessados
Boeing 737 faz 50 anos: jato tornou-se o mais popular modelo de passageiros da história (Boeing)

Há exatos 50 anos decolava pela primeira vez um pequeno avião comercial que tinha tudo para dar errado, mas que após um início apagado tornou-se o jato de passageiros mais vendido da história. No dia 9 de abril de 1967, o Boeing 737 voava pela primeira vez e apostava numa receita diferente de seus concorrentes, todos eles num estágio mais avançado de desenvolvimento e até com alguns exemplares já em serviço.

Pode-se dizer que quase todos os passageiros no mundo já devem ter voado no birreator idealizado em 1964. Nada menos que 9,5 mil foram construídos até agora e outros 4,5 mil entrarão em produção nos próximos anos – a Boeing fabrica mais de 40 unidades todos os meses na unidade de Renton, no estado de Washington (EUA).

Aliás, nunca o 737 vendeu tanto quanto agora, mesmo tendo há alguns anos seu maior concorrente, o Airbus A320, que o superou em entregas até 2014. Mas a carreira do mais popular jato comercial da história quase foi encerrada prematuramente por falta de interessados.

Ditando o futuros dos aviões comerciais

Era o começo da década de 1960 e a Boeing começava a desbancar seus concorrentes como a Douglas e fabricantes europeus com o 707, seu primeiro jato comercial transcontinental. Aproveitando a boa receptividade do modelo, a Boeing lançou o 727, um elegante jato para voos de médio alcance e com três motores localizados na cauda.

O primeiro 737 é batizado em 1966 (Boeing)

Enquanto isso, os ingleses da British Aircraft Corporation, os franceses da Sud-Aviation e os americanos da Douglas miravam num novo segmento de menor capacidade e capaz de transportar cerca de 100 passageiros. Nasciam o One-Eleven, o Caravelle e o DC-9 (este seu maior rival até a chegada do A320), todos com configuração semelhante, trazendo dois motores turbofans na cauda, solução que facilitava a manutenção e o acesso aos porões de carga.

Em 1964, a Boeing decidiu entrar nessa disputa e desenhou inicialmente um avião com características parecidas a eles e com fuselagem com fileiras de cinco assentos como os rivais. Mas uma mudança de planos fez a empresa arriscar uma nova configuração.

Para aproveitar a fuselagem e componentes do 727, a Boeing decidiu manter a mesma seção dianteira do trijato, o que resultava num espaço interno maior, com seis assentos por fileira, além de redução de custo por aproveitar muitos elementos já em produção – 60% dos sistemas e peças do 737 vinham do 727.

A outra novidade marcante era dispensar a configuração de motores traseiros em favor de turbofans instalados sob as asas. Como pretendia tornar o 737 acessível a qualquer aeroporto no mundo, a fabricante decidiu colocar o motor JT8D-1, da Pratt & Whitney, encaixados na parte inferior das asas. Com isso, a altura do solo continuaria baixa a ponto de ser possível carregar os porões sem necessidades de equipamentos especiais.

Com esse layout, o 737 era um avião ‘quadrado’: sua envergadura era praticamente a mesma do comprimento. Levar motores nas asas também tornava o jato menos barulhento e reduzia a vibração, sem falar no espaço extra na traseira liberado pela ausência dos motores.

A Boeing também antecipou no 737 uma tendência, a de eliminar o posto de engenheiro de voo. Como era mais simples de operar, o jato só levava piloto e co-piloto. O que poderia parecer absurdo tornou-se o padrão no futuro dos jatos comerciais.

A Lufthansa foi a primeira cliente do 737 na versão 100, a menor já criada (Boeing)

Lançado em 1965, o 737 na versão -100 teve como primeira cliente a alemã Lufthansa que fez uma importante alteração no jato ao pedir uma versão com 100 lugares – a Boeing, a princípio, pensava num avião ainda menor.

Dois meses depois, a United Airlines tornou-se a segunda companhia aérea a encomendá-lo ao pedir um 737 maior, com quase 2 metros a mais de fuselagem. Nascia o 737-200, versão mais popular do modelo até a chegada da série clássica.

Com o novo hangar de Renton ocupado com a produção do 707 e do 727, a Boeing iniciou a montagem dos primeiros 737 em sua primeira fábrica, onde produziu aviões lendários como o bombardeiro B-17. Mas o pé direito baixo do hangar obrigou a fabricante a terminar de montar o estabilizador vertical do jato do lado externo do prédio. Nessas condições, foram fabricados os primeiros 271 exemplares quando a linha de montagem mudou para Renton e de lá não saiu mais.

O quase fim precoce

Apenas vinte e dois meses após ser lançado, o Boeing 737 foi apresentado em dezembro de 1966. O que se viu foi um avião de formas pouco elegantes e tamanho diminuto comparado aos seus irmãos – não demorou para que fosse apelidado de ‘Baby Boeing’.

O programa de desenvolvimento foi veloz, facilitado pela similaridade com seus irmãos. Entre o primeiro voo, em abril de 1967 e a primeira entrega para a Lufthansa passaram-se apenas oito meses. A companhia alemã foi a primeira empresa não-americana a estrear um jato da Boeing em fevereiro de 1968. Mas logo a United também recebeu seu primeiro 737-200 nas semanas seguintes.

Apesar das vantagens em relação aos seus competidores, o 737 teve um início de carreira complicado. O desempenho em voo não era dos melhores e o pouso era dificultado pela atuação deficiente dos reversores originais. Foi quando a Boeing decidiu aprimorar o jato antes de ter um problema grave pela frente.

Com um novo sistema de reversão, flapes mais eficientes e motores mais potentes, o 737 conseguiu voar por mais tempo, ganhando o sobrenome ‘Advanced’. Mas as vendas minguaram a ponto de em 1972 apenas 14 unidades terem sido fechadas. A força aérea dos Estados Unidos ainda “ajudou” a Boeing ao comprar 19 unidades em 1971 da versão de transporte T-43, mas nem isso impediu a fabricante americana de pensar seriamente em tirar o 737 de linha – até uma possível venda dos direitos do avião para empresas japonesas foi cogitada.

O 737-300 é revelado em 1984: versão popularizou jato no mundo (Boeing)

Apesar da incerteza, a Boeing preferiu esperar uma mudança no cenário pós-crise do petróleo, de 1973, quando o barril disparou e inviabilizou a operação de aviões que consumiam muito combustível. Dois anos antes, a maior cliente histórica do 737 havia feito sua primeira encomenda, a Southwest Airlines, que viria a se tornar a maior companhia aérea low-cost do mundo, mas que na época ainda era uma pequena empresa texana.

A mudança que a empresa esperava ocorreu em 1978. Os Estados Unidos decidiram desregulamentar o transporte aéreo no país, que na época era extremamente engessado, onde até as tarifas eram controladas pelo governo. O resultado nas vendas do 727 e do 737 foram imediatos graças a necessidade de aviões menores e mais econômicos. Nada menos que 145 unidades do bimotor foram encomendadas naquele mesmo ano e a perspectiva promissora motivou a empresa a pensar numa versão mais avançada pela primeira vez.

737 ‘clássico’

No ano seguinte, a Boeing iniciou o desenvolvimento do 737-300, com importantes mudanças que iam da aerodinâmica superior, incluindo asas maiores e mais refinadas, a mais tecnologia a bordo – o cockpit recebeu painéis EFIS, que substituam os antigos mostradores analógicos.

O grande avanço do 737-300 estava nos motores. A Boeing trabalhou em conjunto com a CFM, uma associação entre a General Electric e a francesa Snecma que criou o motor CFM56, um turbofan de alta razão de derivação, ou seja, mais econômico e potente.

O problema era que esse tipo de motor tinha diâmetro muito largo e não caberia no mesmo lugar do velho JT8D. A solução dos engenheiros foi genial: deslocaram o motor para a frente das asas, numa posição mais elevada que a de jatos de fuselagem larga. Nem assim o CFM ficava a uma distância segura do chão por conta da baixa altura do jato.

A opção natural seria elevar o comprimento dos trens de pouso, mas isso, além de encarecer o avião e torná-lo menos compatível com seu antecessor, eliminaria a vantagem do fácil acesso aos seus compartimentos. Foi aí que as duas empresas resolveram promover uma reorganização nos componentes do motor de forma que eles ficaram alocados nas suas laterais. Isso conferiu à carenagem um formato ovalado e com a base chata, marca registrada até hoje vista nos novos 737.

Com 2,87 metros a mais de comprimento, o 737-300 podia transportar até 149 passageiros contra apenas 124 do 737-100, o menor da série. O primeiro voo do modelo ocorreu em fevereiro de 1984 e a USAir, hoje incorporada pela American Airlines, recebeu seu primeiro avião no final do mesmo ano.

Dois anos depois, a Boeing lançou o 737-400, versão  com capacidade para até 188 pessoas, e em 1989 o 737-500, que deveria ter sido o natural sucessor do 737-200. Os recordes de vendas eram batidos quase todos os anos: em 1985 foram 274 encomendas e em 1988, 312 unidades adquiridas.

Batizada mais tarde de 737 Classic, a família tornou o avião a jato comercial mais popular da história em 1987. Mas foi neste mesmo ano que o maior rival do 737 até hoje começou sua carreira. O A320, do consórcio europeu Airbus, parecia inofensivo e extremamente complexo – trazia como diferenciais o sistema de comando fly-by-wire, que eliminava a atuação mecânica entre o piloto e as superfícies de controle.

Projeto de lei pode permitir a participação de empresas estrangeiras no mercado doméstico brasileiro (Foto - Lufhtansa)
Airbus A320, o maior rival ( Lufhtansa)

Enfim, um rival à altura

E, de fato, os primeiros anos de concorrência foram amplamente vencidos pelo avião da Boeing, mas após um período em que o mercado voltou a encolher, no início dos anos 1990, o A320 pela primeira vez encostou no 737, graças a sua própria ‘família’, que contava com os irmãos A319 e A321, este o maior jato de corredor simples desde o pesado e pouco popular 757.

Em 1993, a Boeing decidiu responder à ameaça europeia com o 737NG (Next Generation). Ou seja, em vez planejar um novo jato que pudesse se equiparar à maior seção de fuselagem do rival ou ao sistema mais moderno de comando, a fabricante americana investiu em melhorar uma receita que ainda possuía méritos.

A saída foi investir num novo projeto de asas, com mais área, capacidade de combustível (30% maior) e envergadura, incluindo pela primeira vez winglets nas suas pontas a fim de reduzir ainda mais o consumo de querosene. A nova geração de motores CFM56-7B conseguiu ser mais potente e econômico e permitiu que o 737 pudesse voar por mais de 5,6 mil km, suficiente para operar rotas transcontinentais.

O painel inspirado no 777 era dominado por telas de computadores e os compartimentos de bagagens ofereciam mais espaço graças a um mecanismo mais eficiente de fechamento.

O primeiro membro da família NG foi o 737-700, sucessor do -300, que foi apresentado em dezembro de 1996 e voou em fevereiro do ano seguinte. Mas foi o modelo seguinte que colocou o 737 em outro patamar no mercado.

O 737-800, versão com capacidade para até 189 assentos, foi o primeiro modelo da família capaz de enfrentar o A320 em condições mais apropriadas. Desde sua entrada em operação, em  1998, o jato teve um resultado surpreendente: ele se tornou a versão mais vendida do 737, com nada menos que 5 mil unidades encomendadas, 4,4 mil das quais já entregues. A família NG ainda contou com o 737-600, sucessor do -500, e o maior 737 já criado, o -900, cuja versão de longo alcance teve uma boa aceitação. A Boeing ainda criou nesse período o BBJ, uma variante executiva do jato capaz de disputar o mercado corporativo de longo alcance.

Mesmo com o sucesso do 737NG, o que parecia impossível quinze anos antes aconteceu: a Airbus superou a Boeing em 2002 e passou a entregar mais aviões de corredor único que a concorrente americana. E isso ocorreu logo quando o mercado de aviação comercial tomou proporções nunca antes vistas, com recordes de vendas seguidos por mais de uma década.

Finalmente, em 2015, a Boeing retomou a liderança em entregas por uma margem muito pequena, mantida no ano passado e até agora. Um sinal claro que a concorrência entre as duas empresas nunca foi tão grande – cada uma entrega quase 500 jatos de ambas as famílias todos os anos, total que deve subir nos próximos anos.

Mantendo a receita original, de novo

A maior prova que essa briga histórica seguirá acirrada ano a ano é que as duas fabricantes hoje começam a entregar as novas gerações dos dois aviões, o A320neo e o 737 MAX. A Airbus saiu na frente e já tem várias unidades do seu jato moderno em operação enquanto a Boeing entregará o primeiro 737 MAX em maio.

E novamente a Boeing preferiu manter parte da receita que dá resultado há meio século: lançado em 2011, o 737 MAX ganhou asas com um novo tipo de winglet dividido capaz de reduzir o consumo em até 1,8%, modificações estruturais, painel de instrumentos semelhante ao do 787 e novos motores Leap 1-B, da parceira CFM, além de controles fly-by-wire pela primeira vez (embora parciais). O primeiro voo da versão MAX 8 (sucessora do 737-800) ocorreu em janeiro do ano passado e a certificação de tipo foi conferida ao modelo em março deste ano.

A família MAX conta ainda com o 737 MAX 7 e o MAX 9 e há estudos para uma inédita série MAX 10, que pode se transformar no maior 737 já construído, capaz de levar até 230 passageiros.

Até março deste ano, o 737 MAX acumulava 3,7 mil encomendas, algo que nem o mais otimista observador poderia ter imaginado quando há 50 anos o primeiro 737 decolou pela primeira vez.

Veja também: O Boeing 737 no Brasil

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  1. Belíssimas reportagens, Ricardo, essa e a anterior.
    Realmente uma aeronave que marcou (e ainda marca!) história, parabéns.
    Valeu até o “sacrifício” de postá-las no domingo, rsrsrs…

  2. Uma dúvida: o antigo 757 pretendia, quando de seu lançamento, canibalizar a linha 737? Qual foi a intenção da Boeing com este lançamento na década de 80?

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