Em uma área isolada no centro de manutenção da LATAM em São Carlos, no interior de São Paulo, uma rotina tem sido vista há pelos menos seis meses. Enquanto um grupo de funcionários organiza centenas de metros de cabos outro monta uma espécie de “lego” cuja aparência final é uma enorme peça em formato oval. No pátio em frente, aviões da família A320 se revezam semana a semana para receber a novidade que a companhia aérea promete estrear finalmente no Brasil no próximo dia 27 de setembro.
Estamos falando, é claro, do sistema de internet de alta velocidade que empresa já havia anunciado tempos atrás. Os planos, no entanto, são bem mais ousados do que aparentam. Airway teve acesso exclusivo aos bastidores do projeto, nas mãos da divisão de “Experiência do Cliente e Marketing” cujo objetivo é oferecer um serviço de alta qualidade no segmento.
Para entender o sistema que a LATAM irá oferecer em seus aviões (ao menos 100 deles o receberão, entre A319, A320 e A321) visitamos a Gogo Inflight, principal fornecedora dessa tecnologia. Para quem não sabe, a internet a bordo de aeronaves surgiu na década passada nos Estados Unidos graças à uma ideia relativamente simples. Com um território bastante ocupado e acessível, a Gogo decidiu criar uma rede de antenas de celulares posicionadas nas principais rotas aéreas. Batizado de ATG (Air To Ground, ar para o chão), o sistema compreende uma antena receptora na parte inferior do avião que capta o sinal das antenas em solo.
Leve e com capacidade respeitável, esse sistema teve boa aceitação na aviação comercial e executiva, mas era preciso evoluir à medida que a demanda de clientes por banda larga crescia. Foi quando surgiu a ideia de utilizar uma rede de satélites para receber e enviar informações na chamada banda Ku. Essa tecnologia substituiu a antena inferior por uma “corcunda” no topo da fuselagem com antenas para recepção e envio de dados. Desde 2014, a Gogo trabalha com o padrão 2Ku, que nasceu com capacidade para 70 Mbps (megabytes por segundo).
É o mesmo padrão utilizado pela Gol desde outubro de 2016 que estreou com 70 Mbps. Na LATAM a banda de wi-fi estreia com 100 Mbps ou mais – capacidade que a rival da família Constantino também passou a contar meses atrás. A vantagem dessa tecnologia, segundo a Gogo, é possuir duas antenas separadas para download e upload e que também contribuem para uma instalação menos invasiva. A antena tem apenas 17 cm de altura e é fixada em dois pontos da fuselagem, como pudemos conferir no MRO (sigla para manutenção, reparo e revisão em inglês) da companhia em São Carlos.
Além das duas antenas em formato de disco, o sistema de internet exige a instalação de equipamentos como roteador, conversores de sinal e um servidor capaz de gerenciar o software que controla a oferta do serviço. Instalados no porão de aviônicos e no teto da aeronave, eles não são notados pelos passageiros, assim como as antenas internas. No caso da LATAM, no entanto, houve um certo desafio para a Gogo. A companhia aérea incluirá o serviço de internet na plataforma LATAM Play, que hoje reúne um aplicativo para smartphones que acessa um servidor interno no avião capaz de oferecer filmes, séries, jogos e outros itens de entretenimento.
Para o cliente da LATAM, a internet será mais um item desse menu, embora por trás exista todo um sistema à parte para gerenciar o serviço. Isso porque a Gogo é responsável por todas as etapas da ferramenta, seja na contratação, manutenção e até mesmo no suporte, feito por uma equipe que fala português, por exemplo. Por falar nisso, a empresa aérea ainda guarda segredo a respeito dos valores que serão cobrados dos passageiros, mas Airway obteve a informação que os pacotes serão acessíveis, partindo de R$ 7,50 para clientes que desejam apenas acessar aplicativos como o Whatspp – a Gol tem pacotes com preço inicial de R$ 6,50 e a Avianca, de R$ 7.
A ideia, no entanto, é que os clientes da companhia aérea possam optar por outros pacotes com mais velocidade, incluindo executivos que pretendem continuar trabalhando a bordo a quem prefira acessar algum provedor de filmes e séries como Netflix.
Corrida contra o tempo
De fato, a LATAM demorou para oferecer internet de banda larga a bordo de seus aviões – embora tenha oferecido um serviço de internet ainda incipiente há alguns anos. Segundo a empresa, apenas há pouco tempo a tecnologia chegou a um estágio em que o serviço pode ser considerado satisfatório – veja entrevista abaixo com o presidente da companhia no Brasil, Jerome Cadier. Por isso, agora a ordem é correr para concluir a instalação do sistema em toda a frota de narrowbodies no Brasil – outras “irmãs” como a LATAM Chile também receberão o equipamento, porém, num futuro breve.
O primeiro avião a receber as antenas da Gogo foi um A319, em abril. Desde então quase duas dezenas de aviões já passaram pelo MRO em São Carlos, mas a conexão com a internet estreará num primeiro momento em nove Airbus A319. Agora a meta é equipar 30 aviões até o final deste ano e quase 90 aeronaves nos próximos 12 meses – para isso uma verdadeira linha de montagem foi criada em São Carlos para reduzir o tempo de solo necessário para concluir a mudança.
Segundo a Gogo, o tempo para instalar o sistema é de cerca de 36 horas. Acrescente-se a isso o período para preparar o avião e temos algo como três dias de trabalho, uma eternidade em matéria de aviação. Por essa razão, a LATAM tem antecipado todo o processo ao organizar todos os cabos numa bancada com o mesmo tamanho das aeronaves e deixando a antena e seus equipamentos semi-montados.
Ao fim do processo, a companhia aérea deve se aproximar da sua rival Gol, hoje a empresa que mais tem aeronaves com internet a bordo – 91 Boeing 737 já possuem o sistema e a meta é chegar a 119 aviões este ano. A Avianca não revelou a abrangência do serviço em sua frota enquanto a Azul se limitou a afirmar que a novidade está no seu horizonte, mas sem revelar uma data para que isso se torne realidade.
Confira a seguir nossa entrevista com Jerome Cadier, CEO da Latam Brasil:
Airway – A adoção da internet a bordo era algo muito requisitado pelos passageiros da LATAM?
Jerome Cadier – Sim, internet a bordo é um tema recorrente nas mesas de discussões com nossos passageiros mais frequentes já há algum tempo, porém, o cliente busca por um serviço de qualidade e somente agora podemos contar com plataformas mais robustas para atender a essa demanda. Em nossas pesquisas internas constatamos que existe massa crítica para utilização da internet a bordo na América Latina, porém, ainda estamos cautelosos. O take rate (porcentagem de passageiros que aderem ao serviço) nos EUA é de 6-7%, por exemplo, já no Brasil, por se tratar de um serviço ainda caro, não temos o mesmo nível de demanda.
Airway – Em que tipo de rota vocês esperam mais adesão ao serviço?
Jerome Cadier – Acreditamos que a adesão será grande nas rotas mais curtas, mas com perfil corporativo, como as que ligam São Paulo ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre.
Airway – Hoje o wi-fi é um diferencial mas deve se tornar algo padrão em todos os voos e companhias aéreas. Como provar para o cliente que vale mais a pena voar de LATAM nesse sentido?
Jerome Cadier – O cliente não escolhe a companhia aérea por apenas um motivo. Somos a companhia aérea com a malha aérea mais completa da América Latina, e nossa conectividade é um dos nossos principais diferenciais. Além disso, contamos com um mix de atributos que une serviço, entretenimento e conforto, pontualidade e segurança nas operações, programa de fidelidade que permite competitividade no preço e resgate até o último assento e conta com a rede de resgate completa da Multiplus. Tudo isso combinado ao cuidado no relacionamento e atendimento ao passageiro e a preços flexíveis, que o permitem eleger a experiência de viagem que ele deseja ter, como ele quer viajar e pagando apenas por aquilo que ele quer utilizar.
Airway – A TAM era uma companhia focada no cliente corporativo e, segundo entrevista recente do senhor, a LATAM pretende voltar a atender esse passageiro com mais atenção. O que podemos esperar, além do wi-fi a bordo?
Jerome Cadier – A LATAM nunca deixou de olhar para o cliente corporativo e vem trabalhando insistentemente para atender cada vez melhor a esse público. O cliente corporativo busca por agilidade e conveniência em todas as etapas de sua viagem. Já anunciamos que vamos investir US$ 400 milhões para a transformação das nossas cabines. Além disso, temos construído uma malha aérea eficiente com horários de voos e conexões que oferecem o melhor leque de opções para o passageiro que viaja à negócios. Queremos fidelizar este cliente corporativo e atrair mais público interessado em um produto flexível e personalizável, que preza pela pontualidade em seus descolamentos.
Airway – Como oferecer um bom serviço para passageiros tão diferentes quanto o corporativo, o de baixa renda e o que voa a passeio?
Jerome Cadier – Um bom exemplo de como atender a passageiros de perfis tão diferentes, e que segue uma tendência da indústria mundial, foi o lançamento do novo modelo de vendas, em que adequamos nossas tarifas às diferentes necessidades de viagem, permitindo que um passageiro possa escolher que tipo de produto e preço melhor lhe atenda e optar por levar bagagem ou não, escolher o que deseja comer a bordo, etc.
Airway – Quando poderemos ver o serviço da LATAM atingir o padrão que vocês imaginam ou estão implantando atualmente? É fato que a experiência dos passageiros tem sido ainda muito variada, com aviões com interiores diferentes e até mesmo uma percepção um pouco distante da outra em cada “LATAM”.
Jerome Cadier – Desde o início da associação entre TAM e LAN em 2012, as empresas vem trabalhando para serem uma empresa única, intensificada com a criação da marca LATAM, em maio de 2016. Identidade dos aeroportos, lojas, aeronaves (interior e exterior), uniformes, serviços de bordo e cultura interna se transformaram para oferecer uma nova experiência ao cliente. Em maio deste ano, demos um passo importantíssimo, migramos a operação Brasil para a plataforma Sabre para que o cliente tenha acesso a um inventário único de voos e voe sob o mesmo código em todas as etapas de sua viagem.
Gerar uma percepção de unicidade na experiência do cliente com o tamanho de nossa operação, culturas, países e até línguas diferentes é o nosso grande desafio. O trabalho é permanente e o processo de harmonização segue sendo desenvolvido.
Veja também: LATAM estreia voo São Paulo-Lisboa