Uma vez, conversando com amigos durante um churrasco, desenvolvemos a seguinte teoria: enviar “nudes” pelo celular é como saltar de paraquedas. Pode ser bacana e despertar fortes emoções, mas sempre existe a possibilidade de o paraquedas falhar. É uma brincadeira delicada e com riscos calculados que só termina quando você finalmente chega em terra firme, ou quando a foto é definitivamente apagada. Foi com a sensação de que tudo poderia dar errado a qualquer momento, mas ao mesmo tempo empolgado, que embarquei num voo de hidroavião sobre o Canadá.
Depois de pegar um ferry-boat de Vancouver para Nanaimo, no outro lado do “Mar de Salish”, eu e meu irmão alugamos um carro e seguimos para uma não longa, mas extremamente demorada viagem até Tofino. A estrada até essa cidade é maravilhosa, mas devido ao terreno montanhoso também é muito sinuosa. Foram quase cinco horas de asfalto e nosso plano era voltar no mesmo dia.
Em Tofino, decidimos entregar o carro alugado depois de uma incrível descoberta: era possível retornar a Vancouver em uma hora, e de hidroavião! Para quem não sabe (eu não sabia até ver), essa região do Canadá tem um trânsito intenso de hidroaviões. Aviões decolam e pousam na água a todo momento levando turistas ou atuando em outras funções. Mas é bem caro.
A região possui uma série de companhias que oferecem esses voos, algumas com aviões bem bonitos e aparentemente em bom estado. Essas empresas também são as que cobram mais caro: o trecho Tofino-Vancouver com a Harbour Air, uma das mais baladas no porto, custava 150 dólares canadenses, algo em torno de R$ 400. Mas nossa grana era curta.
Fomos em todos os guichês espalhados pelo porto, conferindo preço a preço, até encontrar o mais baixo. Com a Tofino Air choramos e ainda conseguimos um desconto. Ficamos sabendo de um concorrente que um avião deles precisa voltar para Vancouver, mesmo vazio. Assim, a brincadeira saiu por 80 dólares.
Até hoje agradeço aos deuses do Mar de Salish por não saber absolutamente nada sobre o avião em que estava prestes a embarcar. A pintura externa estava ok, mas ao entrar na cabine comecei a ter calafrios. O cheiro lembrava o do interior de Fusca (quem conhece sabe que é um odor quase indefectível), os bancos já deviam estar com a 34º capa de revestimento de sua história (e precisando trocar novamente) e o piso de borracha estava tão gasto ao ponto de mostrar a lataria da aeronave. Pobre hidroavião…
Depois descobri que era um DHC-2 “Beaver”, da famosa fabricante De Haviland Canada e um dos hidroaviões mais produzidos de todos os tempos, com cerca de 1.600 unidades. É também uma aeronave bem antiga: foi fabricada entre 1947 e 1967. O modelo que voei, prefixo C-GFLT, saiu da linha de montagem em 1952. Se eu soubesse mais sobre o avião…
Termina logo!
Já na aeronave, com os cintos afivelados, o piloto ligou o motor, liberando uma fumaça preta do lado de fora, e começou a se afastar do pier e girar em direção ao mar. Foi nesse momento que notei uma bonequinha havaiana no topo do painel, “dançando” conforme o avião se deslocava pela água.
Na hora de decolar, o motor roncou alto e o hidroavião foi acelerando rapidamente, como uma lancha, e em poucos segundos já estava voando. No ar, as vibrações terminaram e a bonequinha, que sambou pesado durante a decolagem, agora dançava valsa tranquilamente.
Pensei que o avião faria o caminho mais curto, em linha reta, mas por questões de segurança os voos de hidroavião contornam a península que separa Tofino de Vancouver. Durante o voo, o piloto, que não falava muito e tinha um sotaque canadense quase indecifrável, nos explicou que a região é montanhosa e tem muitas árvores, o que tornaria ainda mais perigoso uma tentativa de pouso de emergência, em especial um hidroavião com flutuadores.
O voo é tranquilo, quase não balança. A unica coisa que incomodou foi o frio. Conforme o avião vai ganhando altitude, a cabine vai congelando. E o piloto só com uma jaquetinha e havaiana, coitada, de saia…
Chegando em Vancouver, com seus prédios que podem ser vistos de longe quando se vem do mar, o hidroavião desceu e iniciou um longo voo a no máximo uns 80 metros da água. Passados cerca de 20 minutos o piloto pediu para eu e meu irmão pararmos de conversar, pois era hora de pousar.
Nos minutos finais do voo, o piloto ora olhava para mar, ora para os instrumentos, sem parar. No momento que pareceu ter encontrado o local do pouso, realizou uma curva suave para esquerda, alinhou para o pouso na água, cortou o motor e levantou o nariz do avião, que imediatamente começou a perder sustentação até… Chuuuuuaaaaaa! Não foi um pouso, foi um mergulho!
Quando toca a água, o hidroavião perde toda velocidade em um instante. É uma frenagem bem violenta. Em seguida, o piloto aponta para o porto de desembarque e encosta no pier. Como a Tofino Air é uma companhia pequena, o ponto dela fica no fundão da Baia de Vancouver.
Se um dia você passear por essa mesma região do Canadá vale a pena fazer o roteiro de hidroavião em vez de optar por liongas viagens de carro e barco. No entanto, para quem tem medo de avião, recomendo apenas voar com alguma companhia com aeronaves mais novas, mesmo se for um pouco mais caro. E não esqueça de levar um agasalho bem pesado!
Veja mais: Voando sobre as Linhas de Nazca
Iria amarradão voar no Beaver!! Clássico!!
Iria amarradão voar no Beaver!! Clássico!! [2]
Show essa experiência
é assim mesmo, avião antigo a gasolina e motor radial solta fumaça quando liga