“A minha primeira Coca-Cola, me lembro bem, foi nas asas da Panair
A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair”
Este refrão na voz de Elis Regina mostra o que uma empresa aérea significou em seu tempo. A Panair do Brasil foi a marca brasileira mais conhecida no exterior e seu abrupto fechamento é uma ferida aberta na aviação ainda hoje.
Nascimento com ambição
As origens da Panair do Brasil remontam à 17 de março de 1929, quando o americano Ralph O’Neill fundou a empresa New York, Rio, Buenos Aires Line, Inc. (NYRBA) com a ambiciosa missão de interligar as três cidades. As operações começaram com os aviões anfíbios Sikorsky S-38, operados em caráter temporário até receber os Consolidated Commodore encomendados.
O’Neill, empreendedor nato, visitava a Argentina e o Brasil regularmente para conversar com autoridades sobre sua ambiciosa empreitada. No Brasil, o Ministro da Viação, Victor Konder, o aconselhou a montar uma empresa local, para cumprir a legislação brasileira. Em 15 de outubro de 1929, o Decreto 18.951 autorizava a NYRBA a operar dentro no Brasil e uma semana depois surgia a NYRBA do Brasil.
A operação da NYRBA começou a partir de Buenos Aires, estendendo gradativamente para Santiago e Montevidéu conforme os aviões chegavam. O Brasil era peça-chave para fechar o sistema até Nova Iorque. Nesta mesma época, a Pan American Airways, fundada também pelo ambicioso Juan T. Trippe com amigos riquíssimos dos tempos de Yale, também conseguiu a autorização de operar no Brasil.
A aviação comercial naquela época era deficitária e dependia de contratos governamentais para sua viabilidade por meio do serviço postal, uma forma indireta de subsídio. O’Neill esperava conseguir contratos com o US Mail para a viabilidade de suas rotas. Uma vitória importante foi a chegada dos voos até Miami, em 25 de fevereiro de 1930, uma semana após partir de Buenos Aires. Faltava pouco para NYRBA chegar na terceira cidade de seu nome.
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Entretanto, a rede de amigos poderosos de Juan Trippe e a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque tornara a situação da NYRBA delicada e a diretoria da empresa não teve outra alternativa senão vender a empresa para a Pan American Airways, com o negócio sendo concretizado no dia 19 de agosto de 1930. No dia seguinte, o governo americano concedeu à Pan American a subvenção de US$ 2,00 por milha voada.
Ato contínuo, o Decreto 19.417 de 21 de novembro de 1930 registava a mudança do nome da NYRBA do Brasil para Panair do Brasil – o termo Panair tem origem no código telegráfico da Pan American.
Com novos donos, a Panair do Brasil começou a operar uma extensa rede de rotas a partir do Rio de Janeiro, usando o Sikorsky S-38 e o Commodore.
O apoio da Pan American foi essencial para o desenvolvimento da Panair, com pilotos americanos, base de manutenção em Belém e escritórios administrativos no Rio de Janeiro. Em 02 de março de 1931 foi inaugurada a linha Rio-Belém, com duração de cinco dias. Em 23 de novembro a rota chegava à Buenos Aires. Em 28 de setembro de 1934, a Pan American recebe autorização para voos de cabotagem, que estariam a cargo da Panair.
O primeiro piloto brasileiro na Panair, Coriolano Luiz Tenan, ingressou na empresa em 1935, dando início a nacionalização dos pilotos, com o último americano saindo em 1938. Em 1936 foi inaugurado o edifício que abrigaria a sede e o hangar de manutenção da empresa, no Aeroporto Santos Dumont.
Esta simbiose entre Pan American e Panair era visível nos timetables, propagandas, serviços e na prestação de serviços para as Forças Aliadas durante a Segunda Guerra Mundial, quando a dupla foi encarregada de instalar estações de comunicação e aeroportos no Amapá, Belém, São Luís, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e Salvador, no âmbito do Airport Development Program (Programa de Desenvolvimento Aeroportuário). Diversos aeroportos hoje existem graças aos esforços da Panair do Brasil.
A redução da participação da Pan American no capital da Panair começou a partir de 1943, quando ela passou a deter 58% das ações. Este número foi reduzido para 48%, a fim de atender a legislação brasileira que estipulava que apenas empresas aéreas com capital majoritariamente nacional poderiam fazer voos internacionais. Com o fim da Segunda Guerra, a Panair era a maior empresa aérea do país, respondendo em certo momento por 50% do tráfego aéreo nacional.
O avanço tecnológico em decorrência da Segunda Guerra e o término do conflito eram oportunidades para crescer. Neste sentido, a Panair solicitou voos internacionais para a Europa, que seriam inaugurados com os Lockheed L-049 Constellation, uma das aeronaves mais modernas do mundo e que fazia parte da encomenda da Pan American, tornando a Panair a primeira empresa aérea fora dos EUA a operar o quadrimotor da Lockheed.
Estreia na Europa
O primeiro voo da Panair do Brasil rumo à Europa partiu no dia 03 de abril de 1946, experimental antes das operações regulares. O Constellation PP-PCF saiu do Rio de Janeiro Galeão rumo à Londres Heathrow, via Recife, Ilha do Sal, Lisboa e Paris Orly. O Papa Charlie Fox teve o pioneirismo de ser a primeira aeronave estrangeira a pousar no aeroporto londrino, quando ainda eram sua estrutura se resumia a tendas. No dia 29 do mesmo mês, era inaugurado oficialmente a rota regular. Até o fim daquele ano, a Panair tinha realizado 129 travessias sobre o Atlântico Sul, transportando 7.2061 passageiros. Nos três últimos meses do ano, a Panair do Brasil transportou mais que soma de todas as concorrentes no Atlântico Sul.
As primeiras rotas europeias da Panair do Brasil foram Lisboa, Paris e Londres. No dia 23 de setembro de 1946, Roma tornava-se a quarta escala no continente europeu. Nos anos seguintes outras cidades foram incluídas: Madri, Zurique, Frankfurt, Hamburgo, Dusseldorf, Istambul, Beirute e Cairo, sincronizados com a malha europeia da Pan American, de tal forma que a operação em algumas destas cidades eram para atender os interesses da empresa americana. Alguns destes serviços eram compartilhados com a Pan American, que oferecia EUA-Europa e a Panair encarregava de distribuir em sua malha. Na América do Sul seus aviões chegavam à Assunção, Buenos Aires, Lima, Montevidéu e Santiago, no Chile. A notória exceção eram os voos para os Estados Unidos, que eram realizados pela Pan American. Mesmo detendo menos de 48% da empresa a partir de 1948, o grupo americano ainda influenciava na sua gestão e planejamento.
Viajar para Europa com a Panair neste período era uma experiência tão única e restrita que a lista de passageiros, ricos em sua maioria, aparecia em jornais e colunas sociais. E o expertise técnico-operacional da Pan American na empresa a tornava uma concorrente de peso em relação às outras empresas europeias, como a Air France, Swissair, Iberia, KLM e SAS. A excelência técnica e a qualidade dos serviços foram chamadas de “Padrão Panair”.
Reforçando esta imagem de vanguarda, em 1952 a Panair do Brasil anunciou a compra de quatro Comet II para operação a partir de 1954, o que colocaria entre as primeiras operadoras mundiais do pioneiro jato comercial. Concomitantemente, a Panair estudava assumir a gestão da Middle East Airlines (MEA), ampliando sua presença para além de Beirute.
Mudança de planos
Estas ações desagradavam a Pan American por conflito de interesses. O estopim para a crise entre as empresas foi a greve da Galinha Podre, entre dezembro de 1954 e janeiro do ano seguinte.
Em um relatório de rotina, o piloto Lauro Roque reclamou que serviram o equivalente a galinha podre em um dos voos do DC-3. Incomodado por usar o termo “galinha podre”, a direção da empresa suspendeu o piloto por 15 dias. Em solidariedade, os pilotos da companhia paralisaram as atividades e a ação da empresa em demitir os grevistas só complicou ainda mais o clima.
O assunto ganhou contornos políticos por meio do enérgico deputado Carlos Lacerda, que liderou um grupo de 31 deputados que exigiam a suspensão dos subsídios durante a greve e a saída de Paulo Sampaio. O episódio também foi inflado por César Pires de Mello, presidente da Cooperativa Central de Produtores de Leite (CCPL), com ligações com a Pan American, e Manuel Guimarães.
No fim, Paulo Sampaio foi destituído da empresa, os demitidos foram recontratados e Manuel Guimarães foi conduzido à presidência da empresa. Em uma das primeiras medidas foi o cancelamento da encomenda dos Comet II, a compra de quatro DC-7C “Seven Seas” e a venda por valores baixos dos DC-3 à Navegação Aérea Brasileira, reduzindo a atuação doméstica da Panair. A redução das operações domésticas e a concentração nos voos internacionais foram um dos fatores de enfraquecimento da Panair nos próximos anos.
O primeiro DC-7C, PP-PDL, chegou na empresa em 05 de abril de 1957 e junto com os outros foram recebidos até junho do mesmo ano. A vantagem dos novos aviões era a possibilidade de fazer a ligação para Europa sem a escala em Dakar ou Ilha do Sal. Em efeitos práticos, a Panair mantinha um motor sobressalente no aeroporto senegalês caso houvessem panes, algo bem comum nos DC-7C quando operava no teto operacional.
Naquele mesmo ano a Panair comprou do grupo Rocha Miranda o controle de Companhia Eletromecânica (CELMA), de Petrópolis, com o objetivo de revisar motores, evitando a dependência da Pan American. Ao fazer a manutenção dos motores “in house”, o custo de US$ 20 mil para revisão diminuía 50%.
No mercado doméstico, a Panair não tinha mais a primazia de ser a líder inconteste como outrora. A VARIG, Real e Cruzeiro do Sul tinham envergadura e brigavam por passageiros e crescimento. Neste momento surgiram as “zonas de influência”, onde empresas aéreas fecharam acordos de cooperação técnica e racionamento da oferta – a VARIG fechou acordo com a VASP e Panair do Brasil com o Lóide Aéreo Nacional.
Como parte do acordo com o Lóide, a Panair recebeu entre 29 de dezembro de 1958 e 10 de fevereiro de 1959 quatro DC-6A (PP-LFA/-LFB/-LFC/-LFD) originalmente encomendados pela empresa, porém, muito grandes para as rotas que operava. Com a dupla de quadrimotores da Douglas, a Panair retirou definitivamente os Constellations das rotas europeias e passou a empregá-los em voos domésticos e alguns para a América do Sul.
Neste momento, surgiram discussões sobre um movimento de reorganização da aviação comercial. A principal voz era do Ruben Berta, presidente da VARIG, que gostaria de unir as operações internacionais da VARIG, REAL e Panair em uma única empresa, com uma outra que reuniria os ativos domésticos delas, mais a VASP e Cruzeiro do Sul.
A VARIG era uma das empresas com melhor performance da aviação brasileira naquela época e com a dupla Caravelle e Boeing 707 colocou o país na era do jato-puro. Berta queria expandir sua atuação rumo à Europa, mercado internacional mais rentável que a rota para Nova Iorque da VARIG. Chegou a comprar ações da empresa na bolsa de valores e se candidatou a comprar os 30% de participação da Pan American quando esta anunciou a intenção de vender, porém, não conseguiu recursos para comprar.
ANOS 60: Entre fama e acidentes
Nos 30 anos de aniversário, a Panair do Brasil era a líder nas ligações entre Europa e Atlântico Sul, com mais de 5.827 travessias, e ligava o Brasil com Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Alemanha, Suíça, Turquia e Líbano. Em 30 de outubro de 1960 era lançado o Voo da Amizade, parceria entre Panair e a Transportes Aéreos Portugueses (TAP) com venda de passagens baratas para cidadãos brasileiros, portugueses e naturalizados em um dos dois países.
Com um voo semanal realizado pelo DC-7C, os passageiros tinham direito a levar 20 kg de bagagem, as refeições eram feitas nos restaurantes das escalas – Recife e Ilha do Sal, e a tripulação era composta por pilotos da Panair e comissárias da TAP. O DC-7C PP-PDO teve pintura modificada, com adição do título Panair-TAP.
Em 21 de março de 1961, finalmente a Panair do Brasil recebeu seus primeiros jatos, os Douglas DC-8-33 PP-PDS e PP-PDT, provenientes de uma encomenda da Pan American. O Papa Tango Sierra chegou ao Aeroporto do Galeão no dia 24 do mesmo mês. O relacionamento com a empresa americana encerraria naquele ano, quando os empresários Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen compraram a participação da empresa, tornando-se acionistas de 62% das ações e tornando a empresa efetivamente nacional. Nos bastidores, Berta ficou enfurecido com a manobra, chegando a mandar um telegrama para o Ministro da Aeronáutica sobre os perigos de fora da aviação em adquirir a Panair para “lucros próprios”.
Com os novos donos, o executivo Paulo Sampaio voltou a ser o presidente da empresa. O acordo com o Lóide Aéreo Nacional tinha sido encerrado e a Panair estava em desvantagem em relação às suas congêneres no mercado doméstico. Para piorar, uma série de acidentes ocorreu entre 1961 e 1963.
O primeiro foi o pouso de emergência o Douglas DC-7C PP-PDL em Belém em 14 de outubro de 1961, após vazamento do fluído hidráulico, sem vítimas. No dia 30 de outubro, o Catalina PP-PCY fez um pouso de emergência perto de Parintins, incendiando-se logo em seguida. No primeiro dia de novembro, o DC-7C PP-PDO chocou-se com um morro a 2.700 metros da pista do aeroporto. Faleceram 38 passageiros e sete tripulantes, entre eles Hugo Tenan, irmão do primeiro piloto da Panair.
Em 03 de março de 1962 foi a vez do Constellation PP-PCR fazer pouso de emergência, sem vítimas, porém com perda total da aeronave. No dia 20 de agosto, o DC-8 PP-PDT não conseguiu decolar do aeroporto do Galeão, indo direto para a Bacia de Guanabara, com o falecimento de um tripulante e catorze passageiros, incluindo um bebê.
O último acidente com vítimas fatais na Panair do Brasil ocorreu no dia 14 de dezembro de 1962, quando o Constellation PP-PDE na aproximação noturna em Manaus, falecendo todos os seis tripulantes e 44 passageiros. Os motivos até hoje são desconhecidos.
Em 08 de abril de 1963, o PP-PDM sofreu acidente ao tentar decolar do Galeão para um voo de treinamento, com perda total do equipamento. E no dia 6 de setembro, o Caravelle PP-PDU fez uma manobra brusca para desviar de uma aeronave durante aproximação em Recife. A despeito do sucesso da manobra e sem vítimas fatais, o bimotor francês teve esforços estruturais que comprometeram a integridade da fuselagem e o avião foi retirado de operação.
A perda do Papa Delta Uniform representou a redução de 25% da frota de Caravelle que a Panair recebeu a partir de 21 de julho de 1962, uma estratégia para recuperar o mercado, tornando-se a primeira empresa aérea a operar voos a jatos dentro do território.
Outra iniciativa da empresa foi fechar acordos de cooperação (pool) com suas concorrentes diretas nas rotas europeias. Pela proposta, para cada passagem vendida pela Panair ou parceira, 50% ia para a outra, evitando que uma empresa praticasse dumping com a outra. A Panair fechou acordos com a Lufthansa e a Alitalia e estava em vias de conseguir o mesmo com a Air France.
Asas cortadas
Em 31 de março de 1964, o governo de João Goulart foi destituído pelos militares e iniciava-se o período da Ditadura Militar. A Panair naquela época não era a força doméstica de outrora, porém, internacionalmente era a principal marca do país e gozava de prestígio. Foram suas asas que trouxeram a Seleção Brasileira de Futebol campeão das Copa do Mundo de 1958 e 1962, com a Panair frequentemente citada nos discursos dos treinadores, equipe técnica e jogadores.
Seus aviões apareceram em diversos filmes estrangeiros como Copacabana Palace (1962), Le Grain de Sable (1964), 24 Hours to Kill (1965), L’homme de Rio (1964) e La Peau Douce (1964), este com a atriz Françoise Dorléac vivendo uma aeromoça da Panair do Brasil. E foi pelas asas da Panair que a atriz Brigitte Bardot chegou ao Brasil para férias e a Rhodia realizou turnês para promover seus novos tecidos usando a empresa.
A Panair ganhou notoriedade mundial ao assinar uma carta de intenção de comprar o Super Caravelle, que se tornaria o Concorde. Nas cláusulas da carta, era dada a preferência à Panair a receber o supersônico.
Os proprietários da Panair do Brasil eram próximos do ex-presidente Juscelino Kubistchek, ao ponto dele participar da inauguração de agências no exterior e de ter sua fotografia estampada em algumas delas.
Rocha Miranda e Simonsen eram empresários poderosos em um Brasil ainda predominantemente rural. O primeiro era controlador das Ajax Seguros, Prospec, Nitrocarbono, entre outras, e Simonsen era o homem mais rico do país, dono da TV Excelsior, da trading Wasin, do Banco Noroeste, a exportadora de café Comal, Rebratel e Cerâmica São Caetano. A Wasin, por meio da Brasmoto, era representante da Sud Aviation no país.
Por suas posições desfavoráveis à ditadura, eles viram as empresas sofrerem perseguições, sobretudo o grupo de Mário Simonsen. Por meio de adversários políticos e empresariais, as empresas de Simonsen foram proibidas de funcionar ou então tomadas pelo governo com o argumento de títulos protestados, mesmo que na prática as empresas de Simonsen estivessem com o nome limpo e o empresário chegou a oferecer seu vasto patrimônio para saldar a suposta dívida com o Banco do Brasil.
Mesmo comprovado a lisura das empresas, a Comal teve a licença cassada, a TV Excelsior sofreu intervenção do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, e as empresas sofreram diversos tipos de perseguições. Amigo de Simonsen, o jurista Saulo Ramos disse em relação aos casos judiciais: “A Justiça que tarda, mas não falha é coisa que não funciona no mercado de crédito e no mundo dos negócios. Nesse mundo, depois de um tempo o estrago está feito”.
Suspensão sumária
Neste turbilhão estava a Panair do Brasil, que continuava suas operações a despeito da pressão sobre seu principal acionista. Em uma tarde, em 10 de fevereiro de 1965, Paulo Sampaio despachava normalmente na sede da empresa, no Aeroporto Santos Dumont, quando recebeu um telegrama do Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, com o aviso de cassação de suas linhas, com efeito imediato.
Perplexo, Sampaio não compreendia a situação, uma vez que a empresa tinha acabado de fechar acordo com a Air France para dividir custos e receitas nas rotas entre Brasil e França. O despacho era incisivo: a Panair estava proibida de realizar voos a partir daquela data e as rotas internacionais seriam repassadas, à título precário, para a VARIG.
Era o início de uma das páginas mais obscuras da aviação comercial brasileira, quando um governo interferiu de forma arbitrária na livre competição do mercado. Na noite daquele dia, o Boeing 707-400 PP-VJA da VARIG estava pronto para assumir as operações internacionais da Panair do Brasil, uma eficiência incomum ao preparar um voo para onde nunca voou comercialmente.
Para proteger a empresa, a direção da Panair entrou com um pedido de concordata a fim de manter seu patrimônio, avaliado em US$ 66 milhões e com dívidas de US$ 30 milhões, sobretudo devido à compra dos Caravelle e DC-8. Em 16 de julho, o pedido de concordata foi negado e a falência da empresa decretada. No dia 24 de março, Mário Simonsen faleceu na França por ataque cardíaco durante o sono, seis meses depois que sua esposa falecera de depressão pela perseguição contra seu marido.
A tomada da empresa prosseguiu com as instalações aeroportuárias, a rede de comunicação TASA e a CELMA sendo assumidas pela União, as concessões domésticas e para a Bacia Amazônia transferidas para a Cruzeiro do Sul, e a VARIG assumindo as operações para Europa, África e Oriente Médio, consolidando seu papel como maior empresa aérea do país.
Processo de falência encerrado 30 anos depois
A VASP chegou a pleitear as rotas da Panair do Brasil, com a promessa do banco estatal paulista Banespa assumir a empresa. Seu presidente, Hélio Tornaghi, chegou acusar publicamente Ruben Berta de cooptar os políticos. Os funcionários, resistentes ao processo de falência, foram trabalhar para o governo da Guanabara a convite do governador Carlos Lacerda, para a VARIG ou então trabalhar em companhias aéreas da Europa e Oriente Médio.
A frota de DC-8 e Caravelle foi arrendada para a VARIG e Cruzeiro em julho de 1965 e fevereiro de 1966, respectivamente. É digno de nota que os arrendamentos só foram realizados graças à intervenção do funcionário do setor jurídico do Banco do Brasil, Álvaro Braga da Silva que, sensibilizado pela situação dos funcionários, articulou que as aeronaves fossem arrendadas e os valores arrecadados fossem destinados ao pagamento dos funcionários. Pelo seu gesto, Paulo Sampaio e Jorge Mourão, diretor financeiro da Panair, homenagearam ele em um discurso em 1979, colocando-o na lista de beneméritos da Família Panair.
As agências do exterior, que funcionavam como embaixadas informais do Brasil, foram vendidas a preços irrisórios. Mesmo a VARIG enfrentou problemas com a assunção das rotas da Panair, com a Inglaterra negando direito de pouso, afirmando que a autorização pertencia à Panair do Brasil. O imbróglio foi resolvido apenas em setembro de 1965.
A arbitrariedade do governo militar com a Panair do Brasil foi feita por diversos atos jurídicos contestáveis e sem amparo legal. Quando anunciou a concordata, o Brigadeiro Eduardo Gomes foi pessoalmente à 6ª Vara Cível do Rio de Janeiro conversar com o juiz responsável pelo caso e intervir no fechamento da empresa. Posteriormente, o governo proibiu que empresas aéreas solicitassem a proteção judicial. Em última análise, esta decisão afetou décadas depois justamente a empresa mais beneficiada pelo fechamento da Panair.
Em 1984, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa à Panair do Brasil contra a falência e em 1995 foi encerrado o processo de falência, transformando a empresa apta a voltar suas atividades e mesmo três décadas inativa, possuía US$ 10 milhões em caixa. Em 10 de dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade reconheceu que a Panair do Brasil foi vítima de perseguição política por meio de instituições do Estado. Para pesquisadores da área jurídica, o Caso Panair é um exemplo de desrespeito aos trâmites legais, tráfico de influência e falsificação de dados perpetrados pelo Estado.
Estas ações reconhecem parcialmente o que aconteceu com a Panair, mas não são suficientes para recuperar as décadas perdidas. E como recuperar hoje o Padrão Panair, em uma aviação cada vez mais incessante na busca de baixar os custos? Estaria ela operando hoje? Seria vendida, compraria ou fecharia as portas nos anos seguintes? São indagações difíceis de saber.
Até mesmo seu fechamento é envolto em perguntas não respondidas: quando começaram o conluio contra a empresa? Quem eram os mentores intelectuais e operacionais do plano? Por que transferir para a concorrente e não estatizar? Passaram-se quase 60 anos do fechamento, boa parte das pessoas envolvidas faleceu há bom tempo e arquivos da época foram queimados ou perdidos em algum armário.
Para compreender os motivos do fechamento da Panair do Brasil é preciso uma observação do que ocorria na aviação comercial brasileira entre 1955 e 1965, um período de grandes transformações tecnológicas, mas de precariedade financeira.
Apesar do consenso geral que a Panair do Brasil foi pega de calças curtas, havia indícios de uma conspiração maior: o amplo conhecimento de Ruben Berta em voar para a Europa, a perseguição contra as empresas do Mário Simonsen, o pedido de renúncia do Conselho de Administração da Panair na véspera do despacho do Presidente da República.
Desde 1966, sempre no dia 22 de outubro os ex-funcionários da empresa, intitulados Família Panair, organizam encontros, entre eles para relembrarem os tempos da empresa, demonstrando o quanto a Panair representou para suas vidas.
Ficam as memórias e relatos de suas conquistas, pioneirismo, glamour, do Padrão Panair, o pavilhão brasileiro em terras tão distantes. Em uma época que o país era rural e atrasado, a Panair do Brasil representava o desejo da nação de estar entre as grandes potências, no bojo da modernidade que o país almejava.
Seus aviões não levavam apenas pessoas e cargas, mas traziam uma visão do mundo, eternizada na voz de Elis Regina ao falar “que a primeira Coca-Cola foi, me lembro bem, nas asas da Panair”.