Na aviação comercial brasileira, a região Centro-Sul é a que mais concentra atividades aéreas, devido ao dinamismo econômico, com a maioria das empresas do setor com origem nesta porção do país. O Nordeste, apesar de não ter uma riqueza econômica semelhante, possui um ambiente propício para a aviação regional: ausência de boas rodovias, cidades de importância regional e carência de muitas ligações entre as capitais.
Este cenário foi propício para empreendedores, sejam aventureiros ou grupos poderosos no passado. Viação Aérea Bahiana, Aeronorte e Transportes Aéreos Salvador/Sadia Salvador são algumas que escreveram seus nomes na aviação nos céus nordestinos.
A Viação Aérea Bahiana, fundada com apoio da Panair do Brasil, teve vida curta (1945-1948); tanto Aeronorte quanto Transportes Aéreos Salvador fizeram parte do Consórcio REAL na década de 1950 e, esta última, foi vendida para a Sadia Transportes Aéreos em 1962, tornando-se a Sadia Salvador.
Assim como as outras regiões do país, o Nordeste teve o número de cidades servidas por linhas aéreas sendo progressivamente reduzidas desde a década de 1950. E a tendência era que a aviação na região se concentrasse apenas nas capitais, deixando o interior desassistido por serviços aéreos.
Surgimento da Nordeste com apoio da Transbrasil e VOTEC
No surgimento do Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR), a Transbrasil operava voos regionais a partir de Salvador com o Embraer EMB-110 Bandeirante. Com o SITAR e seus subsídios, Omar Fontana viu a oportunidade de criar uma transportadora regional, deixando a Transbrasil como a empresa de ligações entre os grandes centros.
Fontana procurou os governadores do Nordeste para participar da empreitada e encontrou no governo baiano o apoio que precisava para viabilizar a nova empresa, passando a ter um terço das ações da Nordeste Linhas Aéreas Regionais – nome escolhido para a companhia aérea. Outro acionista da transportadora nordestina era a Voos Técnicos e Executivos, a VOTEC.
Pelas regras do SITAR, tanto as companhias aéreas nacionais quanto o poder público não poderiam cada um ter mais de um terço das ações das empresas do programa, daí a forma do governo baiano de viabilizar a Nordeste, fundada oficialmente no dia 08 de junho de 1976. Seu primeiro presidente foi Ivan Simões, até então Chefe de Gabinete da Secretaria de Transportes da Bahia.
A frota inicial da Nordeste contou com cinco EMB-110 operados pela Transbrasil (PT-TBA, TBB, TBC, TBE e TBF), que mantiveram o padrão multicolorido da empresa maior. A Transbrasil tambén repassou a malha que operava na região, ligando Salvador com Paulo Afonso, Ilhéus, Nanuque, Almenara, Belo Horizonte, Fortaleza, Juazeiro do Norte, João Pessoa, Petrolina e Recife.
Em 28 de outubro de 1976, o PT-TBA, primeiro EMB-110 a entrar em operação comercial no mundo, sofreu acidente após decolar de Petrolina (PE). Os cincos passageiros sobreviveram, mas os dois pilotos faleceram no local. Nos primeiros meses de operação, a Nordeste teve resultados decepcionantes, situação que só melhorou a partir de 1977, quando a consultoria Multiplan elaborou um plano de negócios, reformulação da malha aérea e redução de custos.
Naquele ano, a empresa recebeu mais três EMB-110 (PT-GJH/GLC e GKP), permitindo aumento dos voos e a inauguração de serviços aéreos de Congonhas, em São Paulo, e do Santos Dumont, no Rio de Janeiro, para Juiz de Fora (MG), com saídas de cada cidade todos os dias, exceto aos domingos.
Em 26 de junho de 1978, a Nordeste recebeu o PT-GKA, oitavo EMB-110 na frota. Poucos meses depois o PT-TBF fez um pouso forçado em uma estrada entre Monte Claros e Bocaiúva, em Minas Gerais, felizmente sem vítimas, mas com a perda da aeronave.
A Nordeste fechava 1978 com 184 partidas semanais para 25 cidades em cinco estados brasileiros. Era a menor das cinco empresas do SITAR, com receita de CR$ 123 milhões, sendo 40% proveniente de subsídios, segunda maior proporção depois da TABA. Transportou 85.744 passageiros, com 49% de aproveitamento.
Os turbulentos anos de 1980
A nova década começava e a Nordeste continuava confiando nos Embraer Bandeirante, recebendo o PT-SCD em 30 de outubro de 1980. A empresa possuía duas bases principais, Salvador e Belo Horizonte. Com diversos projetos siderúrgicos em Ipatinga, a companhia chegou a ter sete voos diários entre a cidade e capital de Minas Gerais. A companhia regional era gerida sem sobressaltos, situação que mudaria a partir de 1984.
Em 1982, a VOTEC, após o prazo de cinco anos de pagamento do empréstimo do DESENBANCO para o capital da Nordeste, vendeu sua participação para a Translima Táxi Aéreo – do empresário Otto Lima, sem comunicar a Transbrasil e o Governo da Bahia. Posteriormente, a Translima fez proposta para comprar a parte que pertencia à Transbrasil.
Ao saber da transação, Ivan Simões entrou em contato com o governo baiano e conseguiu uma liminar bloqueando o negócio. A Transbrasil conseguiu contornar a ação por meio de uma procuração à Translima para administrar a sua participação.
O imbróglio entre acionistas afetou a Nordeste, com o Departamento de Aviação Civil (DAC, órgão anterior a ANAC) retirando o subsídio em 1985 e, a situação se agravou em março de 1986, quando o órgão decretou intervenção na empresa.
Neste tempo, o banco mineiro BEMGE S.A, que concedeu empréstimos para a Translima comprar as ações da VOTEC e Transbrasil, afirmou que o táxi aéreo não pagou nenhuma prestação e, portanto, tomaria as ações em sua posse, transformando-se no maior acionista da Nordeste. Sem interesse de manter a participação na empresa aérea, o BEMGE solicitou autorização do DAC para negociar a venda de sua parte para Roberto Coelho, empresário baiano.
A intervenção terminou em março de 1988 e, no ano seguinte, o Grupo Coelho comprou o terço restante da Nordeste do governo baiano, transformando a empresa em 100% privada. Com novo dono e o fim da intervenção, a empresa adicionou mais oito EMB-110 na frota entre 1988 e 1989: PT-GKO/GKJ/LRJ/LRA/LNW/LRB/LTN/ODG, nesta ordem.
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Com o fim das restrições regionais do SITAR em 1990, a Nordeste estava em nítida desvantagem em relação aos seus pares regionais. A TAM se preparava para receber seus primeiros Fokker 100 naquele ano, a Rio-Sul modernizava a frota com os EMB-120 Brasilia e a TABA receberia os DHC-8-300 em 1991. A empresa nordestina contava apenas com os EMB-110, tornando necessária não só a modernização da frota quanto o aumento da capacidade. E, para piorar, três aeronaves sofreram acidentes entre setembro de 1991 e fevereiro do ano seguinte, além do PT-GKO devolvido neste período.
Para enfrentar a nova realidade da aviação regional, a empresa arrendou da Fokker em janeiro de 1992 o turboélice F-50 PH-JXK que estava em demonstração no país. Imediatamente foi colocado no voo JH069, ligando diariamente Congonhas com Salvador, via Rio de Janeiro (Santos Dumont), Porto Seguro e Ilhéus.
Com uma aeronave maior e mais nova, a Nordeste esperava captar os passageiros executivos com destino ao Rio de Janeiro e os turistas rumo ao litoral baiano. A intenção era arrendar três aeronaves, com as matrículas PT-OQA/OQB e OQC e o PH-JHK, que foi estocado em Congonhas no dia 13 de maio de 1992.
No último dia de setembro de 1992, a Nordeste recebeu o primeiro EMB-120 Brasilia, PT-SRF. O avião ostentava a nova pintura da empresa: fuselagem toda branca, cauda azul-marinho, com a inscrição NLA (Nordeste Linhas Aéreas) – como a empresa passaria a se autodenominar.
Como novo avião, a empresa iniciou as rotas Congonhas-Pampulha-Ipatinga e Pampulha-Vitória-Monte Claros. No ano seguinte receberia mais dois Brasilia: PT-SIH e PT-OUI. Em fevereiro de 1994, o PT-SIH foi devolvido à Embraer após um acidente em Congonhas. Ainda em 1994, o PT-OQI e PT-OQJ completaria a frota da Nordeste.
Venda para Rio-Sul
A Nordeste era a mais frágil das empresas do SITAR, porém, era cobiçada pelas concorrentes por sua rede de rotas na região. Fernando Pinto, então presidente da Rio-Sul, começou em 1992 conversas preliminares com o Grupo Coelho para a venda da empresa, sem sucesso.
A companhia vivia mais um imbróglio referente a sua propriedade, com o então governador baiano Antônio Carlos Magalhães entrando com medida cautelar na Procuradoria Geral do Estado contra a venda das ações da Nordeste para o Grupo Coelho.
Era mais uma turbulência na carreira da Nordeste, que a tornava alvo dos interesses da Rio-Sul e da TAM, ambas crescendo a taxas de dois dígitos e incorporando os Boeing 737-500 e Fokker 100, respectivamente. Apesar da modernização com os EMB-120, a Nordeste ficava atrás até mesmo da TABA, que reequipara a frota com os DHC-8-300.
No início de 1995, a Rio-Sul voltaria a cortejar a Nordeste, pois Fernando Pinto sabia que se a sua empresa não comprasse, a TAM o faria. Diante disso, junto com seus executivos, fez uma jogada ousada: passou a negociar tanto com o governo da Bahia quanto com o Grupo Coelho, sem que os dois acionistas soubessem disso.
Fernando Pinto conversou com ACM para ter apoio na compra. Para tal frisou a importância que a Nordeste teria para o turismo baiano e os planos da Rio-Sul para a empresa. O recém-eleito senador solicitou ao DESENBANCO levantamento para saber o valor da companhia nordestina. Um revés aconteceu quando um representante do Grupo Coelho flagrou os executivos da Rio-Sul em um hotel. Pinto ligou imediatamente para Roberto Coelho justificando o motivo da manobra, com o empresário perdoando e convidando os executivos da Rio-Sul a passarem um fim de semana em Itaparica.
Paz selada, no dia 9 de janeiro de 1995 a Rio-Sul acertou a aquisição de 100% da Nordeste Linhas Aéreas por U$$ 5,958 milhões, sendo U$$ 2,1 milhões para o governo baiano e o restante para o Grupo Coelho. Da frota de nove EMB-110, seis estavam operacionais e um dos 4 EMB-120 estava sem motores.
Fernando Pinto nomeou Percy Rodrigues como presidente da companhia. Menos de quatro meses após a compra, a Nordeste recebia em maio de 1995 o Fokker 50 PT-MNA e o Boeing 737-500 PT-MNC, originalmente encomendado pela Rio-Sul como PT-SLU, se tornando o primeiro jato da empresa. Os EMB-110 foram substituídos progressivamente pelos EMB-120, mesmas aeronaves usadas pela sua acionista. Além da frota, houve a padronização da pintura, semelhante a da Rio-Sul, porém com o logo formado por ondas estilizadas com a letra N.
Em março de 1997 o PT-MNC foi devolvido, e a Nordeste ficou sem jatos próprios até setembro do mesmo ano, quando chegaram os Boeing 737-500 HL-7261 e HL-7262, ex-Asiana Airlines, recebendo as matrículas PT-MND e PT-MNE, respectivamente.
Os ventos sopravam a favor da companhia. Com apenas um sócio e capitalizado, a empresa começou uma vertente de crescimento, trazendo mais aeronaves, abrindo bases na região Nordeste, interior de Minas e na Amazônia, e o lançamento dos voos intercapitais, ligando Salvador com as principais capitais nordestinas diariamente. Todas estas alterações visavam transformar a empresa no espelho da Rio-Sul no Nordeste do Brasil.
Se o ano de 1999 ficou marcado pela desvalorização do Real e o fim da paridade com o Dólar, para a Nordeste foi um ano de muitos acontecimentos.
Em fevereiro de 1999, o PT-MND foi o primeiro avião da Nordeste a receber as novas cores, progressivamente a frota foi recebendo a identidade visual. As duas empresas passaram a se alinhar mais com a VARIG, adotando pinturas semelhantes, com a rosa-dos-ventos no estabilizador e o nome da empresa na fuselagem principal, uma harmoniosa forma de unificação de imagem corporativa sem alterar as características de cada companhia aérea.
Em outubro de 1999, a empresa nordestina recebeu da Rio-Sul quatro Fokker 50 que estavam sendo desativados: PT-SLX, PT-SLU, PT-SLZ e PT-SRA. Além disso, recebeu da empresa matriz três Embraer ERJ-145, PT-SPA, PT-SPB e PT-SPC, para realizar voos no Norte e Nordeste, porém nas cores da Rio-Sul. De certa forma, foi a realização de um antigo desejo da Nordeste Linhas Aéreas, pois foi uma das primeiras empresas a manifestar intenção de comprar o avião da Embraer, desejo não realizado por ausência de recursos na época.
Segundo o livro Cronologia de Aviação Comercial Brasileira, o ERJ-145 PT-SPL chegou a ser pintado nas cores da empresa antes da Rio-Sul receber em dezembro de 1998. O Boeing 737-500 PT-MNH entrou em operação em 13 de novembro de 1999, juntando com a dupla ex-Asiana.
Para coroar este ano tão agitado, pela primeira vez na história, a Nordeste transportou mais de 1 milhão de passageiros em um ano, entrando no seleto grupo de operadores nacionais. Este marco é impressionante quando comparado ao período de 1994, último ano antes da Rio-Sul assumir a empresa: 109.764 passageiros pagantes.
Apesar de manter as operações regionais, a empresa passou a investir mais nas aeronaves da Boeing para crescer e solidificar sua presença nas rotas Sudeste-Nordeste, atendendo o perfil executivo durante a semana, e o mercado turístico nos fins de semana e na alta temporada.
Em 22 de junho de 2000, a VARIG anunciou a reestruturação organizacional e societária do grupo. A Nordeste deixaria de ser subsidiária da Rio-Sul, para ambas passarem a ser integrantes da holding VARIG Participações em Transportes Aéreos – VPTA, desmembrada da empresa aérea VARIG.
Em 14 de março de 2001 o PT-MNI é recebido e no mesmo ano a Nordeste passa a investir em logojets, usando a frota de 737-500 como outdoors para publicidade, em uma tentativa de trazer receitas auxiliares. O primeiro foi o PT-MNH, que voou com o adesivo do jornal Gazeta Mercantil por seis meses e, posteriormente, com o da Petrobrás/BR Aviation. O PT-MNJ, primeiro Boeing 737-300 da companhia, recebeu adesivo da Turma da Mônica desejando boas-festas e, em 2002, foi usado como outdoor para o jornal Valor Econômico. Em 2001, a empresa fechou o ano transportando 1.269.600 passageiros, por meio de uma frota composta por 17 aeronaves: um 737-300, quatro 737-500, três EMB-120, seis Fokker 50 e três ERJ-145 arrendados da Rio-Sul.
O primeiro semestre de 2002 foi marcado pela retirada progressiva das aeronaves turboélices da empresa: os Embraer EMB-120 e Fokker 50, e o recebimento das últimas aeronaves: PT-MNK (737-300) e PT-MNL (737-500). A empresa preferiu investir em aeronaves maiores, onde pode diluir por mais assentos os custos de operação, mesmo que isso significasse a saída de vários mercados regionais, em sua maioria deficitários. Previa que a frota seria de 25 aeronaves, com dez 737 e 15 ERJ-145 oriundos da Rio-Sul. Nesta mesma época, uma novidade: era a primeira empresa aérea brasileira a ter banheiro dedicado exclusivamente para as mulheres.
Entretanto, os planos de expansão da Nordeste foram abalroados pela crise da VARIG. Com a empresa gaúcha solicitando apoio de credores para a reestruturação, estes exigiram que a VARIG, Rio-Sul e Nordeste fizessem a “fusão operacional”, evitando duplicidades de rotas, estoques e de quadros administrativos. Em 2 de setembro de 2002, começava a operação conjunta das três empresas aéreas e a Nordeste deixava de ser uma linha aérea independente.
Após a fusão operacional, a Nordeste ficou restrita aos Boeing 737 e, junto com as outras duas empresas, protocolou pedido de Recuperação Judicial em 16 de junho de 2005. Com a venda da unidade produtiva da VARIG em 20 de julho de 2006, a companhia nordestina recebeu as dívidas do grupo e foi rebatizada como Flex Linhas Aéreas. A empresa tinha um único Boeing 737-300, ex-PP-VNY, empregado na rota Guarulhos-Porto Seguro em parceria com a Gol Linhas Aéreas, afim de gerar receita e evitar que sua falência fizesse a Gol assumir os passivos da antiga VARIG.
A Flex encerrou as operações em novembro de 2009, após a Gol terminar o contrato assim que a Justiça reconheceu que ela não era sucessora das dívidas da VARIG. Em 20 de agosto de 2010, foi decretada a falência da Flex Linhas Aéreas, e assim o fim da história da Nordeste, uma empresa que lutou contra todas as adversidades e, quando conquistou uma posição de destaque, perdeu sua autonomia.
Se a Varig não tivesse metido a Nordeste não teria suncubido.
Tá na hora de retornar pra cidade de Senhor do Bonfim na, muita mineração, muita facudades, crescendo muito na área de saúde.