O ataque do Mistel

Combinação de um caça e “bomba voadora” foi uma das armas mais estranhas da Alemanha no final da Segunda Guerra Mundial
Com um poder de destruição devastador, o Mistel era extremamente difícil de pilotar (Ilustração - Hasegawa Hobby Kits)
Com um poder de destruição devastador, o Mistel era extremamente difícil de pilotar (Ilustração – Hasegawa)
Com um poder de destruição devastador, o Mistel era extremamente difícil de pilotar (Ilustração - Hasegawa Hobby Kits)
Com um poder de destruição devastador, o Mistel era extremamente difícil de pilotar (Ilustração – Hasegawa)

Em 24 de junho de 1944 os marinheiros a bordo da fragata britânica HMS Nith não acreditavam no que os seus olhos viam. Ao longe avistava-se um estranho avião em direção a embarcação. Ao se aproximar o aparelho iniciou um voo picado em grande velocidade e, depois, pareceu dividir-se em dois. A parte menor virou, afastando-se bruscamente dos tiros da artilharia anti-aérea, enquanto a parte maior continuava a aproximar-se.

A enorme bomba com asas e dois motores acertou em cheio o lado direito do navio, matando imediatamente 10 marinheiros e deixando quase 30 feridos. Esse foi o primeiro ataque do Mistel, uma arma experimental da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, segundo o livro “Aviões de Guerra do III Reich” (Warplanes of the Third Reich), do pesquisador de aviação William Green. O HMS Nith, por sorte, não afundou e continuou navegando. Outros três navios ingleses também foram atingidos, mas sofreram danos mínimos, sem deixar vítimas. E o medo sobre a nova arma alemã estava instaurado.

O primeiro Mistel era uma combinação de um caça Bf. 109 e um bombardeiro Ju-88 convertido em bomba voadora com mais de três toneladas de explosivos e um sofisticado sistema de detonação. Essa estranha e devastadora arma foi uma das tantas que a Alemanha inventou no final da guerra para tentar desesperadamente reverter o quadro ao seu favor.

O objetivo do Mistel com tamanha carga de explosivos eram alvos grandes, reforçados e bem defendidos, como navios e pontes. O conjunto era a única alternativa da Alemanha para missões de bombardeiro estratégico de longo alcance, uma vez que o país não possuía uma aeronave com tais características. Os Estados Unidos, por exemplo, tinham o Boeing B-17, a “Fortaleza Voadora”. Os aviões pesados da Luftwaffe (Força Aérea da Alemanha), como o Ju-88 e o Fw. 200 Condor, não tinham autonomia, velocidade e armamento defensivo suficientes para longos raids de ida e volta.

em voo de cruzeiro, o Mistel raramente passava dos 300 km/h, o que o tornava um alvo fácil
em voo de cruzeiro, o Mistel raramente passava dos 300 km/h, o que o tornava um alvo fácil (Foto – Luftwaffe)

Com o Mistel, o piloto a bordo do caça decolava utilizando os motores do avião no “andar de baixo” até o momento da separação, com o bombardeiro. Assim, ambos os componentes aumentavam seu raio de ação: o bombardeiro porque não tinha de voltar, e o caça porque não gastava combustível na viagem de ida. Os controles da “bomba voadora” eram operados por cabos e varões que acompanhavam os comandos do caça e os aviões ficavam presos por três pontos. A divisão efetuava-se por meio de um sistema pirotécnico.

Voar com os nervos

Após o ataque contra o navio britânico, o Mistel seria utilizado novamente somente em março de 1945 na desesperada campanha de defesa em Berlim durante a invasão soviética. Com a aproximação eminente do exército da URSS, Adolf Hitler ordenou do fundo de seu bunker na capital alemã que todas as pontes de acesso a cidade fossem destruídas, a fim de conter o avanço do “Exército Vermelho”.

O lançamento do Mistel sobre um alvo exigia o que os pilotos alemães chamavam de “voar com os nervos”, como aponta o livro de Green. Era preciso efetuar um brusco mergulho para atingir mais de 600 km/h e se aproximar até cerca de 1.000 metros do objetivo para enfim ativar a separação. O piloto precisava se concentrar em manter o rumo certo enquanto era acompanhado de explosões da artilharia. O número exato de quantos aparelhos foram abatidos é desconhecido.

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Esquadrão de Mistel voando sobre Berlim, durante a defesa da cidade contra a invasão soviética (Foto - Luftwaffe)
Esquadrão de Mistel voando sobre Berlim, durante a defesa da cidade contra a invasão soviética (Foto – Luftwaffe)

As pontes do Rio Oder e Neisse, que correm dos lado leste e sul de Berlim respectivamente, foram os principais alvos dos Mistel, forçando as tropas e tanques soviéticos a darem um longa volta em busca de um caminho seguro. Os pilotos miravam as colunas das pontes, o que a destruiria por completo, evitando inclusive a construção de passagens improvisadas pelo Exército Vermelho, devido a distância entre as margens.

Todas as bases dos Mistel foram conquistadas pelos Aliados. Na imagem, um aparelho capturado em Berlim
Todas as bases dos Mistel foram conquistadas pelos Aliados. Na imagem, um aparelho capturado em Berlim

Segundo registros da Luftwaffe, foram utilizados 75 Mistel nessas operações, que duraram dois dias e deteve os soviéticos por outros dois dias. Enquanto ficavam cada vez mais próximos de Berlim, os soldados da URSS encontraram novos caminhos pelo norte e oeste, e acabaram cercando completamente a cidade, que seria totalmente conquistada em 2 de maio de 1945.

Diferentes conjuntos

A primeira bomba Mistel era apenas um bombardeiro Ju-88 convencional carregado com três toneladas de explosivos. Após os primeiros testes, o avião foi adaptado, trocando a cabine de controle por um dispositivo cônico, que era o detonador da bomba. O aparelho era extremamente difícil de pilotar e também voava em baixa velocidade, raramente ultrapassando os 300 km/h em voo de cruzeiro. Também foram testadas versões controladas pelo caça Fw. 190.

O Mistel controlado pelo caça Bf.109 foi a combinação mais comum utilizada pela Alemanha (Ilustração - Hasegawa)
O Mistel controlado pelo caça Bf.109 foi a combinação mais comum utilizada pela Alemanha (Ilustração – Hasegawa)

O nome Mistel é uma variação da palavra alemã “misteltoe”, que significa “pequena planta parasita”. Os pilotos alemães, porém, criaram alguns apelidos para a exótica arma, como “Vati und Sohn” (“Pai e Filho”) e “Beethoven-Gerät” (“Piano de Beethoven”). Os ingleses o chamaram de “Huckepack”, algo parecido com a brincadeira brasileira “cavalinho”, quando um pessoa carrega outra perdurada nas costas.

Foram construídos cerca de 250 Mistel e a Alemanha ainda tinha planos de combinar a enorme bomba aos seus primeiros caças a jato Me 262 e He 162. Outro plano ainda previa a conversão de um bombardeiro a jato Arado E.377 em bomba voadora, que seria o Mistel 5.

A combinação do Mistel com o caça Fw.190 era mais complicada, pois os aviões utilizam combustíveis diferentes (Ilustração - Hasegawa)
A combinação do Mistel com o caça Fw.190 era mais complicada, pois os aviões utilizam combustíveis diferentes (Ilustração – Hasegawa)

O Mistel é até hoje a maior bomba já construída na história, considerando suas dimensões. Baseado no avião Ju-88, o aparelho tinha 20 metros de envergadura e 17 m de comprimento. Somando combustível e explosivos, o artefato pesava cerca de 14 toneladas.

Ataques cancelados

Hitler tinha planos ambiciosos para o Mistel, mas acabou impedido pelos fatores “clima” e “derrota”. Em dezembro de 1944, após os primeiros testes com a estranha arma altamente explosiva, a Alemanha planejou um “golpe decisivo” contra a base naval britânica em Scapa Flow, na Escócia, mas a ação foi cancelada devido ao péssimo tempo da região, que perdurou pelos meses seguintes impedindo qualquer tentativa de ataque.

O Museu Imperial de Guerra, em Londres, possui um caça Fw.190 com plugs para a instalação do Mistel (Foto - Imperial War Museum)
O Museu Imperial de Guerra, em Londres, possui um caça Fw.190 com plugs para a instalação do Mistel (Foto – Imperial War Museum)

Já em março de 1945, a operação “Eisenhammer” (“Martelo de Ferro”, em alemão) contra a indústria soviética caiu por terra quando o Exército Vermelho conquistou as bases do Mistel na Prússia Oriental, região hoje dividida entre Rússia, Lituânia e Polônia.

Se repetisse a mesma eficácia da destruição das pontes ao redor de Berlim, esses ataques certamente causariam sérios danos às forças britânicas e soviéticas, mas dificilmente poderiam ter mudado o curso da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha nazista já não tinha mais recursos ou novas ideias mirabolantes para deter os Aliados.

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  1. ALEMANHA TINHA TUDO PARA GANHAR A GUERRA FOI PERSEGUIR E MATAR JUDEUS COM TAMANHA COVARDIA PERDEU

  2. Mas pera ai, na quarta foto está escrito:”Todas as bases dos Mistel foram conquistadas pelos Aliados. Na imagem, um aparelho capturado em Berlim.”
    Já no ultimo paragrafo : “Já em março de 1945, a operação “Eisenhammer” (“Martelo de Ferro”, em alemão) contra a indústria soviética caiu por terra quando o Exército Vermelho conquistou as bases do Mistel na Prússia Oriental, região hoje dividida entre Rússia, Lituânia e Polônia.”
    Soviéticos conseguiram alguma base do Mistel, ou foram só os Alidos ?

    OBS: Não existe a Rússia apenas, no meio do Exército Vermelho haviam Ucranianos, Lituanos entre outros.

  3. Interessante, mas o piloto escalava o avião por fora para trocar de aeronaves em pleno voo? Não parece ser a coisa mais fácil de fazer.
    Em que momento ele fazia essa manobra?

  4. De fato a arma voadora Mistel foi uma ‘inovação’ baseada no conceito de causar pânico, medo,mais destruição possivel e sobretudo, eliminar o moral das tropas aliadas e soviéticas. Certamente o conceito foi inspirado no modelo mortal (literalmente falando) dos kamikazes japoneses. A diferença é que a cultura cristã alemã era em maior parte contraria ao suicídio (apesar de Hermann Goring – Chefão da propria Luftwaffe ter tirado a sua quando estava preso).
    Se os alemães tivessem posto em prática ainda em 1944 o projeto Wassenfall (uso de mísseis terra-ar) para destruir os bombardeiros e as demais bombas voadoras já em uso (V-2) para destruir alvos militares e pontes e campos de pouso em poder dos aliados teriam mais êxito.

  5. Anda bem que os nazistas se deram mal ao invadirem a Rússia no inverno, caso contrário o mundo de hoje estaria repleto de suásticas.

  6. Caro Marcio,

    O piloto controlava o Mistel a partir do caça, instalado na parte de cima. Para alcançar a cabine lá no alto (o conjunto tinha quase 6 metros de altura), o piloto escalava as duas asas e depois se acomodava no assento, onde ficaria o tempo todo durante a missão. No momento do ataque, a parte de baixo é separada e segue em direção ao alvo e o piloto faz meia volta com o caça.

  7. Qual era a função da aparente cabine na ilustração ” A combinação do Mistel com o caça Fw.190 era mais complicada, pois os aviões utilizam combustíveis diferentes (Ilustração – Hasegawa) ” que aparece na parte de baixo?
    Era só para utilização de transporte entre aeroportos?

  8. Mais uma ótima matéria. Lentos e difíceis de pilotar… os Mistel deviam voar bem baixo para escapar da interceptação. Sem dúvida eram impressionantes, mas não eram os únicos a testar combinações de aviões… os britânicos fizeram uma versão civil, combinando dois hidroaviões no final dos anos 30, para incrementar o alcance, o Shorts-Mayo. No mesmo conceito dos ingleses, mas no campo militar, os Soviéticos combinaram vários caças bombardeiros e um quadrimotor. E quanto a transformar aviões em bombas, a história das Bq-7 Aphrodites e outros bombardeiros remotos norte americanos valeria uma futura pauta.

  9. A Alemanha perdeu a guerra por abraçar vários projeto ao mesmo tempo e quando acordava, sempre decidia pelo pior!!

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