Neste mês de abril, completam-se 40 anos da Guerra das Malvinas/Falkland, conflito iniciado após a tomada das ilhas no extremo sul do Atlântico pela Argentina. O Reino Unido, para surpresa geral, decidiu retomar o controle do arquipélago enviando uma força-tarefa reunida às pressas. Um dos destaques desse poderio militar foi o Harrier, um raro caça de decolagem vertical ou curta, que realizou diversas missões bem sucedidas, a despeito do ceticismo existente na época.
Em 1982, a Argentina contava com a segunda maior força aérea da América Latina, superada apenas por Cuba, então abastecida pela antiga União Soviética. Nessa época, a Fuerza Aérea Argentina (FAA) possuía mais de 200 aeronaves de combate, entre caças supersônicos, bombardeiros e aviões de ataque ao solo, além do apoio da Armada (Marinha), com mais caças e aviões de vigilância marítima.
Pelo volume de aeronaves e suas qualidades, era uma força a ser temida. No entanto, nenhum general argentino previu que essa capacidade, aparentemente formidável, poderia ser arrasada por algumas dezenas de caças britânicos de procedência duvidosa e em poucos dias.
Pouco antes do início do conflito no Atlântico Sul, a Marinha Britânica (Royal Navy), em contenção de custos, havia modificado seus porta-aviões para um padrão mais barato de operar, substituindo as catapultas de lançamento pelo convés com “ski-jump”. Isso também mudou a forma e a capacidade das aeronaves que poderiam ser embarcadas.
Com a mudança no padrão dos porta-aviões, equipados com uma curiosa rampa, a Royal Navy aposentou seus últimos caças navais F-4 Phantom e adotou o revolucionário Harrier, um avião de combate que podia pousar e decolar na vertical, como um helicóptero.
Era o início da carreira operacional do Harrier, caça que a fabricante britânica Hawker Aircraft vinha desenvolvendo desde a segunda metade da década de 1960. O avião já estava em operação com as forças britânicas há mais de 10 anos, mas ainda havia muitas dificuldades na sua condução. Era uma aeronave difícil de pilotar e de manutenção altamente complexa.
Por conta dessas dificuldades em voar com o Harrier, no início da Guerra das Malvinas muitos duvidavam de sua capacidade de combate. Ao todo, o Reino Unido despachou 42 caças para o conflito, 28 na versão Sea Harrier, de uso naval, além de 14 Harrier da Força Aérea Real, ambos embarcados nos porta-aviões Invencible e Hermes. Já a Força Aérea Argentina e a Marinha contavam com quase 120 caças.
A FAA tinha à disposição os caças supersônicos Dassault Mirage III e o IAI Dagger, além dos modelos subsônicos A-4 Skyhawk, aeronave que também era operada pela Marinha Argentina a bordo do porta-aviões 25 de Mayo. Outro temor eram os aviões de ataque ao solo FMA Pucará, fabricados na Argentina e o primeiro avião militar desenvolvido da América do Sul que entrou em combate – no mesmo conflito a Argentina fez o “batismo de fogo” do Embraer Bandeirulha, em missões de vigilância naval.
Os militares argentinos erraram em praticamente todas as previsões e ações militares realizadas durante a Guerra das Malvinas. O governo da Argentina, então liderado pelo presidente e general Leopoldo Galtieri, acreditava que os ingleses, então enfrentando uma severa crise econômica e social, não perderiam tempo e dinheiro tentando recuperar uma porção de território ultramarino tão distante, sobretudo diante do “poderoso” arsenal portenho.
A Argentina também acreditou na possibilidade de os Estados Unidos apoiarem a invasão surpresa, consumada no dia 2 de abril de 1982. Mas isso não aconteceu. Ao mesmo tempo, as forças argentinas tomaram poucas precauções para defender as ilhas renomeadas como Malvinas.
As forças argentinas invadiram a região com pouquíssima resistência, pois os britânicos mantinham apenas algumas dezenas de soldados do território, aparentemente sob nenhum risco. Três dias após a invasão, arruinando os planos diplomáticos de Buenos Aires, o parlamento britânico autorizou o envio de uma força tarefa para retomar as ilhas, e a ponta de lança da campanha era o caça Harrier, até então nunca testado em combate.
Começa o conflito
Enquanto a Marinha Real seguia a toda a velocidade para o Atlântico Sul, com uma força de cruzadores, submarinos e porta-aviões, a Força Aérea Real (RAF) iniciou uma ousada campanha de bombardeiros com os Avro Vulcan, que incapacitou a pista do aeroporto de Port Stanley, impedindo que os argentinos empregassem suas aeronaves a partir daquele ponto.
Antes do final de abril, os porta-aviões britânicos já haviam alcançado a zona do conflito e os Harrier foram lançados em voos de patrulha. Para combatê-los, os argentinos acionaram a FAA com força total. Porém, havia mais um problema: as Ilhas Malvinas também eram longe da Argentina. Para piorar, não havia no novo território uma pista com extensão capaz de receber os jatos supersônicos argentinos.
Navegando a cerca de 300 km das Malvinas, os porta-aviões Invencible e Hermes lançaram os primeiros Harrier no dia 1º de maio de 1982, em missão de bombardeio a pista em Port Stanley, então renomeada como Puerto Argentino. Em retaliação, nesse mesmo dia caças da FAA foram acionados para atacar os navios britânicos que se aproximavam. E lá foram os Harrier, agora armados como interceptadores.
Os caças argentinos precisavam realizar uma viagem de 645 km até alcançar a zona de combate, o que limitava drasticamente o tempo em que as aeronaves podiam permanecer na zona do conflito, até alcançar o nível crítico de combustível e precisar retornar ao continente. No primeiro dia de combates aéreos, a argentina perdeu quatro aeronaves – dois Mirage III, um Dagger e um bombardeiro Canberra, abatido antes mesmo de alcançar as ilhas.
Domínio britânico
O fracasso total da Argentina na primeira batalha aérea da Guerra das Malvinas foi um duro golpe para a FAA, que não tinha mais nenhuma dúvida sobre a disposição dos ingleses em recuperar as ilhas e, sobretudo, a capacidade devastadora dos Harrier.
Apostando na alta velocidade, os caças argentinos enfrentavam os Harrier em combates frontais, uma tática que se mostrou completamente desastrosa. Não só isso, os mísseis disparados pelos aviões da FAA não conseguiam “engajar” as aeronaves inglesas, que rapidamente manobravam para a posição de contra-ataque e lançavam seus mísseis com uma precisão mortal.
O erro do primeiro combate fez a FAA recolher seus aviões e repensar suas estratégias de ataque. Enquanto isso, por mais de 20 dias os Harrier realizaram ataques a posições argentinas nas Malvinas, com bombas, foguetes e disparos de canhões. O medo e a precaução eram evidentes nas forças argentinas. Temendo o pior, a Armada Argentina recolheu o porta-aviões 25 de Mayo para uma posição próxima ao continente.
Ousadia e trapalhadas
Os aviões argentinos voltaram a voar na zona de guerra somente no dia 21 de maio, na tentativa de impedir o desembarque das forças terrestres britânicas. E mais uma vez, um massacre. Nesse dia os Harrier derrubaram mais quatro Dagger, um Pucará e cinco A-4 Skyhawk. Todo esforço da Argentina era em vão, com episódios dignos de trapalhadas.
Além dos mísseis não funcionarem contra os Harrier, caças argentinos realizaram ataques com bombas que foram mal armadas e não explodiram, mesmo atingindo em cheio os alvos. A força aérea argentina também não contava com tanques de combustível descartáveis no estoque e exigia que os pilotos não os ejetassem, mesmo em combate.
Outro episódio lamentável foi o abate de um Mirage III por “fogo amigo”. Após ser atingido por um Harrier, o piloto do caça argentino tentou levar a aeronave para uma pista na ilha. No meio do percurso, para aliviar o peso da aeronave, optou por alijar os tanques de combustível externos e acabou confundido pelas tropas do exército argentino como um caça britânico lançando bombas, e foi derrubado por um míssil terra-ar.
Nos dias 23 e 24 de maio, mais aeronaves argentinas pereceram diante dos Harriers, já chamado pelos soldados argentinos de “Muerte Negra”, devido a pintura dos caças, em tom cinza escuro. No primeiro dia, a FAA perdeu um helicóptero Puma e mais um caça Dagger e no seguinte mais quatro Dagger foram derrubados pelo caça britânico, que se consagrava a cada dia.
Um dos últimos combates aéreos do Harrier, realizado no dia 1º de junho, foi contra um C-130 Hercules, que voava em missão de reconhecimento, operação para qual o cargueiro não foi concebido.
Na ação aérea final da Guerra das Malvinas, no dia 8 de junho, os caças ingleses derrubaram mais quatro A-4, que tentavam um ataque desesperado contra as embarcações britânicas – a essa altura já praticamente estacionadas na costa das ilhas -, que no dia 14 de junho voltou a ser chamada de Falkland, após a rendição da Argentina.
No final do conflito, os Harrier realizaram um total de 1.200 saídas e nenhum foi abatido em combate aéreo. Os argentinos, por sua vez, perderam 23 aeronaves, mas conseguiram abater com fogo de canhão e mísseis terra-ar quatro dos temidos caças ingleses. A força britânica ainda perdeu outros quatro aparelhos, acidentados devido às condições de voo praticamente proibitivas no Atlântico Sul.
Ilhas Falkland, hoje
A rápida invasão das Ilhas Falkland, como fizeram os argentinos em poucas horas em 1982, dificilmente poderá ser repetida pela Argentina ou qualquer outro candidato a conquistar o território, valorizado por suas reservas de petróleo pouco exploradas e a posição estratégica, próxima a diversas bases de pesquisa na Antártica.
Desde o final da Guerra das Malvinas, os britânicos mantém permanentemente na região grandes embarcações de combate e tropas do exército com armamentos pesados. O Reino Unido também instalou um sistema de vigilância avançado nas ilhas e uma base militar, onde a RAF mantém uma frota de caças Eurofighter Typhoon preparados para repelir qualquer invasor, seja de um país da América do Sul ou até uma grande potência.
Veja mais: O avião e sua múltipla paternidade
Muito banaca a matéria, mas faltou comentar dos Super Etendard com seu temido míssil Exocet, que inclusive afundou um navio Britânico!!
Não é o que sabia. Na época do conflito no Cone Sul foi dito (Em tempo de guerra, mentira como terra) que o Harrier foi um fiasco em seu batismo de fogo.
Os britânicos tem séculos de experiência em guerras, e em cerca de dois meses retomaram o controle das Falklands. Isso não quer dizer que o trabalho foi moleza, pelo contrário: mais de 250 militares ingleses morreram no conflito, 24 helicópteros, 10 caças e algumas embarcações foram destruídas.
Faltou contar o estrago que os Exocet fizeram na Royal Navy.
Um detalhe essencial e não comentada é que a força de Harriers era composta de Sea Harriers dedicados à defesa de frota e Harriers da RAF (especializados em ataque ao solo de baixa altitude) foram adaptados para operação embarcada. Cada qual cumpriu com excelência suas funções. Relatos dos pilotos navais britânicos descrevem que as táticas de dogfight dos argentinos eram antiquadas e não foram páreo para o treinamento intenso da Guerra Fria praticado pela RN. A favor dos argentinos, como mencionado, foi o uso efetivo de 2 mísseis Exocet, com uma missão bem planejada e executada, e descrita em séries apresentadas pelo Discovery há um bom tempo. Em resumo, um conflito com episódios interessantes para estudo.
E se fosse o Brasil a enfrentar os ingleses? Será que nos sairíamos melhor? Naquela época acho que tínhamos apenas f5 armados de canhões e sem mísseis, talvez mirrages e xavantes aos montes.
Se a Argentina tivesse se preparado melhor para o embate, poderia ter vencido o conflito. Já o Brasil, precisaria de melhores vetores.
Também, com os EUA passando informações sobre os aviões argentinos para a Inglaterra.
Esse é um lado da história, o da supremacia aérea conquistada pelos britânicos por conta da ação dos Harrier, usando táticas adequadas. E isso começou pelo domínio marítimo. O Reino Unido era (é) uma potência militar, integrada à OTAN, e em permanente prontidão por conta da Guerra Fria. Por outro lado, os argentinos provocaram grandes perdas na Royal Navy, com ataques tanto diretos com bombas quanto pelo uso do Exocet. Não foi um passeio, como muitos pensam e houve preocupações no comando britânico. A logística (falta de reabastecimento aéreo devido a distância) foi um dos fatores da derrota portenha, mesmo assim Los Hermanos foram bravos, em suas limitações.
Gostei de reportagem.
Faltou 2 informações interessantes.
1 Avro Vulcan pousou no aeroporto do Galeão no RJ por problemas de reabastecimento no ar. (Brasil era neutro na época)
Vi uma análise tática dos pilotos ingleses que abatarem os 2 Mirages III argentinos. Os pilotos sabiam que os Mirages eram superiores aos Sea Harries, porém faltavam treinamento e táticas de combates aos argetinos.
Vale lembrar que era o meio da Guerra Fria com a URSS e os pilotos britânicos eram pilotos da OTAN, top do eixo EUA, UK, França, Alemanha Ocidental. Não dava para competir.
O problema não era equipamento e sim treinamento.
Obrigado Flavio! Nessa matéria focamos mais no Harrier. Também temos um texto sobre a operação Black Buck com os Vulcan, procure em nosso site! abs
Esqueceram de registrar que a França, sob pressão do Reino Unido, repassou os códigos dos armamentos dos Mirrage para os Britânicos. Isso gerou um desequilíbrio vital na Guerra das Malvinas.
falar de uma força aerea sem tradiçao nenhuma enfrentar os grandes covardes imperialistas e facil.