O custo de certificação de um avião ou helicóptero varia grandemente com seu porte e principalmente com sua utilização. Os requisitos são organizados de forma que aeronaves menores, de uso eventual, possuam requisitos mais brandos e de comprovação menos complexa do que aeronaves maiores de uso comercial. Mesmo sendo organizados desta forma, a certificação de um avião ou helicóptero representa parte substancial de seu custo de desenvolvimento.
Existe, porém, um segmento da aviação que não está sujeito às necessidades da certificação aeronáutica. Este segmento é composto por entusiastas, pessoas que gostam e se sentem atraídos por aviões. Eles são pilotos, engenheiros, administradores, na sua maioria autodidatas, que desenvolvem aeronaves de pequeno porte, para uso pessoal em voos desportivos ou de lazer.
O órgão regulador entende que o processo de certificação inviabilizaria por completo este segmento tão importante para a aviação, e por esta razão permite a existência da categoria de registro de aeronaves experimentais, ou seja, aeronaves que os entusiastas podem projetar, construir e voar.
Se tais aeronaves não têm seu projeto e produção submetidos a um processo formal de certificação, a autoridade estabelece regras claras de operação: esses aparelhos não podem sobrevoar áreas densamente povoadas e também são proibidos de serem utilizados em atividades remuneradas.
Isso é necessário pois embora o piloto/projetista conheça e esteja disposto a assumir os riscos de voar em seu avião, as pessoas no solo não conhecem e não podem ser expostas a este mesmo risco.
Especificações de um avião experimental
Tais aeronaves, possuem frequentemente peso máximo de decolagem inferior a 650kg e capacidade de transporte de 2 passageiros, incluindo o piloto. Com motores convencionais e hélices de passo fixo, sua construção e operação são bastante simples.
No Brasil, segundo dados da ANAC de março de 2016, existem pouco mais de 4400 aeronaves registradas como experimentais, das quais 70% possuem peso máximo de decolagem igual ou inferior a 650kg e capacidade para até 2 passageiros. As aeronaves com capacidade para cinco ou menos passageiros representam 95% da frota registrada como experimental, o que demonstra o alinhamento com o espírito da regulamentação.
Em qualquer indústria autorregulada o usuário final está exposto a bons e maus produtos, cabendo a ele avaliar diligentemente o que está comprando. Numa análise preliminar, nota-se que na sua grande maioria o mercado de kits aeronáuticos e aeronaves experimentais possui fabricantes sérios que conhecem e assumem a responsabilidade pelo que produzem, mas alguns exageros acontecem.
Hoje encontramos kits de aeronaves com motores a reação, capacidade para mais de 7 passageiros, velocidades de cruzeiro iguais ou superiores às de aeronaves certificadas, e por preços equivalentes ao de aviões certificados. Tais exageros, embora poucos, são um claro desvio à intenção da regulamentação, usando de interpretações da mesma para fugir dos custos e dos testes necessários para garantir a segurança mínima de seus produtos.
Ninguém deve duvidar da importância e do valor desse segmento da indústria. No Brasil e em outros países do mundo as aeronaves experimentais representam uma parcela significativa das aeronaves registradas, movimentando a economia, gerando empregos e desenvolvimento.
Entretanto para o sucesso e segurança do próprio segmento, a auto-regulamentação deve funcionar. Os participantes do mercado, entusiastas, engenheiros, mecânicos e pilotos devem reforçar as regras existentes evitando a exposição de vidas a riscos desnecessários.
Um piloto que elabora um plano de voo com uma aeronave experimental sobre uma área densamente povoada está infringindo uma regra clara dos regulamentos, tal infração pode gerar descrédito sobre toda a indústria, trazendo custos desnecessários e inviabilizando a existência de aeronaves leves desportivas no Brasil.
Assim, a mera existência de aeronaves experimentais não representa perigo adicional à população ou à comunidade aeronáutica, desde que suas poucas regras sejam seguidas por todos, e que a própria indústria repudie os maus fabricantes, operadores e distribuidores.
*Shailon Ian é engenheiro aeronáutico formado no ITA e presidente da Vinci Aeronáutica.
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Qual a diferença de regulamentação, de custo em taxas e custo em inspeção entre uma aeronave experimental e uma aeronave leve recreativa? Tem diferença de imposto de importação novas ou usadas?