Projeto aeronáutico mais avançado desenvolvido no Brasil, o cargueiro Embraer KC-390 está na reta final dos testes de certificação. E não são poucas as tarefas propostas para a aeronave, que vão muito além do transporte de material e tropas. Cada uma dessas funções precisa ser testada e aprovada, caso contrário o avião não recebe permissão para entrar em operação.
Segundo a Embraer, que testa a aeronave junto da Força Aérea Brasileira (FAB), os dois protótipos do KC-390 utilizados na campanha de ensaios somam mais de 1.000 horas de voo. Em entrevista ao Airway durante o 1º Fórum Asas, realizado em São Paulo nessa terça-feira (9), o brigadeiro Paulo Roberto de Barros Chã, oficial da FAB e gerente de desenvolvimento do Ministério da Defesa, afirmou que 94% dos testes previstos para o projeto já foram realizados.
“O desenvolvimento do KC-390 está acima das expectativas. A campanha de ensaios deve somar aproximadamente 2.000 horas de voo e ainda vai exigir uma terceira aeronave, já com as configurações do modelo de produção em série”, contou o brigadeiro Chã.
A aeronave citada pelo brigadeiro, que receberá o prefixo “FAB-001”, está na fase final de montagem na fábrica da Embraer em Gavião Peixoto (SP), onde a empresa produz seus aviões militares – os aviões comerciais e executivos da Embraer são produzidos nas unidades em São José dos Campos (SP) e em Melbourne, nos Estados Unidos.
A programação da fabricante prevê a entrega de dois KC-390 de série à FAB até o final de 2018. Ao todo, o contrato da Aeronáutica firmado com a fabricante contempla 28 aeronaves, que serão produzidas e entregues ao longo de 12 anos, a partir da estreia do avião no Brasil. Ao final deste período, o novo cargueiro militar da Embraer deverá substituir por completo a frota de C-130 Hercules, hoje composta por cerca de 20 aparelhos.
“Assim como é o Hercules atualmente, o KC-390 é um tipo de aeronave fundamental para as operações da FAB e também das outras forças armadas do país. Nossa previsão é de que os novos jatos permaneçam em operação pelos próximos 40 anos”, explicou o brigadeiro da FAB.
O que já foi testado?
A campanha de ensaios de voo do KC-390 começou no momento em que o primeiro protótipo decolou pela primeira vez em Gavião Peixoto, no dia três de fevereiro de 2015. Desde então, os protótipos voaram praticamente todos os dias.
Os testes já contaram com a “abertura total do envelope de voo”. Ou seja, o KC-390 já voou a velocidade e altitude máximas para o qual foi projetado: cerca de 850 km/h e 10,970 metros. A aeronave também foi testada e aprovada em ensaios como avaliação de ruído externo, resistência ao gelo e verificação das capacidades dos motores e controles de voo.
“O KC-390 precisa ser testado e aprovado em todas as situações para o qual foi projetado seguindo as especificações do primeiro cliente, a FAB. Por isso o desenvolvimento de um novo avião, sobretudo um modelo militar, leva um certo tempo para ser concluído”, explicou Rafael Gustavo Fassina Marques, gerente de desenvolvimento de negócios da Embraer Defesa e Segurança.
Além das provas de desempenho dinâmico, a aeronave também foi submetida a alguns dos empregos que terá de desempenhar com a FAB, como o lançamento de tropas e cargas de paraquedas, utilizando tanto a rampa traseira como as portas laterais.
Outro importante ensaio confirmado foi a prova de reabastecimento aéreo de caças, realizada com modelos Northrop F-5 Tiger da FAB. Na ocasião, os aviões de combate realizaram o “contato seco” com as duas mangueiras de combustível do KC-390, equipamentos que vão montados nas asas do cargueiro.
A Embraer também já provou que KC-390 pode voar tranquilamente por longas distâncias. Em julho de 2016 a aeronave cruzou o Oceano Atlântico e seguiu até a Europa, onde foi apresentada em Portugal e no festival de Farnborough, na Inglaterra. Durante esse tour internacional, o protótipo ainda percorreu mais 30.000 km pelos céus da Europa, África e Oriente Médio, em demonstrações a potenciais clientes.
O que falta ser testado?
A reta final da campanha de testes envolve algumas das provas militares mais desafiadoras para o KC-390. Além da capacidade de reabastecer caças, o cargueiro da Embraer também foi projetado para transferir combustível em pleno voo para helicópteros, função que exige da aeronave maior controle e precisão em velocidade inferiores. A expectativa é que esse teste seja realizado até o final deste ano, com modelos H-36 Caracal da FAB – o KC-390 também poderá ser reabastecido em voo.
O KC-390 também será submetido a avaliações de embarque de veículos militares pela rampa traseira. O compartimento de carga da aeronave possui espaço para receber, por exemplo, um caminhão, um tanque leve ou três jipes do tipo “humvee”. O espaço também permite o embarque de um helicóptero Blackhawk, com as hélices desmontadas.
Também é necessário testar e aprovar a capacidade da aeronave para o combate a incêndios, missão que exige a instalação de equipamentos específicos e voos em baixa altitude.
Já as provas mais duras que o KC-390 deve enfrentar são as operações de pousos e decolagens em pistas semi-preparadas, incluindo ensaios em pisos de gelo. Essa capacidade será fundamental para a FAB manter o abastecimento do centro de pesquisas do Brasil na Antártica, realizada atualmente pelos Hercules do Primeiro Grupo de Transporte, o “Esquadrão Gordo”.
Segundo a Embraer, a declaração de “Capacidade Operacional Inicial”, certificação que libera a aeronave para suas primeiras operações, deve ser emitida até o final de 2017. Já o certificado de “Capacidade Operacional Final”, que atesta todas as capacidades previstas pela FAB para o KC-390, é esperado para o final de 2018.
Quem mais pode comprar o KC-390?
Até o momento, a Força Aérea Brasileira é o único cliente confirmado do KC-390. O Brasil, contudo, dificilmente deve ser o único operador do cargueiro. Outros países que já demonstraram em interesse na aeronave brasileira foram a Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Portugal, República Tcheca, Suécia, Nova Zelândia e Alemanha.
A exemplo da FAB, que encomendou os KC-390 para substituir a frota de Hercules, esse mesmo caminho pode ser seguido por outras nações que também buscam um substituto para seus veteranos C-130, um dos aviões militares mais populares do mundo.
A medida que os Hercules atuais forem aposentados, uma solução para suprir essas lacunas pode ser um novo Hercules, aeronave projetada pela Lockheed Martin na década de 1950, ou o novo produto da Embraer, que possui capacidades e desempenho superiores.
Previsões iniciais dão conta de que serão necessários 700 novos cargueiros militares do porte do KC-390 nos próximos 20 anos no mundo todo, mercado que deve movimentar, em valores atuais, aproximadamente R$ 200 bilhões. Em outras palavras, a Embraer está projetando um novo avião que pode ajudar a indústria e a economia brasileira a decolarem para voos inéditos.
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