Os 50 anos do primeiro voo do A300, jato que iniciou a ‘revolução Airbus’

Primeiro widebody bimotor do mundo era quase uma piada há meio século, mas foi a base para o fim do quase monopólio dos EUA na aviação comercial
O Airbus A300 em sua turnê pelo Brasil em 1973 (Airbus)

Em meados da década de 60, os fabricantes de aeronaves dos EUA dominavam de tal maneira o mercado de aviação comercial que 9 em cada 10 aviões pertenciam à Boeing, Douglas ou Lockheed.

Os europeus, embora tecnicamente avançados, mal conseguiam enfrentar a força norte-americana, apesar de vários modelos como o One-Eleven, Caravelle, Trident e VC-10, para citar alguns.

Enfrentar os Estados Unidos era, portanto, uma tarefa inglória, ainda mais que para isso seria preciso unir forças. A Europa tinha bons exemplos de projetos conjuntos como o cargueiro militar C-160 Transall (França e Alemanha) e sobretudo o supersônico Concorde (parceria dos franceses com os britânicos), mas para lançar um jato comercial atraente comercialmente o desafio era grande.

Foi o que tentaram Hawker Siddeley, Breguet e Nord Aviation com o projeto HBN 100, enquanto a Sud Aviation planejava colocar no mercado o Galion.

Apenas em 1966, os governos da França, Alemanha e do Reino Unido decidiram lançar as bases de um projeto conjunto, chamado de “ônibus aéreo” (air bus em inglês), para se referir a uma aeronave de grande porte. O grupo era formado pela Sud Aviation, MBB, VFW e Hawker Siddeley, enquanto o motor seria fornecido pela Rolls Royce, que desenvolvia o turbofan RB.207.

Os projetos que deram origem à Airbus: conceito do widebody birreator já se propagava pela Europa | Airbus

Parecia promissor, mas logo surgiram os primeiros problemas. Em 1969, o Reino Unido saiu do projeto, assim como a Rolls-Royce desistiu do RB.207 em favor do menor RB.211, a ser usado pelo Lockheed L-1011 TriStar.

A mudança acabou sendo positiva já que a Airbus, já formada, selecionou o CF6-50A, da GE, já em desenvolvimento, inicialmente para o DC-10.

Dois únicos A300B1

Mas afinal que tipo de avião pretendiam os sócios europeus? Uma aeronave capaz de transportar até 300 passageiros, daí a designação A300. Ele teria fileiras de até nove assentos e precisaria de um motor bastante potente, por isso o RB.207 era vital inicialmente.

Seria um avião maior que um Boeing 777-200 e que interessava apenas a British European Airways (BEA), mas a saída dos britânicos, Air France e Lufthansa solicitaram um avião menor, com cerca de 225 assentos.

A Airbus, então, repensou os primeiros esboços, muito parecidos com o Galion, da Sud Aviation, em favor de uma aeronave com seção de fuselagem menor (para oito assentos), com dois corredores, mas um piso mais elevado para permitir o transporte de containers LD3 no porão. O jato foi batizado como A300B, embora tivesse pouco a ver com a ideia original.

A maquete do A300B em Le Bourget em 1969 (Airbus)

O lançamento do programa A300 ocorreu no Paris Air Show de junho de 1969, com direito a uma maquete em tamanho real da fuselagem frontal do widebody.

A Airbus Industrie, como era chamada no começo, só foi criada oficialmente em 1970, com 50% de participação para França e Alemanha e tendo como sócias a SNIAS (fusão entre Nord e Suv Aviation, mais tarde chamada de Aerospatiale) e a Deustche Airbus (junção das alemãs MBB, VFW e HFB).

No ano seguinte, no entanto, a CASA, da Espanha, entrou no projeto, adqurindo uma participação de 4,2%. Enquanto isso, a Hawker Siddeley manteve-se como um parceiro “associado”, responsável por produzir as asas do A300. Apenas em 1979, a Airbus chegou à sua formação de longo prazo, com a entrada tardia da British Aerospace, que dois anos foi criada com a fusão entre a British Aircraft Corporation e a Hawker Siddeley.

A divisão de participação ficou assim: França e Alemanha com 37,9% cada, Reino Unido com 20% e Espanha com os 4,2% restantes.

 

O primeiro A300B sai do hangar (Airbus)

Tudo para dar errado

No começo dos anos 70, a Boeing já dominava as vendas de jatos comerciais, embora com a Douglas muito próxima. Enquanto o 707 e o 727 enfrentavam o DC-8 e o pequeno DC-9, as duas gigantes iniciavam a disputa pelos grandes widebodies de longo alcance.

O quadrimotor 747 logo se estabeleceu como aeronave de referência para voos transcontinentais, com os trimotores DC-10 e o TriStar tentando tirar algum naco de vendas da Boeing.

Foi nesse cenário que o A300 despontou. Enquanto as concorrentes dos EUA investiam em grandes jatos com alcance elevado, a Airbus apostava numa aeronave de porte médio e autonomia pequena, o A300B1.

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A perplexidade com o programa era enorme já que unia quatro países de línguas e culturas diferentes e um processo de montagem dos aviões descentralizado, com partes sendo produzidas no Reino Unido, Alemanha e Espanha e então levadas pelo velhos Guppy para serem unidas na planta de Toulouse, no sul da França.

Os fornecedores também eram originários de várias partes do mundo, ao contrário dos jatos dos EUA, produzidos de forma doméstica.

Mas a solução inovadora acabou se mostrando vantajosa já que cada parceiro se especializou em sua área de atuação e todo o processo de fabricação acabou se mostrando veloz.

Veja também:

O primeiro protótipo do A300B1 começou a ser montado em setembro de 1969 e ficou pronto três anos depois. Apenas um mês após seu roll-out, A300B1 fez seu voo inaugural, em 28 de outubro de 1972.

A data, que acaba de completar 50 anos, tem um significado muito maior já que marcou o início de uma revolução no transporte aéreo. Meio século depois, a Airbus é hoje o maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo, encerrando um domínio de décadas da Boeing.

Curiosamente, o pioneiro A300B1 só teve mais uma aeronave produzida, o segundo protótipo. Nessa época, a Airbus já havia desenvolvido o A300B2, com 2,6 metros a mais de comprimento e capacidade para até 251 passageiros, a pedido da Air France.

A tripulação do primeiro voo do A300 (Airbus)

O A300 foi certificado em março de 1974, apenas 18 meses após o voo inaugural, e entrou em serviço pela Air France em maio daquele ano, dando início a um longo período de mudanças na aviação comercial.

Desde aquele 28 de outubro, os céus não foram mais os mesmos no mundo. Jatos comerciais com dois motores passaram a ser o padrão da indústria aeroespacial, incluindo os voos de longa duração, graças a confiabilidade cada vez maior de turbofans.

O A300 foi ainda a base para avanços tecnológicos como o uso de materiais compostos em grande escala, a introdução das tripulações com apenas dois pilotos em grandes jatos, e os comandos por Fly-By-Wire, mais precisos e eficientes, entre outras novidades.

Nada mal para um projeto que nasceu sob enorme ceticismo.

Um dos dois A300B1 em Toulouse (Airbus)

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