Os aviões da Ford

Henry Ford foi um dos pioneiros da aviação e liderou a indústria aeronáutica dos EUA na década de 1920
Ícone da década de 1920: o Ford Trimotor foi produzido entre 1926 e 1933 (Golden Wings Museum)
Ícone da década de 1920: o Ford Trimotor foi produzido entre 1926 e 1933 (Golden Wings Museum)

Hoje uma das maiores fabricantes de automóveis do mundo, a Ford, lá na suas origens nas primeiras décadas do século XX, também se aventurou a fabricar aviões. Henry Ford, um grande entusiasta de máquinas voadoras, antes mesmo que elas um dia já tivessem voado, liderou projetos pioneiros e inovadores na aviação, levando seu nome ao topo da indústria aeronáutica dos Estados Unidos na década de 1920, no mesmo momento em que o Ford Model T era o carro mais popular do planeta.

Logo em 1909, apenas três anos após o primeiro voo do 14-Bis de Santos Dumont, Henry Ford financiou a construção de um dos primeiros aviões dos EUA. Os responsáveis pelo projeto foram seu filho Edsel e seu amigo Charles Van Auken, então garotos com apenas 15 anos. O plano de Ford era construir um avião impulsionado pelo motor do Model T, que neste tempo ainda não era produzido em série. O “boom” da linha de montagem do carro foi em 1913.

Usando como base o Blériot XI, um rudimentar avião francês, a Ford projetou o Ford-Van Auken 1909 Monoplane. A aeronave tinha o corpo de madeira, asas cobertas de tecido e um motor de 28 hp de Ford T. Na tentativa do primeiro voo, em 1909, o Monoplane voou a poucos metros do solo até bater sobre uma cerca. No ano seguinte, com um motor mais potente, o avião voou por mais tempo e mais alto, o suficiente para acertar uma árvore…

O Monoplane foi considerado “controverso” na época. Além da tentativa de copiar o Blériot XI, as modificações realizadas nos EUA pioraram o avião. O trem de pouso, por exemplo, tinha base rígida. Outro problema era o motor de Ford T, muito pesado. Com o fracasso, a aeronave acabou cancelada.

O Ford-Van Auken 1909 Monoplane foi uma tentativa de reproduzir o Blériot XI (Domínio Público)
O Ford-Van Auken 1909 Monoplane foi uma tentativa de reproduzir o Blériot XI (Domínio Público)

Ford decola

Em 1919, nomeado pelo pai, Edsel Ford se tornou o presidente do grupo Ford. Nessa mesma época a aviação passava pelo seu momento de consolidação, após provar seu valor em combate na Primeira Guerra Mundial. Em poucos anos, o novo mandatário da então maior fabricante de carros do mundo reverteu parte dos recursos da empresa para o novo segmento que surgia e suas possibilidades.

O primeiro passo de Edsel da aviação como empresário da Ford, em 1922, foi a aquisição de ações da Stout Metal Airplane, fabricante de aviões de Detroit. O investimento mostrou resultado e dois anos depois a empresa iniciou a produção do monomotor 2-AT Pullman. Para os padrões daquela década, era um avião com boa capacidade e elementos interessantes: a fuselagem era de metal e a cabine tinha capacidade para nove passageiros.

Parte do desenvolvimento do Stout 2 AT-2 foi bancado pela Ford, no início dos anos 1920 (Domínio Público)
Parte do desenvolvimento do Stout 2 AT-2 foi bancado pela Ford, no início dos anos 1920 (Domínio Público)

Com os bons resultados do Pullman, Edsel incorporou em definitivo a Stout ao grupo em 1925 e se tornou presidente da primeira divisão aeronáutica da Ford, a “Stout Metal Airplane Division of the Ford Motor Company”. Nesse mesmo ano, para voar com o novos aviões, Henry Ford e Edsel lideram a criação de uma uma companhia aérea, a Ford Air Transport Service, que transportava passageiros e correspondências. Antes disso, em 1924, para servir como base do novo braço da empresa, a Ford já havia construído um aeroporto em Dearborn.

Investindo alto na nova divisão, a Henry Ford anunciava que estava construindo o “avião do futuro”. Nesse tempo corria o desenvolvimento do Stout 3-AT, um avião com três motores e fuselagem de metal semi-circular. Os testes com o novo modelo, realizados em 1925, porém, foram péssimos.

Os testes com o protótipo do Stout 3 AT revelaram péssimas performances (Domínio Público)
Os testes com o protótipo do Stout 3 AT revelaram péssimas performances (Domínio Público)

Segundo relatos da época, o piloto de testes da aeronave, Rudolph William “Shorty” Schroeder, revelou que o avião não conseguia ganhar altitude e sua capacidade de manobra era muito limitada. Receoso, Shorty ainda se recusou a voar novamente com o Stout 3-AT e disse para a Ford esquecer o projeto.

Sobre o resultados dos testes, Henry Ford declarou que o avião era “aerodinamicamente monstruoso” e afastou a equipe de William Bushnell Stout, fundador original da Stout Metal. Em janeiro de 1926, a fábrica da Stout pegou fogo, destruindo motores, uma série de modelos 2-AT Pullman e o único protótipo do Stout 3-AT.

Ford Trimotor

No início dos anos 1920, os aviões ainda eram máquinas incipientes. Eram raras as aeronaves que apresentavam condições adequadas para tornar a aviação comercial viável e segura. Um modelo de sucesso desse tempo era o trimotor Fokker F VII, fabricado na Holanda. Foi com esse avião que o explorador Floyd Bennett, em 1925, voou pela primeira vez sobre o Polo Norte, uma aventura bancada por Edsel Ford.

A Ford patrocinou a primeira expedição aérea no Ártico, com o trimotor Fokker F VII (The Henry Ford Museum)
A Ford patrocinou a primeira expedição aérea no Ártico, com o trimotor Fokker F VII (The Henry Ford Museum)

Na Europa, o então confiável avião da Fokker com espaço para até 12 passageiros, fabricado a partir de 1924, ajudou no florescimento de algumas das primeiras companhias aéreas do Velho Continente, como a Swissair e a KLM. Nos EUA, o trimotor holandês era importado para cumprir o mesmo papel, com as cores da Pan Am e a TWA.

Mesmo com a fábrica da Stout destruída pelo incêndio em 1926, a Ford seguiu na aviação com suas próprias instalações em Dearborn. Na época do acidente, a fabricante trabalhava no projeto do Stout 4-AT, um avião trimotor muito semelhante ao Fokker F VII, mas com melhorias importantes. A aeronave era construída totalmente em metal, era maior e voava mais rápido e por maiores distâncias.

Devagar e sempre: o Ford Trimotor voava a 5.000 metros de altitude a 170 km/h (Domínio Público)
Devagar e sempre: o Ford Trimotor voava a 5.000 metros de altitude a cerca de 170 km/h (Domínio Público)

O primeiro protótipo do Stout 4-AT, projetado pele equipe Stout que fora readmitida por Henry Ford, voou em 11 de junho de 1926. Os testes agradaram a cúpula da fabricante e, no mesmo ano, o avião foi lançado, mas renomeado como Ford Trimotor. Os primeiros operadores da aeronave foram a companhia da Ford e a TWA. Em poucos meses o novo aparelho já voava em ligações aéreas de uma ponta a outra dos EUA.

Os três motores radiais da aeronave, cada um com 300 hp, permitiam ao trimotor acelerar até 215 km/h e em voo de cruzeiro (a cerca de 170 km/h) era possível cobrir distâncias próximas dos 1.000 km. O Ford Trimotor era o avião mais avançado do mundo naquele tempo, despertando atenção do mundo inteiro.

Depois de ter levado o nome da Ford para o primeiro voo sobre o Polo Norte com o Fokker F VII, a montadora patrocinou, em 1929, a primeira expedição aérea sobre o Polo Sul, mas desta vez com um Ford Trimotor modificado.

Henry Ford anunciava a maior maravilha de seu grupo como o “avião mais seguro do mundo”, pelo fato da construção da aeronave com ligas metálicas. E de fato o velho Ford estava correto: foram registrados apenas cinco acidentes durante a carreira do Ford Trimotor, que seguiu voando até a década de 1940.

O Trimotor foi comprado por diversas companhias aéreas dos EUA e países na América Latina e também por operadores militares, atuando como cargueiro e transporte de soldados. Na Europa, fiel aos aviões da Fokker, o único cliente foi a Czechoslovak Airlines, da antiga Checoslováquia.

A produção do Trimotor foi encerrada em 1933 e alcançou 199 unidades. Embora curto, foi um período em que a Ford foi a maior fabricante de aviões comerciais e de carros do mundo.

A aviação avançou mais rápido que o Ford Trimotor. No início dos anos 1930, o avião da Ford já era obsoleto frente aos novos aviões de empresas que começavam a despontar, como foi o caso da Boeing e a Douglas Aircraft.

Avião pessoal

Em 1926, mesmo ano em que apresentou o Trimotor, a Ford expôs pela primeira vez o Flivver, ou o “Ford T dos céus”, como previa Henry Ford. A nova empreitada da empresa na aviação foi a tentativa de criar um avião pessoal, para voar de casa ao escritório, como dizia a propaganda.

o Ford Flivver foi proposto por Henry Ford como o "Ford T dos ares" (Domínio Público)
o Ford Flivver foi anunciado por Henry Ford como o “Ford T dos ares” (Domínio Público)

O Ford Flivver era um avião minúsculo, com 4,7 metros de comprimento por 6,6 m de envergadura, e pesava apenas 225 kg. O projeto foi criado por Otto Koppen, então engenheiro da Stout Metal Airplane. A aeronave tinha fuselagem tubular e asas de madeira, tudo coberto por tecido. Já o motor radial rendia “incríveis” 36 cavalos de potência.

Entre 1926 e 1928, os protótipos do Flivver eram figuras quase comuns pelos céus de Dearborn. O modelo era avaliado pelo piloto de testes Harry J. Brooks, que de fato levava a proposta do avião ao pé da letra. Brooks, que foi um grande amigo da família Ford, voava frequentemente de sua casa até a base da fabricante com o pequeno avião.

A carreira do Flivver, porém, acabou interrompida bruscamente após um acidente em 25 de fevereiro de 1928. A Ford tentava bater o recorde de autonomia para aviões leves, mas durante o voo a aeronave caiu no mar, na região da Florida. O corpo de Brooks nunca foi encontrado.

A Ford construiu cinco protótipos do Flivver até a morte de Brooks, em 1928 (Domínio Público)
A Ford construiu cinco protótipos do Flivver até a morte de Brooks, em 1928 (Domínio Público)

Abalado com o acidente e a morte de Brooks, Henry Ford cancelou o projeto do Flivver com cinco protótipos construídos.

Últimos voos da Ford 

Da mesma forma que a década de 1920 impressionou os americanos e o mundo com uma série de avanços tecnológicos, o seu final também surpreendeu, mas de forma negativa. A Grande Depressão de 1929 arrasou a economia dos EUA, se arrastando pelas duas décadas seguintes e superada somente ao final da Segunda Guerra Mundial.

A crise de 1929 forçava a família Ford a paralisar suas fábricas de carros de tempos em tempos e fez as encomendas pelo Trimotor desaparecerem. Apesar dos percalços, a divisão aeronáutica da montadora americana ainda resistiu bravamente pela década seguinte.

Ainda convicto do plano de idealizar o “avião pessoal”, Henry Ford exigiu novos projeto de aeronaves com essa característica. O primeiro modelo apresentado foi excêntrico o Stout Skycar, um avião que deveria ser tão fácil de operar e confortável como um carro. O modelo foi um dos destaques da Ford no Salão de Detroit de 1931.

O Skycar voava, mas não era fácil de manter e ser operado, como um carro (Domínio Público)
O Stout Skycar voava, mas não era fácil de manter e ser operado, como um carro (Domínio Público)

O Skycar não vingou, mas ele funcionava! William Stout, mesmo depois de deixar a Ford, continuou voando com um dos protótipos até a década de 1940 e depois o doou a uma instituição. Esse mesmo avião hoje está exposto no museu aeroespacial de Dulles, em Virginia, nos EUA.

O último projeto dos Ford com a fabricante de Stout foi uma ousada tentativa de construir uma asa voadora, o Ford Model 15-P. Henry Ford mais uma vez insistia na ideia do avião pessoal, e agora queria acrescentar adrenalina à fórmula.

O 15-P, testado a partir de 1935, era um avião todo de metal, com cabine para dois ocupantes e um potente motor V8 de 115 hp. Para os parâmetros da época, era algo como um carro esportivo com asas. Mas o novo projeto da Ford tinha sérias dificuldades para voar. Diversos testes com a aeronave resultaram em acidentes e o programa foi suspenso.

O Ford Model 15-P era bonito, mas tinha dificuldades para levantar voo (The Aviation Legacy of Henry & Edsel Ford)
O Ford Model 15-P era bonito, mas tinha dificuldades para levantar voo (The Aviation Legacy of Henry & Edsel Ford)

Sem novos projetos ou um avião comercial para concorrer com os avançados Douglas DC-3 e o Boeing 247, a divisão aeronáutica da montadora norte-americana perdeu o protagonismo no setor. Em 1936, a Ford encerrou as atividades da Stout Metal Aeroplane.

Retorno aos ares na Segunda Guerra Mundial

Com a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, a Ford foi convocada para o serviço militar. Além de veículos terrestres, as forças armadas americanas também precisavam de aviões. Em 1941, a Ford reativou a Stout Metal Aeroplane e iniciou a produção de componentes para aeronaves da Douglas Aircraft e a Consolidated Aircraft.

Ainda no final daquele ano, com a ampliação do complexo de Willow Run, nos arredores de Detroit, a fábrica iniciou a fabricação em série completa do Consolidated B-24 Liberator. O bombardeiro quadrimotor foi o avião mais produzido nos EUA durante a guerra. Até o final da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1945, a produção do modelo alcançou 19.256 unidades. A Ford produziu a metade.

A Ford produziu a metade dos mais de 19 mil bombardeiros B-24 construídos durante a Segunda Guerra Mundial (Domínio Público)
A Ford produziu a metade dos mais de 19 mil B-24 construídos durante a Segunda Guerra Mundial (Domínio Público)

O ato derradeiro da Ford na aviação, ainda envolvida no esforço de guerra, foi a colaboração na construção da versão americana da bomba voadora V-1, que era usada pela Alemanha nazista em ataques na Europa. A fabricante teve acesso a modelos da arma capturados em 1944, que logo foi copiado originando a Republic-Ford JB-2 no ano seguinte.

A Republic Aircraft ficou responsável por desenvolver os componentes aerodinâmicos da V-1 americana, enquanto a Willys-Overland e a Ford cuidaram da reprodução do motor “pulsejet”, uma forma primitiva dos motores a jato. O objetivo das forças armadas dos EUA eram utilizar a arma para atacar alvos na Alemanha e Japão.

O plano previa a produção de 75 mil bombas voadoras. Entretanto, com o final da guerra na Europa, em maio de 1945, e depois, em setembro, no Japão, a linha de montagem da JB-2 foi encerrada. Em um ano, a produção da V-1 americana alcançou 1.391 unidades.

Do pequeno Monoplane ao glorioso Trimotor, até a produção massiva de bombardeiros B-24 e a reprodução da temível bomba voadora nazista, o fundador da Ford Motor Company, então com mais de 80 anos, participou de todas a etapas da aventura industrial de sua marca na aviação.

O criador do Model T ainda retomou presidência da companhia, após a morte de seu filho Edsel, em maio de 1943, e liderou o início da retomada da empresa no mundo dos carros, trabalhando até os últimos dias de sua vida. Henry Ford morreu em sete de abril de 1947.

Como legado na aviação, a Ford mostrou a possibilidade de criar aeronaves maiores e mais potentes, além de se aventurar voando pelos polos e ter contribuído com avanços importantes em infraestrutura, como a criação dos primeiros sistemas de navegação por rádio. Autor de frases célebres, Henry Ford deixou um ensinamento relacionado aos aviões: “Quando tudo tiver parecendo ir contra você, lembre-se que o avião decola contra o vento, e não a favor dele.”

Veja mais: Fabricantes de carros que já produziram aviões

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  1. Tive o prazer de voar no Ford Trimotor em 1998 na feira de Oshkosh, na época foram 35 dólares para mais ou menos 6 minutos! Valeu cada centavo!!

  2. A não ser que eu muito me engane, o Ford trimotor é o avião que é abandonado pela tripulação e explode ao bater na montanha em Indiana Jones e o Templo da Perdição (curiosamente, estrelado por Harrison Ford). 😉

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