Seus apelidos já explicam a razão de serem tão temidos por quem lidava com eles: “caixões voadores” ou “mísseis tripulados”. Estamos falando de aviões de combate tão perigosos de voar que os aviões inimigos eram o mais simples de seus problemas. Mas como explicar que uma aeronave projetada para causar danos ao adversário possa se transformar numa espécie de “aliado involuntário” do inimigo?
Parece absurdo, mas são situações que ocorreram várias vezes na história, na sua maior parte motivada por uma busca de desempenho e resultados desesperada ou então falta de planejamento para o avanço que outros países experimentavam.
Airway lista a seguir alguns desses aviões que não corresponderam ao que se esperava deles, o que é surpreendente que ainda tenham ficado em serviço por um longo tempo em alguns casos.
Surpreendidos pelo avanço da Segunda Guerra Mundial
No final do anos 30, vários países estavam em estágios de desenvolvimento diferenciados em suas forças armadas. Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial em 1939 esse desequilíbrio ficou evidente em alguns casos. Um deles ocorreu com a União Soviética que ampliou sua força aérea em ritmo veloz, mas não a ponto de contar com caças eficientes contra a ameaça alemã.
Desenvolvido a partir do caça LaGG-1, o Lavochkin-Gorbunov-Gudkov LaGG-3 era o mais avançado avião de combate soviético em 1940, mas nem o fato de ter sido projetado cinco anos depois do eficiente Bf-109 alemão fez dele um caça eficiente. Pelo contrário, o LaGG-3 ficou conhecido por seus pilotos como “caixão envernizado garantido” em referência a sua estrutura de madeira que, embora não pegasse fogo, poderia explodir ao ser atingida por projéteis.
O desastre do LaGG-3 era maior: sem um motor à altura, a União Soviética decidiu equipá-lo com um propulsor mais fraco que tornava o caça lento e um alvo fácil. As reclamações do pilotos eram tão extensas que é difícil entender como o governo do país ainda assim construiu nada menos que 6.500 unidades enquanto tentava aprimorar o projeto durante a guerra.
O LaGG-3 não foi o único desastre voador assim que o conflito começou. Até mesmo a poderosa Marinha dos EUA teve um caça para lamentar, o Brewster F2A Buffalo, seu primeiro avião de combate monoplano. Mas era extremamente pesado e foi alvo fácil para os Zero japoneses. Felizmente, seu sucessor, o F4F Wildcat reequilibrou o jogo para os americanos.
Problemas no Eixo
Não apenas os aliados sofreram com aviões incapazes de lutar durante a Segunda Guerra Mundial. Japão e Alemanha também produziram aviões de desempenho assustador no mal sentido. A gloriosa Mitsubishi, criadora do Zero, também desenvolveu um avião de ataque capaz de voar por até 5.000 km, um alcance fenomenal para a época, o G4M ‘Hamaki’. Mas para conseguir esse feito ele era despido de vários itens inclusive blindagem e tanques de combustível selados. O resultado é que bastavam poucos tiros para causar danos pesados. Foi inclusive em um G4M que o famoso Almirante Yamamoto, comandante Marinha japonesa, morreu em 1943.
Se a opção japonesa com o G4M foi feita ainda no início da Guerra no Pacífico, os alemães partiram para soluções avançadas, mas implementadas de forma desesperada no final do conflito na Europa. Dois aviões retratam essa situação, o interceptador Me 163 e o pequeno caça Heinkel He 162.
Criado pela Messerschmitt em 1941, o Me 163 Komet só passou a ser usado em combate em 1944. E era descomunal. Equipado com um motor de combustível líquido com mais de 3,3 mil libras de empuxo, o diminuto caça decolava com um trem de pouso descartável e pousava por meio de um esqui retrátil. Seu desempenho era soberbo com capacidade única de atingir mais de 1.000 km/h em voo estabilizado além de atingir 10.000 metros em pouco mais de dois minutos. Mas o Komet tinha pouca autonomia e, embora tivesse derrubado alguns bombardeiros aliados, as perdas foram grandes, boa parte por conta de pilotos inexperientes. Com a introdução do Me 262, o avançado caça bimotor também criado pela Messerschmitt, o Me 163 foi aposentado.
Mas a Alemanha nazista tinha outras frentes de desenvolvimento avançado como a que criou o He 162, um minúsculo caça à jato projetado pela Heinkel. Embora considerado um projeto de formas eficientes, o avião ficou em serviço apenas por alguns meses. O problema estava mais relacionado à forma como a Luftwaffe imaginou sua operação, realizada por pilotos inexperientes. Seu nome, Volksjäger (avião do povo), já denotava a intenção de construir uma aeronave simples e barata por pessoas sem qualificação – à essa altura já havia carência de mão de obra no país.
O resultado foi catastrófico. Sua construção em madeira, de tão simplória, tornava o jato descartável. Suas partes eram unidas com cola e adesivos que se soltavam facilmente. Sua autonomia era de apenas 30 minutos e o motor, que ficava acima da fuselagem, desencorajava qualquer tentativa de abandonar o avião em caso de pane. Não por acaso ele foi criado em apenas três meses.
Entrando numa fria na Guerra Fria
Após a Segunda Guerra, embora a tecnologia aeronáutica tivesse avançado como nunca, ainda persistiam alguns projetos mal pensados no afã de superar o novo inimigo criado pela Guerra Fria, o embate entre a União Soviética e os Estados Unidos.
A Marinha americana, por exemplo, tentava entrar na era do jato, mas com uma frota de porta-aviões pequena criada para operar aviões a hélice. Um dos primeiros caças pensados para fazer essa transição foi o F7U Cutlass. Projeto da Vought, o caça contou com a supervisão de um projetista alemão egresso da Messerschmit, Waldemar Voigt. Sua concepção era inusitada para época, com estabilizadores verticais duplos montados nas asas enflechadas. Os trens de pouso eram altos e o cockpit, bastante elevado, o que fornecia uma ótima visibilidade.
Mas a despeito do comportamento elogiado em algumas situações, o Cutlass era tão perigoso que o então piloto da Marinha e futuro astronauta Walter Schirra apelidou o jato de “criador de viúvas”. O projeto original era tão ruim que os 14 aviões construídos originalmente foram descartados. Uma evolução então foi pensada, com modificações profundas que alongaram sua fuselagem e melhoraram seu controle em voo, a F7U-3.
A Marinha acabou aceitando a aeronave em sua frota de porta-aviões, mas logo inúmeros acidentes encurtaram sua carreira que terminou em 1959, oito anos após a entrada em serviço. Nesse período nada menos que um quarto dos 320 jatos fabricados se acidentou.
Num período semelhante, a Força Aérea dos EUA também não tinha muito o que comemorar. Diante das ameaças soviéticas do pós-guerra, o comando da força criou um grupo de caças de diferentes fabricantes e propostas, a chamada série “Century”, por conta da numeração dos aviões, do F-100 ao F-106. Mas se justamente esses dois tiveram uma carreira até bem sucedida (o Super Sabre foi o primeiro caça supersônico da USAF e o Delta Dart, um eficiente interceptador), os demais jatos não corresponderam ao que se esperava deles.
O F-102 Delta Dagger, por exemplo, foi tão mal que acabou usado como avião-alvo para testes de armamentos. Imaginado como um caça supersônico, ele não conseguia superar a barreira do som. No Vietnã chegou a ser transformado em avião de ataque mas sem sucesso.
Foi, no entanto, o F-104 Starfighter o mais polêmico dos caças da série “Century”. Criado pelo projetista Kelly Johnson (conhecido por liderar os trabalhos da equipe Skunk Works com aviões secretos), o caça de asas minúsculas da Lockheed teve uma carreira controversa, sendo usado por diversas forças aéreas, além dos EUA, onde foi um dos aviões utilizados pelos astronautas da NASA. Mais de 2.500 unidades foram produzidas no mundo, porém, o Starfighter colecionou, além de recordes de velocidade e altitude, também inúmeras quedas.
Na Luftwaffe, que chegou a encomendar quase mil unidades do modelo, nada menos que 260 se acidentaram enquanto a força aérea canadense perdeu metade da frota. Com tantos acidentes, o F-104 acabou ganhando a fama de “caixão voador” ou “míssil tripulado”. Apesar disso, teve uma vida operacional longa, só encerrada em 2004 quando a Itália aposentou seus últimos aviões.
Nem sombra do seu antecessor
O escritório de projetos Mikoyan Gurevich já gozava de prestígio por caças como o MiG-15 e o MiG-21 mas quando precisou substituir este último na Força Aérea da União Soviética acabou criando talvez seu projeto mais criticado.
Se não pode ser chamado exatamente de inseguro como outros aviões dessa lista, o MiG-23 também não fez por merecer alguma admiração dos pilotos que o utilizaram em ação. Desenvolvido no final da década de 60, o caça de asas de geometria variável contrariava alguns mandamentos já conhecidos no combate aéreo entre eles o de oferecer grande visibilidade no cockpit. O “Flogger”, como ficou conhecido na OTAN, era justamente o contrário. Sua carlinga era baixa e oferecia como compensação um espelho retrovisor na parte superior.
Ao tentar vendê-lo para os países do extinto Pacto de Varsóvia, o MiG-23 foi preterido justamente pelo seu antecessor, o barato, ágil e eficaz MiG-21. Segundo relatos de pilotos americanos que usaram o caça em testes nos EUA, ele era um pesadelo. Seu motor durava pouco tempo e sem um suporte técnico muitos aviões acabavam inoperantes. Sua manobrabilidade em combate também era pífia.
Apesar disso, o caça não era de todo ruim. Atingia Mach 2.2, possuía um bom alcance e era a capaz de operar em pistas curtas e despreparadas graças à engenhosa configuração do trem de pouso e as asas de geometria variável – o cenário de terra arrasada era o mais provável numa guerra, o que daria vantagem ao caça da MiG. Ou seja, parecia mais apropriado a um avião de ataque do que enfrentar um dogfight. Não por acaso, uma versão de ataque, o MiG-27, originalmente MiG-23BN, surgiu poucos anos depois, e que se diferenciava visualmente pelo nariz “bico de pato” que trazia sensores para ataque ao solo no lugar do radar.
Os conflitos no Oriente Médio, no entanto, colaram no MiG-23 a fama de caça inferior. Os F-15 e F-16 israelenses derrubaram vários MiG-23 sírios no início da década de 80. Anos mais tarde, dois F-14 da US Navy abateram dois MiG-23 líbios no Golfo de Sidra, onde em 1981 dois Su-22 do mesmo país acabaram destruídos pelo Tomcat.
Talvez o maior indício da má fama do MiG-23 seja mesmo a ínfima quantidade de caças que ainda está operacional. De mais de 5 mil unidades fabricadas, cerca de 200 estão ativas, a maior parte delas na Síria e Coréia do Norte. Enquanto isso, o velho e confiável MiG-21 persiste em diversas forças aéreas com mais de 500 aviões, sem contar as quase 900 cópias chinesas, o J-7 e F-7. E sem fazer seus pilotos temerem pelo pior mesmo em tempos de paz.
Veja também: Os aviões que ousaram reiventar a maneira de voar
Muito interessante a matéria. Para nós, pilotos, é sempre bom ler matérias como estas. Acrescento ainda, para os pilotos de helicóptero, o “Killer”, apelido do péssimo FH1100, com sua turbina Allison limitada, usado pela Marinha e pela Polícia do RJ na década de 80.
Fairchild-Hiller FH 1100
Sempre visito o site. Essa foi de longe. A melhor matéria que já li. Parabéns.