Os projetos perdedores da aviação

Houve um tempo em que para se escolher um avião ideal era necessário fazer voar vários outros que não passavam da condição de protótipos
Eles estiveram próximos da consagração, mas perderam e foram esquecidos
Eles estiveram próximos da consagração, mas perderam e foram esquecidos
O YF-23, da parceria Northrop/McDonnell Douglas, foi derrotado pelo F-22 Raptor (USAF)
O YF-23, da parceria Northrop/McDonnell Douglas, foi derrotado pelo F-22 Raptor (USAF)

Com seus custos astronômicos e riscos tão grandes quanto, a aviação já não se dá mais ao luxo de gastar dinheiro para saber qual a melhor proposta de aeronave para determinada função. Com computadores e softwares avançados, é possível hoje simular quase todo o comportamento que um projeto terá quando virar realidade e, com isso, economizar milhões.

Mas não foi assim até pelo menos duas décadas atrás. A Força Aérea dos Estados Unidos, por exemplo, era especialista em promover uma concorrência tão detalhada que quase sempre dois aviões chegavam ao estágio de protótipos, eram testados e aí sim chegava-se a um veredicto. Pobre de quem perdesse – imaginem ver um projeto virar realidade, mas servir apenas de peça de museu?

A seguir, mostramos parte desses “perdedores”, alguns que até deram a volta por cima enquanto outros são apenas uma lembrança distante na história da aviação.

Northrop YA-9

No final dos anos 60, a Força Aérea dos Estados Unidos procurava por um avião de ataque em baixa altitude e que tivesse grande capacidade de fogo e resistência. A ideia era criar uma espécie de A-1 Skyraider moderno, um avião a pistão que havia sido usado no pós-guerra. Das seis propostas apresentadas, duas foram escolhidas para dar origem a protótipos.

A ousadia do rival A-10 matou o convencional YA-9, da Northrop
A ousadia do rival A-10 matou o convencional YA-9, da Northrop

Um deles foi o YA-9, da Northrop. Perto dos aviões da época, tanto o YA-9 quanto seu rival YA-10 pareciam antiquados: tinha asas retas e um visual acanhado, mas a intenção era justamente carregar muito armamento, incluindo um gigantesco canhão de 30 mm.

Apesar de assustador, o A-10, da Farchild, mostrou-se a melhor proposta. Ele tinha uma configuração de duplo estabilizador que dava uma vantagem extra caso um deles fosse avariado. Também levava seus dois motores em pilones (suporte dos motores) atrás das asas, o que diminuía a assinatura de radar – o avião da Northrop não possuía nada parecido. Em 1973, com dois protótipos construídos, o YA-9 acabou derrotado na concorrência.

Feiosos, tanto o A-9 quanto A-10 foram projetados para oferecer um imenso poder de fogo à USAF
Feiosos, tanto o A-9 quanto A-10 foram projetados para oferecer um imenso poder de fogo à USAF

Boeing YC-14

O Boeing YC-14, apesar de ser o perdedor de uma concorrência para um avião de transporte tático da USAF, era um aparelho de características únicas. Como fazia uso de um efeito curioso batizado de “Coanda”, ele podia voar mesmo em baixíssimas velocidades de pouco mais de 100 km/h. Isso era possível porque seus motores ficavam instalados acima das asas e geravam sustentação extra aproveitada por flaps especiais.

Boeing YC-14: seus motores por cima das asas acabaram copiados na ex-União Soviética
Boeing YC-14: seus motores por cima das asas acabaram copiados na ex-União Soviética

Mesmo assim, ele acabou derrotado pelo rival YC-15, da McDonnell Douglas, um jato de concepção convencional. A concorrência realizada no final do anos 70, na verdade, acabou alterada durante o desenvolvimento, evoluindo para uma aeronave de transporte pesado que deu origem ao C-17 Globemaster. Curiosamente, a ideia da Boeing foi aproveitada pela ucraniana Antonov no An-72.

O YC-14 tinha o sistema mais inovador para decolar em curto espaço de pista, mas quem levou foi o YC-15
O YC-14 tinha o sistema mais inovador para decolar em curto espaço de pista, mas quem levou foi o YC-15

Northrop YF-17 Cobra

Até ser escolhida pela USAF para construir o bombardeiro invisível aos radares B-2, a fabricante Northrop era a empresa mais azarada dos Estados Unidos. Mesmo com projetos interessantes, a empresa apenas colecionava derrotas nos projetos que participou.

Northrop YF-17: derrota, mas volta por cima com o F/A-18 Hornet
Northrop YF-17: derrota, mas volta por cima com o F/A-18 Hornet

Um deles foi o LWF, ou “Caça Leve” em português, uma disputa que travou com a General Dynamics (hoje parte da Lockheed Martin) por um caça que pudesse complementar o trabalho do imenso e caro F-15 Eagle. O YF-17 surgiu inicialmente baseado no F-5, mas acabou recebendo melhoramentos, dois motores cuja entradas de ar ficavam abaixo de uma extensão das asas.

O jato revelou-se muito manobrável, sobretudo em altos ângulos de ataque. No entanto, o YF-16 acabou vencendo e se transformando num dos caças mais populares dos últimos anos.

O que não se imaginava é que o YF-17, de derrotado na USAF, acabou sendo o principal caça da Marinha dos Estados Unidos, já como o F/A-18 e sua versão avançada, F/A-18E. Mas aí é papo para outra história.

Em primeiro plano, o YF-16, vitorioso na concorrência com o YF-17 (ao fundo)
Em primeiro plano, o YF-16, vitorioso na concorrência com o YF-17 (ao fundo)

Northrop YF-23

Olha aí a azarada Northrop de novo. Tudo bem, à essa altura ela já produzia o B-2, mas ganhar a concorrência ATF (Advanced Tatical Fighter, ou caça tático avançado) significava ter o principal caça da USAF no século 21. E lá foi ela com o esguio e longo YF-23, um caça ‘stealth’ com asas de diamante, estabilizadores em ‘V’ e entradas de ar por cima das asas.

Tudo isso porque se buscava não só um caça ágil e controlado por computador como também um avião de baixa assinatura de radar a ponto de o armamento ser levado internamente. Mas do outro lado estava a Lockheed…

Sim, a Lockheed, sua rival nos projetos ‘invisíveis’ e que projetou o YF-22, um caça de configuração mais convencional, porém, com ângulos idênticos nas asas, entradas de ar e estabilizadores. Ele levou a melhor numa disputa cara e longa, mas foi preciso redesenhá-lo quase do zero. Já o YF-23, ao contrário do seu irmão mais velho, o Cobra, virou enfeite na entrada da fabricante.

Tanto a Lockheed (abaixo) quanto a Northrop tinham experiência em aviões 'stealth' mas a primeira foi a vencedora
Tanto a Lockheed (abaixo) quanto a Northrop tinham experiência em aviões ‘stealth’

Boeing X-32

Quem pensava que a concorrência ATF seria a última das caras tentativas de encontrar o melhor avião não sabia que o projeto JSF (Joint Strike Fighter, caça de ataque conjunto) estava apenas começando.

Ambicioso, o projeto buscava unir num único projeto vários tipos de aviões. Ele deveria suprir a Força Aérea e a Marinha americana, mas também parceiros como os britânicos e japoneses. Ele decolaria na vertical e também em espaços curtos graças a um motor vetorável na traseira. Sua missão? Substituir numerosos aviões como o F-16, AV-8B e Harrier.

O Boeing X-32: sistema de decolagem vertical genial não foi suficiente
O Boeing X-32: sistema de decolagem vertical genial não foi suficiente

Novamente, a Lockheed estava no páreo, agora concorrendo com sua parceira no F-22, a Boeing. Enquanto a primeira desenhou o YF-35, um jato que guardava alguma semelhança com justamente o Raptor, a segunda pensou numa aeronave compacta com asas que começavam praticamente na altura do cockpit, o X-32. A entrada de ar era na parte inferior, um arranjo que lembrava o A-7 Corsair.

A novidade dos dois proponentes estava no modo como decolavam e pousavam na vertical. Como precisavam voar acima da velocidade do som não bastava seguir uma ideia consagrada como a do britânico Harrier. Era preciso uma nova proposta.

Embora compacto e versátil, o X-32 perdeu a concorrência para o X-35, da Lockheed Martin (à direita)
Embora compacto e versátil, o X-32 perdeu a concorrência para o X-35, da Lockheed Martin (à direita)

A Lockheed optou por equipar o X-35 com um motor principal que girava para chegar a posição vertical. Na frente, um fan usava energia do motor para equilibrar o movimento vertical do aparelho. Já a Boeing escolheu uma configuração interessante: enquanto o motor possuía uma saída vetorável na traseira, dois pequenos direcionadores de fluxos que lembravam os do jato inglês da Guerra das Malvinas, faziam o trabalho abaixo da fuselagem, no lugar onde normalmente ficam os trens de pouso principais.

Em 2001, o governo americano escolheu o projeto da Lockheed, no que viria a ser o F-35 Lightning II. Apesar da proposta mais versátil, o X-32 revelou problemas na concepção que fizeram a Boeing planejar uma versão com estabilidades traseiros, mas eles nem chegaram a ser construídos.

Veja mais: As flechas argentinas

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  1. Caro Ricardo,

    Estava lendo a Aviation Week um dia desses e até hoje, vários especialistas (ou entendidos no assunto), continuam a dizer que a melhor opção teria sido escolher o YF23 e não o YF22.

    Dizem ainda que ele estaria apto a muitas das missões no novo projeto de bombardeio de longo alcance invisível que está começando agora.

    Abraços,

  2. Olá, Beck, que legal saber disso. Uma pena que ele seja apenas uma lembrança antiga. Esta semana vamos publicar uma nota com fotos dos protótipos desses cinco aviões, revelando onde e como estão.

    Obrigado pelo comentário,

    Ricardo Meier

  3. Caro Paolo, o XB-70 merece uma matéria apenas dele! Que fabuloso avião, talvez o mais avançado para sua época. Acabamos não o incluindo – assim como aviões como o YF-12 e o F-20 Tigershark – porque ele não perdeu uma concorrência e sim teve o projeto cancelado. Vamos abordar em breve essas aeronaves que quase chegaram a entrar em serviço.

    Obrigado!
    Ricardo Meier

  4. Se não chega a ser um perdedor, há também o Northrop F-5, que integra (ainda?) a FAB há longos anos, com o natural up-grade, mas nos EUA é utilizado apenas como uma versão para treinamento. E ainda houve o Northrop F-20 Tigershark, evolução do F-5, que dizem ter sido um bom aparelho, “um injustiçado” mas que não foi da linha de frente da USAF. Talvez alguém possa relatar, mas desconheço a participação de ambos em combate em países aos quais foi exportado.

  5. Há quem diga que nunca se levou o X-32 a sério porque a sua feiura iria afetar os programas de recrutamento. Não dá para saber se é a sério, mas vendo a coisa, dá pra achar que sim.

  6. Eu tenho uma curiosidade… Então, por que esses modelos “perdedores” não foram vendidos a outros países? Houveram tantos investimentos pra nada? Tudo bem, os EUA não se interessaram, mas, e o resto do mundo? Não poderiam vender?

  7. PAra uma redação mais adequada, o correto seria Projetos Fracassados, no título, e no texto, não perdedor, mas derrotado.
    Porque perdedor, para o Português, é o que nunca vence. É diferente de fracassado, algo que não teve sucesso. Perdedor é uma tradução equivocada de loser.

    Sobre o A-20, no começo da primeira guerra do Iraque, a aeronave era criticada por ser lenta, e por isso é que possiblitava manobras rápidas para atacar os tanques. Então, ela não seria útil sem cobertura aérea de caças. Acontece que Saddam não quis gastar os seus caças e os escondeu. Essa atitude deixou o seu exército desprotegido.
    Essa opinião procede?

  8. Olá Jailton. Interessante sua pergunta. Poderiam ser aproveitados por outros países? Sim, por quê não?. Mas teria de completar o desenvolvimento, o que também sai caro. Sem falar que esses são concursos realizados nos EUA, que compram centenas de aeronaves de uma só vez. Com outros países um pedido menor poderia não compensar o custo adicional para finalizar o projeto e iniciar uma eventual produção em série.

    abs

  9. Máquinas maravilhosas, atestados concretos da inteligência humana.
    Caríssimas máquinas para matar. Se pelo menos parte dessa dessa inteligência, de todo esse dinheiro houvessem sido gastos em promover paz e desenvolvimento muitas vidas teriam sido poupadas e muito dinheiro economizado. Mas acho que está piorando à vista do que acontece no oriente médio onde se mata por supostas determinações do Criador. Se ele realmente existir deve estar estupidificado com o procedimento insano de suas criaturas. Já aqui no Brasil rouba-se o produto do trabalho de seus habitantes, tributos que deveriam beneficiar a todos. A vida não tem valor, mata-se por matar.E assim vamos. Vez por outra é bom divagar e imaginar um mundo melhor, distinto da realidade.

  10. Existe um erro nessa reportagem. O projeto do F-16 concorreu diretamente como o F-20 Tigershark que era a versão mais avançada e de maior porte da Northrop F-5.

  11. É de comum acordo que os especialistas indicam o YF-23 como superior em muitos aspectos ao F-22 Raptor, sendo então uma escolha mais lógica. Infelizmente lá também a política interfere em assuntos técnicos, diminuindo então o alcance qualitativo de tais projetos. Uma pena.

  12. Faltou dizer que o F-23 Black Widow era mais manobrável e Stealth do que o F-22 Raptor mas os americanos o acharam muito caro e escolheram esse último.

  13. O ganhador mais problemático de todos é o X 35 que não está dentro do cronograma e ainda é um pesadelo operacional em termos de custos ( previsão). Já que poucas unidades foram entregues, penas do modelo do USMC.

  14. A verdade é que os EUA procuram desenvolver o que há de melhor para manter sua superioridade militar perante a Russia.

  15. porque o f-35 e tão parecido com o yak-141 se a russia assinou sigilo com a yakovlev com a falha do projeto e porque Lockheed fala que desenvolveu o único motor vertical do tipo se o yak ja e de conhecimento de todos a muito tempo

  16. RICARDO MEIER, só uma correção na sua matéria.

    Huntington Ingalls Industries (HII) is an American Fortune 500 shipbuilding company formed on March 31, 2011 as a spin-off of Northrop Grumman.[1]

    It was formerly known as Northrop Grumman Shipbuilding (NGSB), created on January 28, 2008 by the merger of Northrop Grumman’s two shipbuilding sectors, Northrop Grumman Ship Systems and Northrop Grumman Newport News. The company takes its name from the founders of its two main facilities: Collis Potter Huntington (Newport News) and Robert Ingalls (Pascagoula).

    Antes da divisão, a Northrop era a maior construtora de porta-aviões nuclear nos EUA…

  17. Sempre que a União Soviética desenvolvia uma aeronave parecida com uma ocidental ou com uma mesma proposta era ela que copiava. Dá um tempo Sr. Ricardo Meier.

  18. Na imprensa americana é matéria corrente que o YF-23 era muito superior ao F-22 que foi uma opção politica e não técnica, tanto que hoje existe uma comissão estudando o relançamento do projeto do F-23 frente aos modernos caças russos de ultima geração o qual o F-22 parece não levar tanta vantagem assim, outra história parecida foi a concorrência que acabou escolhendo o F-16 os pilotos americanos preferiam muito mais o F-17 ou até mesmo o F-20 o qual o Ceronel Chuck Yeguer foi notório em falar que o F-20 era superior ao F-16 pelo menos a nível de protótipo.

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