Otto Lilienthal, o homem que ousou voar no século 19

Considerado o pai do voo planado, engenheiro alemão já voava antes da invenção do avião
Otto Lilienthal com um de seus planadores, em 1894 (Domínio Público)
Otto Lilienthal com um de seus planadores, em 1894 (Domínio Público)
Otto Lilienthal com um de seus planadores, em 1894 (Domínio Público)
Otto Lilienthal com um de seus planadores, em 1894 (Domínio Público)

Alberto Santos Dumont ou os irmãos Wright foram os pioneiros na criação do avião, mas isso não quer dizer que eles foram os primeiros que conseguiram voar. No final do século XIX, a humanidade já colecionava diversas experiências de voo com balões e, especialmente, com planadores, que surgiram muito antes dos aviões.

O grande nome dessa época da aviação foi o engenheiro alemão Otto Lilienthal, cujo legado abriu o caminho para o desenvolvimento dos aviões no século seguinte. Considerado o “pai do voo planado” e inventor da asa delta, Otto só não criou o avião por falta de tecnologia, no caso motores mais avançados, como os que Santos Dumont e os irmãos Wright tiveram acesso.

A paixão de Otto pelo voo nasceu ao observar pássaros junto de seu irmão e parceiro de trabalho, Gustav. Os dois empinavam pipas, observavam gaivotas voando e, quando adultos, investigaram os segredos da aerodinâmica, uma ciência que nasceu no final do século XIX. Foi a partir dessas simples brincadeiras e observações que os irmãos Lilienthal descobriram a necessidade da asa ser abaulada para obter sustentação no ar, um princípio até hoje seguido na aviação.

Durante suas pesquisas, em 1889, Otto publicou uma das mais importantes obras de referência clássica na literatura aeronáutica: “O voo das aves como fundamento da arte de voar”. O livro era um estudo sobre as formas e a anatomia das asas dos pássaros e sua aplicação na engenharia e na fabricação de máquinas voadoras, como os primeiros planadores.

Primeiros voos

A partir de 1891, Otto iniciou sua coleção com mais de duas mil tentativas de voo, em alguns casos realizadas até 80 vezes por dia. Em diversas dessas ocasiões o aviador alemão teve o pé torcido e braços quebrados, no que podem ser considerados os primeiros acidentes aéreos.

Trecho do livro “O voo das aves como fundamento da arte de voar”, que relaciona os pássaros à engenharia (Domínio Público)
Trecho do livro “O voo das aves como fundamento da arte de voar”, que relaciona os pássaros à engenharia

Otto fabricou e experimentou por conta própria 12 mecanismos diferentes, sendo que em um desses aparelhos, com mais de 8 metros de envergadura, conseguiu planar por uma distância de 250 metros, um feito considerado notável para a época. Tal voo foi mais longo, inclusive, que o percorrido pelo 14-Bis de Santos Dumont na Praça da Bagatelle, em Paris, em 1906. Na ocasião, o avião motorizado do inventor brasileiro percorreu 220 metros.

Entre 1891 e 1896, os irmãos Lilienthal construíram cinco tipos de monoplanadores. O “Derwitzer Glider”, na imagem abaixo, é considerado o primeiro planador tripulado bem sucedido no mundo, que cobriu grandes distâncias de voo e chegou a alcançar até 25 metros de altitude, número que também supera o do primeiro voo do 14-Bis, que alcançou apenas 6 metros.

O Derwitzer Glider é considerado o primeiro planador bem sucedido da história da aviação (Domínio Público)
O Derwitzer Glider é considerado o primeiro planador bem sucedido da história da aviação (Domínio Público)

O modelo “Vorflugelapparat”, de 1895, foi uma das mais importantes criações de Otto. Esse modelo teve diferentes mecanismos de controle de voo testados e comprovados, como controles nas pontas das asas e um sistema de deformação de asa e superfície de arrasto, uma espécie de flap rudimentar, para ajudar na redução da velocidade durante o pouso.

Notícias sobre os voos de Otto eram divulgadas em jornais por toda a Alemanha e também pela Europa. Não por acaso, o engenheiro alemão foi o primeiro homem  da história a ser fotografado em pleno voo.

Otto Lilienthal foi o primeiro homem fotografado em pleno voo, na última década do século XIX (domínio Público)
Otto Lilienthal foi o primeiro homem fotografado em pleno voo, na última década do século XIX (Domínio Público)

O destemido Otto

O amor dos irmãos Lilienthals pela aviação e sede por conhecimento eram maiores do que o medo de voar. À medida que ganhavam mais experiência, procuravam alçar voo de colinas cada vez mais elevadas. Tanto é que resolveram um dia construir uma plataforma de 17 metros para decolagens, em planícies próximas a Berlim.

Otto Lilienthal nasceu no dia 23 de maio de 1848, em Anklam, na Alemanha (Domínio Público)
Otto Lilienthal nasceu no dia 23 de maio de 1848, em Anklam, na Alemanha (Domínio Público)

Os irmãos, em muitas oportunidades, elevaram-se até um ponto mais alto que a colina que haviam decolado, se aproveitando dos controles de voo instalados nos planadores. Tentaram também incluir mais energia ao movimento das máquinas. A primeira tentativa nesse sentido foi um “ornitóptero”, uma aeronave que obtém sustentação batendo as asas, como um pássaro. O passo seguinte foi usar um motor a combustão movimentando uma hélice.

A aeronave motorizada projetada por Otto em 1896 era proposta com motor movido a ácido carbórico, um dos combustíveis mais usados no final do século XIX. A máquina, que poderia ter sido o primeiro avião, porém, nunca voou. Segundo relatos deixados pelo aviador alemão, o aparelho era muito pesado e o propulsor não era suficientemente potente para fazê-lo decolar.

Otto também fez negócios com seus inventos. Como primeiro fabricante de planadores, anunciava seus mecanismos de voo em todo o mundo. Nas instruções de segurança de seus produtos constava a advertência: “Pense bem: você só tem um pescoço a quebrar.”

O último voo

Em 9 agosto de 1896, Otto estava com seu planador na montanha Golleberg, a cerca de 60 km de Berlim. Seu mecânico, Paul Beylich, acompanhava as atividades e tentava o alertar sobre o tempo incerto e a ventania que estava para chegar.

Prometendo ser o último voo do dia, Otto insistiu, correu por uma colina, decolou e começou a sobrevoar o vale. Depois de algum tempo, uma rajada de vento o fez perder o controle e a aeronave despencou de uma altura de mais de 15 metros. No momento em que atingiu o solo já não sentia mais as duas pernas.

Gustav Lilienthal e Paul Beylich, na inauguração do monumento em homenagem a Otto, em Berlim, em 1932 (Domínio Público)
Gustav Lilienthal e Paul Beylich, na inauguração do monumento que homenageia Otto, em Berlim, em 1932 (Domínio Público)

Beylich transportou Otto em uma carroça puxada a cavalo até Stölln, onde foi examinado por um médico. Lilienthal teve uma fratura da terceira vértebra cervical e logo ficou inconsciente. Mais tarde naquele dia, ele foi transportado de trem para a estação de Berlim e na manhã seguinte foi internado na clínica de Ernst von Bergmann, um dos cirurgiões mais famosos e bem sucedidos da Europa na época.

Otto Lilienthal, no entanto, não resistiu ao severo ferimento na coluna e morreu, cerca de 36 horas após o acidente, aos 48 anos. Suas últimas palavras para seu irmão Gustav foram “Sacrifícios devem ser feitos!”.

O legado de Otto Lilienthal

Otto Lilienthal é considerado universalmente como o primeiro homem que realmente voou de planador, com mais de cinco horas de voo registradas nesse tipo de aeronave. A documentação de seus voos coincidentemente se deu no início da fotografia em movimento: existem mais de 150 imagens registradas do aviador sobrevoando as planícies da Alemanha durante suas experiências. Suas fotos apareceram em jornais e revistas no mundo inteiro. Na época, voar ainda era um sonho distante, e essa exposição com provas visíveis estimularam outros estudiosos da arte de voar, como os irmãos Wright e Santos Dumont.

O aviador foi enterrado no cemitério público de Lankwitz em Berlim, onde até hoje seu túmulo pode ser visitado. Otto também ganhou um museu em sua homenagem, em Anklam, cidade onde nasceu. O local reúne réplicas dos planadores criados pelo engenheiro e também raras peças originais de suas aeronaves e objetos pessoais.

Veja mais: O avião e sua múltipla paternidade

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