Pan Am: a história da empresa aérea que escreveu a aviação – Parte 1

Conheça a saga da Pan American World Airways, aquela que foi a companhia aérea mais influente do mundo ao seu tempo
Jetclipper Defiance. Esta aeronave trouxe os Beatles aos EUA (Lars Söderström).
Boeing 707-331 N704PA, Jetclipper Defiance. Esta aeronave trouxe os Beatles aos EUA (Lars Söderström).

O que tem em comum os hotéis Intercontinental, o filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço, o Metlife Building, em Nova York, e os uniformes dos pilotos? Todos eles tiveram algum envolvimento da Pan American World Airways e, sem exageros, pode-se dizer que a Pan Am, como é conhecida, ajudou a escrever a aviação comercial.

Anos iniciais (1927-1939)

É impossível falar da Pan Am sem associá-la ao seu fundador Juan Terry Tripe e sua obstinação de criar um império nos ares. Trippe vinha de uma família abastada dos EUA ligada à Wall Street. Quando tinha 10 anos, em 1909, seu pai o levou para ver uma corrida aérea ao redor da Estátua da Liberdade, em Nova York. A partir daquele momento, o Aerococus – vírus associado à paixão pelos aviões, atingiu Trippe.

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Como é comum pelas famílias da elite dos Estados Unidos, Trippe foi estudar em Yale, onde teve contato com várias pessoas da elite econômica e política do país. Após se formar, foi para Wall Street trabalhar com ações, uma vez que o banco da família e seu pai faleceu quando ele tinha 21 anos.

Juan Trippe
Juan Trippe, o homem por trás da Pan Am e talvez o mais influente executivo da aviação (Harris & Ewing)

Cansado da vida de executivo de Wall Street, Trippe reuniu seus contatos de Yale e fundou com eles a Long Island Airways, com sete aviões Aeromarine ex-Marinha dos EUA adquiridos em leilão. Era uma aeronave para um piloto e um passageiro que logo foi modificada para dois passageiros graças à troca dos motores de 90 HP por 220 HP. Na empresa, Trippe fazia de tudo: reserva, pilotava, levava bagagens e até mesmo era zelador. A empresa não tinha regularidade: voava sob demanda para clientes endinheirados para o Caribe, Canadá e redutos da elite como Atlantic City. Apesar dos esforços, a empresa encerrou as operações em 1924.

Trippe aprendeu duas coisas na Long Island Airways: como estruturar e gerir uma empresa aérea, e que a aviação precisava ser regulamentada para funcionar. E esta ajuda estatal veio em 1925 com o Airmail Act, no qual colocava condicionantes para as empresas aéreas receberem remuneração do US Mail, uma metáfora para subsídio na terra do capitalismo. Com essa oportunidade, ele fundou a Eastern Air Transport, que se fundiu posteriormente com a Colonial Air Transport, mais estruturada, e ganhou o contrato do US Mail.

Na empresa, o executivo trouxe alguns colegas dos tempos de Yale: John A. Hambleton, herói de guerra e filho de banqueiros; Cornelius “Sonny” Vanderbilt Whitney, descendente de duas famílias ricas e também formado em Yale ; e William A. Rockfeller III, que voou com Trippe na Yale Aero Club. Apesar disso, Trippe entrava em confronto constante com outros diretores, que estavam mais interessados em prover serviço postal enquanto Trippe queria usar o contrato como um meio de lançar voos com passageiros.

Sem sucesso na Colonial, Trippe partiu com Whitney e Hambleton para formar a Aviation Corporation of America, com propósito de ganhar uma licitação do US Mail entre Key West, na Flórida, e Havana, em Cuba. Uma quarta pessoa participaria: o piloto Charles Lindbergh, que ganhara notoriedade por sua façanha de cruzar o Atlântico.

Ao mesmo tempo, uma companhia estava sendo formada na Flórida para ser contraparte americana contra a expansão da SCADTA (atual Avianca Colombia) na região: Pan American Airways, formada pelos militares Henry Arnold, Carl Spaatz e John K. Montgomery. A nova empresa também queria ganhar o contrato da US Mail entre Key West e Havana.

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Onde a Pan Am surgiu: Key West, Flórida (Anita Walz)

E mais uma terceira empresa entrou na disputa da rota: Atlantic, Gulf and Caribbean Air Lines, que era a continuidade da Florida Airways, fundada pelo às de guerra e futuro presidente da Eastern Airlines, Ed Rickenbaker. Diante da concorrência pelo contrato, o comissário do serviço postal, general W. Irwing Glover sugeriu que as três empresas se fundissem. E assim permaneceu a Pan American Airways, com Richard Hoyt como presidente do conselho e Juan Trippe como presidente e gerente geral da empresa. Em 19 de julho de 1927, a Pan American ganhou o contrato dos correios para operar a rota a partir do dia 19 de outubro.

Este prazo era muito apertado para uma empresa novata e Trippe chegou ir até Washington pedir prorrogação, mas foi negado. No dia de 17 de outubro chegou o primeiro Ford Trimotor, que só aguardava o término da pista em Key West para inaugurar os serviços. “Não se preocupe”, foi a mensagem que enviaram à Trippe em Washington.

Mas as chuvas típicas do Caribe acabaram com os planos da pista estar pronta para o primeiro voo, o que significaria o rompimento do contrato e o fim da empresa. O que parecia perdido mudou quando um piloto estava levando o hidroavião Fairchild FC-2  para a República Dominicana e chegava à Miami naquele exato momento.

Cy Caldwell era o nome do “anjo” enviado para resgatar a empresa e que por US$ 175 aceitou a realizar a operação. Assim, no dia seguinte, 19 de outubro, Caldwell decolou com sete malotes com 30 mil cartas e em 62 minutos pousou na capital cubana. O primeiro voo da Pan American foi feito por um piloto desconhecido e que logo depois deixaria de voar para virar escritor e editor na Aero Digest.

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Cy Caldwell, sentado no avião, realizou o primeiro voo da Pan Am (Monroe County Library Collection).

Passado o susto, Trippe agora começava a estruturar a Pan American. Descendente de John Trippe, capitão da Marinha dos EUA, trocou os uniformes dos pilotos, de jaquetas relacionadas ao serviço postal por uniforme igual aos marinheiros, e nomeou o piloto principal como “Capitão” e o copiloto como “Primeiro Oficial”. As aeronaves passariam a se chamar Clippers, em alusão às antigas embarcações rápidas. Sabendo do ego dos pilotos, por ter sido um, denominou eles como Masters of Ocean Flying Boats (Mestres dos Botes Voadores do Oceano). Muito do simbolismo na aviação surgiu a partir de Trippe e de sua paixão por barcos.

Com contrato, conexões políticas e econômicas e a experiência adquirida na Long Island e Colonial, Trippe estava pronto para fazer a Pan American crescer. Enviou Lindbergh para a América Latina prospectar mercados e autorizações com os governos locais. Ele disputava com a New York, Rio, Buenos Aires (NYRBA), fundada por Ralph O’Neill o domínio das ligações aéreas entre América Latina e Estados Unidos.

Abalada pela Crise de 1929, sem contrato do US Mail e a campanha de Trippe em sufocar a empresa, O’Neill vendeu a NYRBA por US$ 2 milhões, que incluía as rotas, os hidroaviões e a subsidiária NYRBA do Brasil, semente da Panair do Brasil.

Além da Panair do Brasil, a Pan American criou uma rede de empresas satélites que alimentariam seus voos e também como moedas de negociações políticas. Ao longo de sua história, a Pan American fundou ou teve participações em diversas empresas aéreas, como a Austral, Avianca Colombia, Cubana de Aviación, COPA, AVENSA, China National Aviation Corporation, SANSA, Middle East Airlines, Ariana Afghan Airlines, Aeronaves de México, Mexicana de Aviación, TACA, Pacific Alaska Airways, Aviateca, Bahamas Airways, SAHSA,  UMCA, LACSA, NICA e 50% da Panagra, portmenteau dos nomes Pan American e Grace Shipping.

Com ajuda das empresas satélites e com os hidroaviões Consolidated Commodore e Sikorsky S-38, a Pan American montou uma rede aérea que ia desde Buenos Aires até Nova York, tanto pelo Atlântico quanto Pacífico. Agora o desafio era vencer os oceanos e mandou Lindbergh fazer voos de expedições. Apesar das rotas mais lógicas serem acompanhando o continente pela Groelândia quanto o Alasca, elas enfrentariam situações climáticas adversas, congelamento das asas e muitos pontos com águas congeladas, inviabilizando as operações. Para o Atlântico, a alternativa existia via Bermudas e Açores, mas para o Pacífico não havia opções entre Honolulu, Sudeste Asiático e a Micronesia.

S38
Um dos primeiros modelos da Pan Am foi o Sikorsky S-38, semelhante ao da foto (SDASM).

Recorrendo às cartas de navegação, Trippe foi à Biblioteca Pública de Nova York e foi pesquisando a existência de pontos até encontrar um atol inabitado denominado Ilhas Wake, com formato circular, mas que impedia as operações de hidroaviões. Após obter autorização do governo americano, preocupado com o crescente expansionismo japonês na região, a Pan American mandou o navio SS North Haven para Wake e dinamitar uma parte do atol, transformando-o em “U”, apto para operar os hidroaviões. Os operários também construíram tanques de combustível, hospedagens e uma infraestrutura básica, que foi denominada PAAVille.

Em 22 de novembro de 1935, o Martin M-130 NC14716 batizado China Clipper inaugurava serviços postais entre os EUA e a China, um feito épico que colocava a Pan American em destaque. O voo saía de San Francisco e fazia escalas em Honolulu, Ilhas Midway, Ilhas Wake, Guam e Manila, até chegar em Cantão, atual Guangzhou. Os serviços de passageiros começaram no ano seguinte, em 21 de outubro.

China Clipper
O Martin M-130, NC14716, batizado de China Clipper, realizou o primeiro voo entre os EUA e a China, um feito épico (Bill Larkins).

Conquistar o Atlântico era simples comparado com o Pacífico e em 1937 começou serviços via Canadá em parceria com a britânica Imperial Airways. Em 1939 recebeu os Boeing 314, inaugurando serviços sem troca de aeronaves para Europa. A nova aeronave diferenciava dos Sikorsky S-42 e do M-130 que operava, era praticamente um cruzeiro de luxo nos ares a nova aeronave.

Durante a Segunda Guerra Mundial, as aeronaves da Pan American foram recrutadas pelo esforço de guerra e as operações ficaram resumidas na América Latina. No Pacífico servia até Honolulu e no Atlântico chegava até Grã-Bretanha e Portugal.

Pós-guerra, nasce uma gigante

Após a Segunda Guerra, a Pan Am estava em uma posição favorável aos seus pares no mundo. Por ter explorado continentes anteriormente e com as novas aeronaves desenvolvidas, como Douglas DC-4, Lockheed Constellation e Boeing 377, a empresa expandiu significativamente as operações e que resultou em junho 1947 em um feito pioneiro: a primeira empresa aérea a dar a volta do mundo, com os voos PA001 e PA002. O primeiro saía de San Francisco rumo à Calcutá, que encontra com o PA002, que saia de Nova York.

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Boeing 377 da Pan Am no Aeroporto de Orly, Paris (US Department of Defense).

Para oferecer acomodações dignas para seus tripulantes e passageiros dos EUA, a Pan Am também passou a investir em hotéis onde operava. Em 1946 fundou a Intercontinental Hotels, com a primeira unidade em Belém, no Brasil.

Para consolidar a hegemonia no mercado internacional, a Pan Am comprou em setembro de 1950 a American Overseas Airways, subsidiária da American Airlines destinada aos voos internacionais. Ela criou três divisões internas para suas operações: Divisão Pacífico, Divisão América Latina e Divisão Atlântico.

Mapa da Pan Am em 1947, com destaque para as operações nas empresas satélites. (www.timetableroute.com).

Apesar dos êxitos internacionais, os voos domésticos eram negados à Pan Am. Trippe dava de ombros e falava em deixar este mercado para os primitivos, como ele tratava a concorrência doméstica formada basicamente pela American Airlines, Eastern Airlines, TWA e United Airlines.

Trippe sempre queria ir mais longe, estimulando a aviação a ousar novas tecnologias. Chegou a encomendar os deHavilland Comet  para entrar na era do jato, mas desistiu após a série de problemas que ocorreram com o avião inglês. Mas estava de olho na indústria local, com o desenvolvimento do Boeing 367, maior, com mais alcance e veloz que os Comet.

Antes de encomendar os 20 Boeing 707, a Pan Am queria que o avião tivesse potência para fazer voos transatlânticos sem escalas. Diante disso foi até a Pratt & Whitney solicitar alterações nos motores para atender o seu desejo, que foi negada pelos executivos da PW. Após saber que Trippe estava negociando com a Rolls & Royce a motorização, a PW finalmente cedeu e aceitou a estudar uma versão nova dos motores em troca de uma encomenda de 120 unidades por US$ 40 milhões.

Era o jeito de Trippe de negociar, colocando duas concorrentes brigando entre si e para ter o apoio dele, as empresas faziam concessões, como foi o caso do Boeing 707, quando a Pan Am encomendou também o Douglas DC-8, com 25 unidades, e uma forma de pressionar a fabricante de Seattle a alargar a fuselagem para acomodar seis poltronas por fileira.

No campo político, sua rede de contatos da Yale e até mesmo ligações pessoais (o secretário de Estado Edward Stettinius Jr. era cunhado de Trippe) faziam com que quase todas as concessões que Trippe queria fossem atendidas, ao ponto da Pan American ser chamada The Chosen Instrument, o instrumento americano para dominação dos ares no pós-guerra. Com esta força, Trippe e a Pan Am davam de costas aos pedidos dos políticos americanos, coisa que mais para frente seria fatal.

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Três 707-120 da Pan Am sendo preparados para entregar (Divulgação).

Em 26 de outubro de 1958, os Estados Unidos entravam na era do jato, com o Boeing 707-120 N707PA inaugurando serviços entre Nova York e Paris (Le Bourget), via Gander. Um pouco antes a empresa tinha renovado sua imagem visual, ganhava proeminência a faixa azul ao longo das janelas, a inscrição Pan American centralizada no avião e na cauda a representação do globo mundial e com o nome Pan Am. Batizado carinhosamente de Blue Meatball, almôndega azul, o logo seria a marca registrada da Pan Am por décadas, mesmo após o encerramento das atividades.

A era de ouro da Pan Am

A chegada do 707 e da era do jato foi o início da fase mais áurea da Pan Am. Apesar de serem mais custosos que as aeronaves de pistão, Trippe acreditava que o volume de passageiros transportados por cada aeronave poderia baixar o custo por assento que, somado com a velocidade dos jatos, representariam um ganho de produtividade incrível.

Não era mais preciso voar nos DC-6 entre Nova York e Paris por mais de 12 horas e ainda com escalas, o 707 prometia fazer sem escalas e na metade do tempo, além de mais confortável. Para os novos jatos, em 24 de maio de 1960 era inaugurado o Pan Am Terminal em Nova York-Idlewild (atual JFK), com sua cobertura oval que permitiam as aeronaves ficarem sob sua cobertura e evitava a neve, chuva ou sol no embarque dos passageiros.

Pan Am Terminal
Com sua cobertura oval e parecendo disco voador, o Pan Am Terminal era um dos símbolos do “jet age” e dos anos dourados da Pan Am (Reprodução).

Os 707 e DC-8 se tornaram máquinas de fazer dinheiro para a Pan Am e a empresa investia em uma nova sede na Park Avenue, em Nova York. Inaugurado em 1963, o Pan Am Building tornou-se um marco no skyline da cidade. Entre o Pan Am Building e o terminal em Idlewild, a Pan Am oferecia serviços de helicópteros aos passageiros através da New York Airways (NYA), na qual a Pan Am tinha 45% da ações.

Pan Am Building
O Pan Am Building, visto aqui em 1974, foi renomeado como Metlife Building após a falência da empresa (Thomas J. O’Halloran).

Por volta de 1968, a Pan Am estava em pleno auge. Sua frota, composta por mais de 143 aeronaves dos modelos 707, 720, 727 e DC-8, alcançavam todos os continentes, de Caracas à Karachi, de Tóquio à Johannesburg.

Era um conglomerado com negócios em hotéis (Intercontinental), 50% da FalconJet – responsável de trazer o Dassault 20 ao mercado americano e até mesmo com um setor voltado para o setor de defesa – Guided Missile Range Division.

Por seu alcance global, era comumente associada como a segunda marca americana mais reconhecida no mundo, depois da Coca-Cola e a empresa se tornou símbolo da cultura dos anos de 1960: foi ela que trouxe os Beatles para a América e apareceu no icônico filme de Stanley Kubrick “2001, uma Odisseia no Espaço” como uma das empresas que voariam para o espaço.

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A extensa rede da Pan Am em 1968, durante os anos dourados (University of Miami Digital Archives).

E neste embalo da corrida espacial e do avanço tecnológico da época, a empresa chegou a criar lista de espera para voos à Lua. Era uma questão de tempo, logo após transposição da outra barreira da aviação comercial: os voos supersônicos. Para tal a Pan Am encomendou 15 Boeing 2707 e oito Concorde, além de 25 Boeing 747, que transportariam o dobro de passageiros que os 707  e a grande aposta da Pan Am para se manter líder.

Com a sensação de realização de dever cumprido, Trippe se retirou da presidência do conselho da Pan Am em 1968. Para coroar uma década de realizações e conquistas, em 12 de dezembro de 1969 a Pan American recebeu o primeiro Boeing 747 do mundo.

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Uma visão do futuro da Pan Am: ter aviões supersônicos (Boeing 2707 e Concorde) e um destinado para a popularização das viagens aéreas – Boeing 747 (Reprodução)

Na parte final da história, abordaremos os turbulentos anos de 1970, a chegada dos 747, a compra da National Airlines e a sucessão de decisões erráticas que resultaram no fim da empresa em 1991.

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