Pan Am: a história da empresa aérea que escreveu a aviação – Parte 2

Na primeira parte, mostramos o surgimento da Pan American World Airways até o seu auge na década de 1960. Na parte final, abordamos as crises e a perda de rumo da icônica companhia aérea
O 747, popularmente chamado de Jumbo, foi o auge e o declínio da Pan Am (Clipperactic).
O 747, popularmente chamado de Jumbo, foi o auge e o declínio da Pan Am (Clipperactic).

Fundada em 1927, a Pan Am foi por várias décadas a companhia aérea mais famosa do mundo até sucumbir em 1991. Após mostrarmos seus primeiros anos e sua consolidação como empresa global, na segunda parte relatamos como ela perdeu o rumo em meio a eventos variados.

Em 21 de janeiro de 1970, uma multidão estava reunida no Pan Am Terminal – que seria renomeado posteriormente como Worldport após as obras de expansão – aguardando o voo PA002, que seria o primeiro voo comercial do Boeing 747, com 332 passageiros e 17 tripulantes.

Denominado Clipper Young America (N735PA), o avião apresentou falha em um dos motores antes mesmo de decolar e atrasou algumas horas até o voo ser realizado pelo N736PA Clipper Victor já no dia 22. Era um presságio do que poderia vir para os próximos anos.

A introdução do Jumbo foi um período de reversão das fortunas econômicas nos Estados Unidos. De um confortável crescimento entre 4% a 6% ao ano, o PIB americano praticamente estagnou em 1970, pior resultado desde 1959. Os números refletiriam no volume de tráfego, indo abaixo das expectativas da Pan Am.

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A Pan Am encomendou 25 unidades do Boeing 747-100. Aqui é visto decolando com sua primeira pintura, com o nome Pan Am escrito pequeno (Ira Ward)

O fato é que os primeiros sinais começaram bem antes na sede da empresa em 200, Park Avenue: em 1969 a Pan Am não só registraria o prejuízo, mas perderia a liderança das rotas do Atlântico Norte para a arquirrival TWA.

Para agravar, o sucessor de Juan Trippe, Harold Gray, ficou poucos meses na liderança da empresa, pois tinha descoberto um câncer, se retirando definitivamente da empresa em 1970 e falecendo em 1972. Quem assumiu a liderança foi o piloto Najeeb “Jeeb” Halaby, respeitado pelos tripulantes, mas que não agradava os acionistas e conselheiros da empresa. Halaby foi substituído pelo general William Seawell, autoritário e que azedou as relações com os funcionários.

Entre 1971 e 1974, a Pan Am perdeu seis Boeing 707 de diferentes formas: ação terrorista, falha de instrumento e, principalmente, erro humano, causado por falhas de comunicação entre os tripulantes ou por não seguir as orientações dos manuais.

A Pan Am foi alvo de um grande escrutínio e a empresa revisou todos os padrões operacionais, ao ponto de demitir as “vacas sagradas”, pilotos que voavam desde os primórdios e que geralmente não seguiam manuais e assumiam posições autoritárias na cabine de comando.

Seawell, apesar das críticas sobre gerir a empresa de forma quase militar, colocou a mão na massa e tomou as primeiras atitudes do ponto de vista econômico: a redução de 25% de suas rotas internacionais, demissões, renegociação de débitos e o cancelamento da compra do Concorde, considerado por muitos a pá-de-cal no programa anglo-francês, mas que ao mesmo tempo demonstrava o poder da Pan Am: nos dias seguintes, as concorrentes que compraram o supersônico para competir em igualdade com a Pan Am desistiram também.

Querosene mais caro

Em 1973 ocorreu o primeiro Choque do Petróleo, fazendo que os combustíveis aumentassem até quatro vezes o valor. Os reluzentes 747 da Pan Am voavam vazios e o mercado internacional começava gradualmente a ser aberto para as suas concorrentes, enquanto o mercado doméstico era negado. Havia ressentimentos no Congresso dos EUA sobre o posicionamento arrogante da Pan Am com os congressistas. Exemplo disso foi quando o economista Alfred E. Kahn assumiu a presidência do Civil Aviation Board (CAB) no governo Jimmy Carter. Quando perguntado sobre a situação financeira da empresa, ele foi direto: “Pan Am pode ir para o inferno”.

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Para conter a hemorragia no mercado internacional, a Pan Am entrou em um acordo com a TWA para um route swap, ou troca de rotas. Pelo acordo, a Pan Am sairia do mercado francês e reduziria sua exposição em Portugal e na Espanha apenas com um voo para cada país saindo de Miami, cancelaria as operações saindo de Chicago, Los Angeles e Filadélfia para Londres, e a lucrativa rota Los Angeles-Honolulu.

No lado da TWA, ela sairia do mercado alemão e cancelaria as rotas para Ásia e Washington-Londres. Um outro acordo era a venda de 15% da empresa para o governo iraniano, em troca de oferecer apoio técnico para a Iran Air. Ver a empresa de bandeira com participação estrangeira enfureceu os congressistas, com alguns deles chamando a nova empresa como “Pan Iranian”.

Em 1976, a Pan Am inaugurou os primeiros voos diretos entre Nova York e Tóquio, com recém-chegado Boeing 747 Special Performance, versão encurtada do 747-100 para voos longos. Com o novo avião era possível rotas sem escalas entre San Francisco e Hong Kong ou Los Angeles e Auckland.

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N540PA China Clipper. O 747SP possibilitou a ligação entre a Costa Leste dos EUA e o Japão, apesar dos custos do assento serem maiores que os 747-100 que a empresa operava (Kambui).

Em 27 de março de 1977, a Pan Am estaria envolvida no pior acidente aéreo da história, quando o Clipper Victor, o mesmo que inaugurou os serviços comerciais do 747, chocou-se com o Boeing 747-200 PH-BUF da KLM no aeroporto Los Rodeos de Tenerife, na Espanha, resultando em mais de 583 vítimas fatais. Do avião da Pan Am, das 396 pessoas a bordo, apenas 61 sobreviveram.

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N736PA Clipper Victor, visto aqui em Londres Heathrow três semanas antes do acidente em Tenerife, e já com a segunda variação da pintura do 747 (Paul Seymour).

No mesmo ano, a Pan Am conseguiu voltar à lucratividade após muito tempo no vermelho. Seawell comemorava a saída das nuvens negras da Pan Am. Para isso, com seu jeito autocrático, resolveu investir no mercado doméstico para alimentar os voos internacionais e assim eliminar o principal Calcanhar de Aquiles da empresa.

Ele lançou uma oferta para comprar a National Airlines, empresa que se especializou nas ligações entre o Nordeste americano e a ensolarada Flórida. A presença da National Airlines em Miami e Nova York daria a força necessária para alimentar (feeder-line) os voos da Pan Am, pensava Seawell. Além disso, a National Airlines era uma empresa com custos baixos e vinha de um período de lucratividade.

 

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Anúncio da fusão entre Pan Am e National Airlines. No papel ,a fusão era perfeita.

Só que a National Airlines atraía também o interesse de Frank Lorenzo, um implacável investidor de empresas aéreas e que estava com ambição de criar um grupo por meio da Texas International Airlines.

O que seu viu foi uma disputa entre as duas empresas pelo controle da National, cada uma oferecendo um lance maior, até o ponto que Lorenzo aceitou a derrota, mas com a satisfação que seu investimento na National rendeu dividendos.

Ao mesmo tempo que a Pan Am brigava pela National, o governo de Jimmy Carter assinava o Airline Deregulation Act, que previa o fim da reserva de mercado das empresas e do controle de tarifas pelo governo. Apesar de ser considerado o Golpe da Década, a compra da National perdeu o apelo já que seria possível obter de graça rotas domésticas.

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Mapa de rotas da Pan Am após a fusão com a National Airlines

A perda do rumo

A compra da National provou-se frustrada para a Pan Am. As cidades atendidas pela National saindo de Nova York e Miami eram destinos turísticos, com baixa tarifa média em relação às cidades com mais passageiros executivos, público significativo dos voos internacionais. Os custos mais baixos da National eram em parte pelos salários baixos e a Pan Am teve que igualar com os seus, perdendo sua vantagem competitiva. E, por último, havia uma rivalidade entre os funcionários oriundos da National e da Pan Am, com muitos usando bottons para marcar a qual empresa eram associados – e não era incomum casos de brigas e agressões físicas.

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A fusão com a National Airlines trouxe três novos modelos para empresa, o DC-10-10, DC-10-30 e o 727-200 (George W. Hanlim via Jetphotos)

Com o mico da fusão com a National e o Segundo Choque do Petróleo, a Pan Am começou a rifar seu vasto patrimônio para saldar dívidas. Primeiro foi a venda de 50% na FalconJet para a Dassault Aviation, seguido logo depois pela venda do Pan Am Building para a Metlife Corporation e da Intercontinental Hotel. As três vendas arrecadaram cerca de US$ 900 milhões, ou algo próximo de US$ 2,7 bilhões atualmente.

Seawell foi substituído por Ed Acker, ex-executivo da Air Florida e da Braniff International, que continuou o corte de custos, como o simbólico voo ao redor do mundo em 31 de outubro de 1982. Para tentar modernizar a frota, a empresa comprou os Airbus A300, A310 e foi uma das clientes lançadoras do jato de fuselagem estreita A320, um marco para a fabricante europeia.

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Os A300B4-200 foram os primeiros aviões da Airbus na Pan Am (Jetpix).

Mas a hemorragia financeira continuava e, de forma que nem seus próprios executivos soubessem, Acker anunciou para eles a venda da Divisão Pacífico para a United Airlines por US$ 750 milhões, de longe o setor mais lucrativo da Pan Am e fonte de 25% da receita. Junto à operação iam os 747SP, 747-100 e os L-1011, além do hub no aeroporto de Narita, em Tóquio.

Thomas Plaskett assumiu a direção da Pan Am em janeiro de 1988 e lançou um programa de reconfiguração das aeronaves e a melhoria operacional dos voos, resultando em menos atrasos. Somada à adoção dos A300-600 e A310 nas rotas do Atlântico Norte, o investimento no Pan Am Shuttle entre Washington (National), Nova York (La Guardia) e Boston fizeram a Pan Am ter o melhor resultado financeiro trimestral da história em 1988, voltando a ser líder no mercado transatlântico.

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Mapa de rotas da Pan Am em julho de 1989, com serviços principalmente para a Europa, Caribe a alguns pontos na América do Sul

A euforia que o pior tinha ficado para trás foi dissipada em 21 de dezembro de 1988 quando o Boeing 747-100 N739PA Clipper Maid of the Seas foi vítima de atentado terrorista patrocinado pelo governo líbio, com 270 vítimas fatais.

O avião fazia a rota PA103, Frankfurt-Londres-Nova York-Detroit e a bomba explodiu logo após decolar de Londres, caindo no vilarejo de Lockerbie, na Escócia. O acidente afastou os clientes da companhia e ela foi processada pelos familiares das vítimas por falhas na segurança, apesar de a Pan Am alegar que o governo americano sabia das intenções de atentado terrorista.

Point of no return

Uma última tentativa de manter a Pan Am protagonista na aviação foi a tentativa de comprar a Northwest Airlines por US$ 2,7 bilhões, dinheiro que seria financiado por um consórcio de bancos americanos. A fusão resultaria em economias anuais de mais de US$ 240 milhões, mas a proposta foi superada pelo empresário Al Checchi.

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O N802PA Clipper Frankfurt tem uma relação com a VASP: foi um dos A310-200 cancelados pela empresa paulista (Kambui).

Com crise de caixa, o desespero bateu conta da Pan Am. Em 1989 a Pan Am World Services, que reunia atividades de apoio de solo para as companhias aéreas e uma das últimas unidades lucrativas, foi vendida para a Johnson Controls.

Depois foi a venda dos slots em Londres para United Airlines, o Internal German Services (IGS) para a Lufthansa. Em fevereiro ocorreu a inevitável concordata e o cavalheiro branco apareceu na forma da Delta Airlines, que vivia um bom momento financeiro.

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O Internal German Services (IGS) foi estabelecido no pós-Segunda Guerra, ligando Berlim à Alemanha Ocidental. A Pan Am chegou a operar no IGS o 707, 727, 737-200, 747, A300, A310 e até mesmo o ATR-42-300 da foto (Monster4711).

A Delta comprou a Divisão Atlântico, o Pan Am Shuttle e o Worldport em 1991 e se encarregou a comprar 45% da empresa, que se tornaria o braço dela nas rotas para América Latina, voltando à suas origens. Entretanto, quando os executivos da Delta Airlines fizeram due dilligence, a auditoria na empresa, constataram o que eles chamaram de “Buraco Negro” e desistiram da oferta no dia 04 de dezembro daquele ano.

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Último mapa da Pan Am, em outubro de 1991. A ligação para Europa se resumia à Miami-Paris. No Brasil a empresa usava os 747-100 e A310-300, e tinha lançado o semanal Miami-Caracas-Recife com o A300-600.

Sem opções, a Pan Am anunciava o encerramento das atividades em 04 de dezembro de 1991. O último voo da empresa foi o PA436, Barbados-Miami, operado com o Boeing 727-200 N368PA Clipper Goodwill, sob o comando de Mark Pyle.

Quando foi informado que aquele voo seria o último da Pan Am, Pyle solicitou ao controle Miami sobrevoar o aeroporto como uma despedida para o local que viu a empresa que foi o epítome dos EUA na aviação. “O céu é seu”, foi a resposta positiva dos controladores e após o pouso final, centenas de pessoas se reuniram, com tristeza, naquele que foi o encerramento de um capítulo na aviação comercial.

As tentativas de manter o legado

Como parte da falência, a Divisão América Latina foi vendida para a United Airlines. Credores e a própria Pan Am processaram a Delta Airlines por não cumprir os termos da fusão e sua retirada, com alegação que a intenção da empresa nunca foi comprar a Pan Am, mas ter acesso às valiosas operações transatlânticas. Anos depois a Justiça dos EUA inocentou a Delta Airlines.

O nome Pan Am ainda seria usado em mais três tentativas ao longo da década de 1990:

– Pan American Airways (1996-1998), foi criada por Charles Cobb, ex-embaixador americano e tinha como objetivo operar voos low costs domésticos. Em 1997, ele comprou a Carnival Airlines, mas a operação não se mostrou exitosa e em fevereiro de 1998 declarou concordata. Operou com Airbus A300 e o Boeing 737-400.

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O 737-400 da Pan Am II (AeroIcarus).

– Pan American Airways (1998-2004), criada a partir da segunda encarnação da Pan Am, a empresa pertencia a Guilford Transportation. Seu foco eram os aeroportos secundários da Costa Leste, operando com os Boeing 727-200, alguns deles na versão Super 27, com novos motores e winglets nas asas.

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A Pan Am III operou com os Boeing 727-200 Super 27. Apesar de não ser regra, a diferença dos 727-200 da Pan Am original da Pan Am III era que esta última tinha barriga pintada de branco, ao contrário do cinza da primeira (Dmitry Avdeev).

– Pan Am Clipper Connection (2004-2008), nome fantasia da Boston-Maine Airways, a empresa operou com o 727-200 e alguns BAe Jetstream 31. A empresa fechou em 2008 após o Departamento de Transporte (DoT) cassar o certificado operacional por não cumprir uma série de parâmetros financeiros e operacionais.

PanAm Clipper Connection
A terceira ressureição da Pan Am tinha o nome Clipper Connection abaixo do nome (CC Flickr).

 – Pan Am Railways (2006-) a Guilford Transport foi renomeada como Pan Am Systems e a divisão de trens, como Pan Am Railways. Atualmente, a Pan Am Railways é subsidiária da CSX Corporation.

Panam Railways
Após décadas dominando os ares do mundo, a marca Pan Am virou uma mera operadora de trens de carga no nordeste dos EUA (Dan).

O legado da Pan Am continua nos dias atuais de diversas formas:

  • O Pan Am Building é atualmente sede da Metlife em Nova York;
  • O edifício da Pan Am em Honolulu ainda mantém o letreiro da empresa e foi tombado pelos valiosos serviços locais;
  • A sede da Divisão América Latina no Aeroporto de Miami, conhecida como Taj Mahal será transformado em terminal executivo;
  • APan Am Flight Academy é a única remanescente da Pan Am original, e hoje é uma subsidiária da ANA Holdings;
  • Diversos aeroportos no Nordeste e Norte do Brasil foram construídos pela Pan Am por meio da Panair;
  • Ainda existem diversas unidades hoteleiras da rede Intercontinental.

A logomarca da empresa ainda representa sinônimo de aviação e até uma série sobre a fase áurea da empresa foi realizada em 2011 pela Sony.

No fim o que se pode dizer da Pan Am é que ela se via como a empresa que construiu a aviação comercial e que por anos liderou o seu desenvolvimento. Desta forma ela não aceitou ser subalterna a outras empresas ou adotar medidas extremas.

A venda de ativos não resolvia o cerne do problema, as questões estruturais da empresa. Após a sua dissolução, as diversas tentativas de reencarnar a companhia como uma forma de que o nome e o legado garantiriam reconhecimento mostraram-se inócuas.

Hoje seu legado vive em suas contribuições à aviação e nostalgia aos tempos de uma aviação mais glamorosa e até mesmo pueril, apesar de ser mais elitista.

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