A Embraer é hoje o que pode se chamar de um grupo internacional com sede no Brasil. Para atender sua demanda e ficar mais próxima de seus principais clientes, a empresa está se espalhando pelo mundo. A fabricante já produz nos Estados Unidos os jatos das famílias Legacy e Phenom, e até o militar Super Tucano (em parceria com a empresa local SNC), e também já se aventurou na China, onde fechou recentemente uma linha de produção do Legacy 650.
No Brasil, as principais instalações do grupo ficam em São José dos Campos e Gavião Peixoto, onde são fabricados jatos executivos, aeronaves da família comercial E-Jets e o novo cargueiro militar KC-390. Já a outra parte da empresa, o que ela chama de “centros de excelência”, fica em Portugal, com unidades hoje essenciais para a expansão global da Embraer.
A Embraer possui desde 2012 duas fábricas de componentes em Évora, a 135 km de Lisboa. Uma planta produz peças metálicas e outra de materiais compostos. São asas, partes de fuselagens, estabilizadores, entre outros itens, construídos em linhas automatizadas.
As partes de material composto são montadas por robôs, unindo fios de fibra de carbono e kevlar, com total precisão e pouquíssimo ruído. A maior peça desse tipo fabricada em Évora é o estabilizador traseiro do KC-390, feito com 100% de material composto. Essa mesma unidade, uma das mais avançadas do grupo, também constrói outros componentes do KC, como elementos da fuselagem e partes das asas, e peças dos E-Jets 2, a nova geração dos jatos comerciais da Embraer.
Passando para a fábrica de materiais metálicos, o ambiente fica mais barulhento e também mais agitado, pois a produção é maior. É lá que chapas de alumínio aeronáutico tomam as primeiras formas de avião e, montadas em enormes cavaletes, são combinadas a outras por uma sinfonia frenéticas de furadeiras e estalos de rebites.
Na fábrica de peças metálicas também existem processos robotizados, mas com uma presença “humana” maior, em relação a unidade de materiais compostos. E, com ajuda de robôs e portugueses, surgem componentes do E190, Legacy 500, Phenom 100, entre outras aeronaves, que em seguida são enviados de navio para as linhas de montagem final no Brasil ou nos EUA.
Mas a fabricante brasileira não está apenas em Évora. Em Alverca, desta vez próximo de Lisboa, a Embraer controla a OGMA, a empresa aeronáutica mais tradicional de Portugal.
A fábrica que faz de tudo um pouco
A história da OGMA está ligada ao surgimento da própria aviação na Europa. Fundada em 1918, como “Parque de Material Aeronáutico”, a empresa fabricou o primeiro avião de Portugal, em 1922, o biplano Caudron G3, de origem francesa e construído sob licença. Em 1928, adotou o nome que traz até hoje, “Oficinas Gerais de Material Aeronáutico” (OGMA).
Entre as décadas de 1920 e início de 1950, a OGMA produziu, mais uma vez sob licença, uma série de aeronaves de pequeno porte para uso militar. Os principais foram o caça biplano Vikers Valparaiso e o avião de treinamento DHC-1 Chipmunk. Sem novos pedidos do governo português, a empresa parou de fábricar aviões. Ou melhor, aviões inteiros.
Com o passar desses quase 100 anos de existência, o grupo português montou um dos maiores centros de manutenção de aeronaves na Europa. A OGMA tem, por exemplo, uma das mais importantes oficinas de C-130 Hercules no mundo. Já houve casos de exemplares do cargueiro da Lockheed sem condições de voo que viajam da África para Portugal de navio e voltaram para casa como novos, voando.
Alguns dos clientes mais fieis do centro de manutenção dos Hercules em Alverca são as forças aéreas da França, Suécia e Espanha. A oficina também já “cuidou” dos C-130 da Argentina, Nigéria, Índia, Grécia e até de superforças, como a USAF (Força Aérea dos EUA) e a RAF (Força Aérea Britânica). São aeronaves que precisam de serviços de manutenção de rotina a profundos processos de revitalização e modernização de sistemas de voo e motorização.
A OGMA ainda possui um centro de manutenção de caças, hoje especializado no suporte aos Lockheed F-16 Falcon, usados pela Força Aérea de Portugal. Bélgica e Noruega, outros usuários do F-16, são outros países que enviam seus modelos para revisões em Alverca. Ademais, outras aeronaves militares que podem ser reparadas na instalação são o avião de patrulha marítima P-3 Orion, o cargueiro Casa C-212/C-295 e o até o Embraer Super Tucano.
A empresa de Portugal também é habilitada para receber uma grande variedade de aviões civis, como os jatos da família Airbus A320 e os modelos E-Jets e ERJ, da Embraer. Na parte executiva, atende os modelos Embraer Legacy 600/650 e Lineage 1000E, além do Dassault Falcon 50 e o ACJ320 (versão executiva do Airbus A320), muito utilizado na Europa por chefes de estado.
A Embraer controla a OGMA desde 2004, com 65% de participação na empresa – o restante pertence ao governo de Portugal. E nesses 12 anos que passaram, a empresa portuguesa passou por importantes mudanças, voltando inclusive a produzir componentes aeronáuticos, com diversas linhas de montagem “terceirizadas”.
Fábrica de Embraer, Pilatus, Dassault, AgustaWestland…
Além das instalações para manutenção de aeronaves, distribuídas em 10 hangares (11, se considerar um raro hangar de balões dos anos 1920), outra grande parte importante da OGMA são as fábricas de componentes metálicos e compósitos. Mas como a empresa portuguesa não tem um avião próprio, ela produz aeronaves para os outros. E o negócio parece estar indo bem.
A OGMA produz pequenos componentes para os jatos executivos Embraer Legacy e Phenom, além dos Dassault Falcon 2000 e 7X. São, por exemplo, elementos das asas, tanques de combustível e carenagens dos motores. Já o Pilatus PC-12, um dos turbo-hélices mais consagrados do mercado, é praticamente todo construído em Alverca. O avião segue para linha final da Pilatus na Suíça já com a fuselagem e asas prontas.
As plantas em Portugal também fornecem grandes peças para as montagens finais do cargueiro espanhol Casa C-295, e o helicóptero AgustaWestland EH-101, concluído na Itália. Com a experiência em manutenção no Hercules, a OGMA também aprendeu a fabricar peças para a aeronave da Lockheed, como partes da fuselagem e das asas.
A empresa portuguesa também está envolvida na produção do KC-390, fornecendo os profundores e portas, além do centro da fuselagem, uma das maiores peças do conjunto da aeronave, que é finalizada em Gavião Peixoto, no interior de São Paulo.
A OGMA ou a indústria portuguesa podem não ter um avião autêntico para chamar de seu, mas os portugueses podem se gabar que muita coisa que voa pelo mundo hoje tem participação de suas fábricas.
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Grande artigo Thiago! Você teve em Portugal recentemente?