A Boeing precisa de um bolo do tamanho de um 747 para colocar tantas velas para soprar com suas turbinas. A maior fabricante de aviões da história completa nesta quarta-feira (14) 100 anos de atividades. Foi justamente no dia 15 de junho de 1916 que decolou pela primeira vez o pequeno hidroavião “B & W Seaplane”, nome que leva as iniciais de seus criadores: William Boeing e George Conrad Westervelt. No mês seguinte, no dia 15 de julho, a empresa foi oficialmente estabelecida.
No voo inaugural, realizado no Lake Union, em Seattle, a empresa ainda se chamava “Pacific Aero Products”, e o avião não era exatamente um projeto original. O modelo foi construído a partir de um hidroavião Glenn Martin “Flying Birdcage” com o qual William Boeing havia se acidentado. Como o tempo de espera para receber as peças para o reparo seria longo, Boeing e seu parceiro Westervelt decidiram consertar a aeronave por conta própria e ainda acrescentaram modificações no design.
No início de 1917, Westervelt, então engenheiro da Marinha (US Navy), foi transferido para a costa leste dos EUA e teve de abandonar a Pacific Aero, na costa oeste, deixando seu parceiro William sozinho no comando da empresa, montada em um pequeno hangar no litoral de Seattle.
No dia 9 de maio de 1917, após completar a construção de dois B & W Seaplane, a empresa assumiu o nome “Boeing Airplane Company”. O que até aquele momento era apenas uma aventura de construtores pioneiros, se tornaria algo extremamente importante em questão de poucos meses.
Boeing na Primeira Guerra Mundial
O mercado da aviação “estourou” em 1916, ano em que surgiram os primeiros projetos de aviões de caça, bombardeiro e de reconhecimento aéreo especialmente concebidos para tais funções. Ao mesmo tempo acontecia a Primeira Guerra Mundial, conflito em que a “arma-aérea” decidiu muitos combates e se tornou um instrumento fundamental no meio militar.
Quando os EUA entraram oficialmente no conflito, no final de 1917, a Boeing foi convocada para ajudar no esforço de guerra. Nessa época, a principal fabricante de aviões norte-americana era a Curtiss Aeroplane, responsável por criar algumas das primeiras aeronaves miliares norte-americanas.
Sabendo da necessidade das forças armadas dos EUA por um avião de treinamento, a Boeing criou seu primeiro avião 100% original, novamente um hidroavião, o Model C, para dois ocupantes. A Marinha e o Exército dos EUA gostaram do projeto e encomendaram 50 unidades.
Boeing em terra firme
Até 1920, a empresa ainda projetou outros dois hidroaviões, o B-1 e o B-8, até finalmente decidir pousar em terra firme. Em 1923, o exército dos EUA lançou um contrato para adquirir um novo caça. Boeing e Curtiss se candidataram e apresentaram seus projetos.
A Boeing apresentou o modelo PW-9, desenvolvido a partir de um avião da Fokker (a empresa holandesa é ainda mais antiga, de 1912) e a primeira experiência da empresa com o trem de pouso. A Curtiss projetou o P-1 Hawk, que venceu a disputa. Mas esse domínio do concorrente duraria pouco tempo.
A fabricante continuou com o desenvolvimento do PW-9 até chegar no modelo P-12 (F4B), em 1930. Esse avião que foi o “queridinho” das forças armadas dos EUA quase por uma década, com mais de 500 unidades produzidas. Com essa aeronave, a Boeing ganhou experiência para criar novos aviões, que ficariam cada vez maiores e mais rápidos.
Primórdios da aviação comercial
Quase uma década após ter se consagrado no meio militar, o avião começou a se transformar para levar mais carga e passageiros. De olho nesse mercado, a Boeing fundou sua própria companhia de correio aéreo, a “Boeing Air Transport”, fundada em 1927. A empresa operava com o biplano Model 40, projetado pela própria Boeing.
Com motores cada vez mais potentes e o surgimento de novas técnicas de construção, os aviões cresceram em tamanho e desempenho. O primeiro modelo de “grande porte” da Boeing, introduzido em 1928, foi o Model 80, um trimotor com quase 20 metros de comprimento e capacidade para 18 passageiros. Essa aeronave foi uma tentativa da fabricante de Seatlle em criar um concorrente de peso para o famoso Ford Trimotor, o “747” dos anos 1920. Porém, apenas 16 modelos foram vendidos.
A década de 1930, por outro lado, foi mais frutífera. Em 1933, entrou em operação o Boeing 247, uma aeronave comercial para 10 passageiros construída quase inteiramente com alumínio e desempenho excepcional para época: podia alcançar 320 km/h e tinha autonomia de 1.200 km. A propaganda da Boeing se orgulhava em dizer que o novo bimotor podia voar de Londres até a Austrália em “apenas” 85 horas.
Ainda nos anos 1930, a empresa voltou a construir um hidroavião, mas desta vez muito maior: o Boeing 314 “Clipper”. A aeronave, uma das maiores do mundo em seu tempo, decolou pela primeira vez em 1938 e sua principal virtude era a autonomia intercontinental, o que atraiu a atenção de companhias aéreas. O Clipper, que podia transportar até 74 passageiros, voou com as cores da Pan Am e a British Overseas Airways, as maiores empresas do mundo nos primórdios da aviação comercial.
O transporte aéreo de passageiros, embora algo caríssimo, começou a ganhar popularidade no final da década. Os aviões mais famosos desse época foram o Douglas DC-3 e o Focke Wulf Fw 200 Condor, que tinham em comum a grande autonomia de voo. A resposta da Boeing para esse período de grandes mudanças foi o 307 “Stratoliner”, um quadrimotor com uma inédita cabine pressurizada, o que permitia voar mais alto, e assim consumir menos combustível, e tornava a viagem mais confortável para os passageiros. O voo inaugural do 307 foi em 1938.
O último grande avião comercial da Boeing com motores a pistão foi o quadrimotor 377 “Stratocruiser”. O aparelho, apresentado em 1947, podia transportar 100 passageiros em viagens de até 6.700 km a velocidade máxima de 600 km/h.
Segunda Guerra Mundial
Antes mesmo da Segunda Guerra Mundial começar, os EUA já haviam requisitado a Boeing um bombardeiro de grande capacidade. A resposta da empresa para esse contrato foi o B-17, a “Fortaleza Voadora”. A aeronave voou pela primeira vez em 1935 e logo se tornaria peça fundamental das forças armadas dos EUA durante o novo conflito mundial.
Até 1945, ano em que a produção do B-17 foi encerrada, a Boeing entregou 12.731 unidades do quadrimotor que podia carregar oito toneladas de bombas. Foi o segundo bombardeiro norte-americano mais fabricado da história, atrás apenas do B-24 Liberator, da antiga fabricante Consolidated Aircraft.
Buscando maiores capacidades, o governo dos EUA requisitou à Boeing no final da década de 1930 um bombardeiro superior ao B-17 em todos os pontos. Após um longo e complexo processo de desenvolvimento, a empresa apresentou o B-29, que realizou seu voo inaugural em 1941.
O enorme quadrimotor, capaz de transportar nove toneladas de bombas e fortemente armado, ganhou o nome “Superfortaleza Voadora”. Além disso, podia voar a mais de 600 km/h, a mesma velocidade ou até mais rápido que os caças da época.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o famoso bombardeiro da Boeing entrou em combate somente na região do Oceano Pacífico. O B-29 também foi responsável por lançar as primeiras bombas atômicas, em Hiroshima e Nagasaki, no Japão.
A era do jato
Talvez ninguém dentro da Boeing imaginasse que a empresa fosse liderar o mercado de aviões comerciais a jato anos depois de vencer a concorrência para um bombardeiro para a força aérea dos Estados Unidos no final da Segunda Guerra Mundial. Era 1943 quando a ainda USAAF (força aérea do exército americano) pediu estudos para um bombardeiro a jato.
Depois de sugerir um B-29 com motores a jato, a Boeing acabou refinando seu projeto introduzindo nele as asas enflechadas, mais eficiente para regimes de voo mais velozes. Desse estudo, surgiu o B-47, um bombardeiro de porte médio que utilizava seis turbojatos TG-180, da General Electric.
Com os conhecimentos adquiridos com o projeto do B-47, a Boeing vislumbrou a ideia de desenvolver um jato comercial na década de 1950. Para validar o projeto, foi criado o conceito 367-80 (ou Dash-80), um quadrirreator com quase 40 metros de comprimento e que deu origem a ninguém menos que o 707 – e também sua versão militar, o C-135 Stratolifter. Era o começo do domínio da fabricante entre as companhias aéreas.
Projetos militares famosos
Embora seja mais conhecida pela atuação no mercado de aviação comercial, a Boeing sempre teve uma maciça presença no segmento de defesa. Talvez a mais emblemática aeronave militar seja o B-52, um veterano bombardeiro nuclear que ainda está em serviço na USAF mesmo passados mais de 60 anos do primeiro voo.
Mas a Boeing também enveredou por outros caminhos. Entre os helicópteros, ela criou os modelos em tandem CH-46 e CH-47, o famoso Chinook. Na aviação de caça, ela foi parceira da Lockheed Martin no projeto ATF, que deu origem ao F-22 Raptor, e herdou dois aviões que são a base de defesa tanto da força aérea quanto da marinha americana, o F-15 Eagle e o F/A-18 Hornet, ao incorporar a McDonnell Douglas em 1997 – dois anos antes ela já havia assumido a Rockwell e, com ela, o bombardeiro B-1B Lancer.
Jatos comerciais consagrados
Com o enorme sucesso comercial do 707, ainda no final dos anos 1950, a Boeing decidiu criar na década seguinte uma família de aeronaves com os então revolucionários motores a jato. O primeiro produto dessa nova fase, revelado em 1963, foi o trimotor 727, aeronave de menor porte e mais adequada aos voos domésticos. O modelo foi um estrondo de imediato e companhias do mundo todo encomendaram o aparelho. E mais novidades estavam a caminho.
O lançamento seguinte foi o 737, apresentado em 1967 e que rapidamente foi adotado em enormes quantidades por empresas aéreas. Não à toa, o 737, que segue em produção e prestes a avançar para nova geração MAX, é o avião comercial mais vendido da história, com mais 8.000 unidades entregues em quase 50 anos de produção continua.
No final da década de 1960 a Boeing impressionou o mundo com uma enorme máquina, sem precedentes na aviação comercial, em capacidade e desempenho. Em 1969, decolou pela primeira vez o 747, o “Jumbo”. Parte da cabine tinha dois andares e os quatro motores a jato permitiam ao avião cruzar o metade do mundo a quase 1.000 km/h.
O 747 entrou em operação em 1970 e consolidou como o principal avião de viagens internacionais por décadas sem nenhuma concorrência. As primeiras versões do Jumbo podiam transportar mais de 400 passageiros (em configuração de alta densidade) e com o tempo cresceu mais ainda: a versão atual, o 747-8, pode ser configurado com até 605 assentos. O gigante da Boeing perde apenas para o colossal Airbus A380.
Outros dois importantes jatos comerciais da Boeing são o 767 e o 777. O primeiro, introduzido em 1982, inaugurou uma nova era de voos de longo curso com aeronaves impulsionadas somente por dois motores. O 777 é uma evolução desse conceito, mas com desempenho e capacidades ainda maiores. Os dois aparelhos seguem em produção e também a caminho de avançar para a próxima geração.
Futuro da Boeing
O principal produto da Boeing atualmente é o jato 787. Considerado uma das aeronaves comerciais mais modernas do mercado, o aparelho é construído com materiais mais leves e resistentes, como fibra de carbono, e possui motores supereficientes, com uma vantagem de 20% em relação aos jatos da geração anterior.
O Boeing 787 entrou em operação em 2011 e até o momento foram entregues cerca de 350 unidades do avião, que apresenta novas soluções para companhias aéreas reduzirem seus custos. O modelo está disponível nas versões 787-8, para até 240 passageiros e autonomia de 13.600 km, e o 787-9, para 290 ocupantes e alcance de 14.100 km. A fabricante também está desenvolvendo uma terceira variante, o 787-10, com 330 assentos – o primeiro voo desse modelo é esperado para 2018.
Nas últimas duas décadas, entretanto, a Boeing perdeu parte de seu domínio na aviação comercial e a liderança no segmento com o fortalecimento da Airbus, a partir dos anos 1990.
A divisão militar também não vive seus melhores dias. Embora ainda produza os caças F-15 e F/A-18 (com opção de reativar a linha do F-22), a “Boeing Defense” não tem nenhum novo projeto de aeronave militar em andamento. Recentemente, a Boeing foi superada em dois importantes programas militares nos EUA e com isso perdeu contratos bilionários.
Ainda dona dos maiores números na aviação comercial, a agora centenária Boeing tem uma série de investimentos em desenvolvimento, inclusive na área espacial, que em breve vão surgir no formato de novas gerações de seus aviões mais consagrados, como o 737 e o 777. Que venham mais 100 anos de aviação!
Nota do editor: Após deixar a “Pacific Aero” em 1917, George Conrad Westervelt trabalhou no US Navy até o início da década de 1920, quando foi contratado pela Curtiss, então maior rival da Boeing. Na década de 1930, foi pioneiro da aviação na China, onde colaborou na criação da “China National Aviation Corporation”, que existe até hoje.
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